Esta peça começa por ser uma transcrição adaptada de uma peça anterior – “como se canta o fogo, o mar e o som dos barcos”, para trio de guitarras, escrita como comentário a um poema de José Augusto Mourão. Mas depressa foi evoluindo para outros desenvolvimentos, vindo a terminar numa secção completamente nova.
A primeira “carta” é baseada em motivos rápidos, repetidos de forma insistente pelas duas guitarras, em progressões dinâmicas. Trata-se de jogos de sonoridades e texturas, definidos de muitas formas, seja variando os registos, as figurações, timbres, velocidades ou carácter. Cada uma dessas secções termina em acordes, quase sempre de escrita mais afirmativa e de carácter orquestral.
A segunda “carta” tem uma escrita mais repousada e progressiva, com as duas guitarras em grande sintonia harmónica, criando movimentos largos e direccionados, numa toada expressiva de carácter aparentemente interior. A pouco e pouco vão surgindo novas melodias, mais ou menos ornamentadas, tornado os movimentos um pouco mais densos. Com um abrandamento na parte final, a obra prepara a sua terceira parte (…um abraço).
Inicialmente definida esta parte final por uma escrita polifónica de caracter vivo e de jogo cromático, a peça vai retomar algumas figurações da primeira peça, cada vez mais frequentes e intensas, vindo a terminar a obra num clima aberto e orquestral.
Estas cartas são uma espécie de figuração de um cumprimento, mais ou menos como quem envia saudades e lembranças. Desta cidade do Porto que também se foi tornado minha, para a primeira e única, Vila Real. Para lá do Marão – a minha serra – fica a minha terra, o Couto, no início da encosta do Alvão. São lugares mágicos que me fizeram o caracter e me abriram os olhos desde criança. E que viajam comigo, tantas vezes espreitando em muitos momentos de outras obras minhas. É por isso que, no final, estas cartas levam um abraço para Vila Real. Ele é também para o Paulo Vaz de Carvalho, pela amizade de sempre, mas também pela sua perseverança em ousar continuar a fazer surgir música na nossa terra.
Finalmente, estas “Duas cartas… e um abraço”, são dedicadas a um duo de excelentes guitarristas, Paula Marques e Paulo Peres, da mais fina qualidade musical e humana. Para eles tive o privilégio de escrever e de ouvir interpretadas muitas vezes em concerto, outras obras que respiram os ares transmontanos: a “Suite Doiro – sobre cantigas do lagar e da vinha”; e as “Canções populares transmontanas” para guitarras, retiradas do cancioneiro da região de Vila Real, “Um passado presente”, editado pela Câmara Municipal de Vila Real. Por essa razão este abraço é também e obviamente para estes amigos de sempre.
Fernando C. Lapa