O quarteto Zyryab já me havia pedido que escrevesse para a formação, mas a falta de oportunidade assim não o permitiu.
Da vontade deste quarteto, sempre ávida de novo reportório, somou-se-lhe um desafio auto-proposto, numa espécie de missiva musical remetida para Hugo Ribeiro, colega, amigo e compositor.
O desafio consistiu em partir do material utilizado como predilecção pelo meu colega (acordes simétricos, recorrendo ao encadeamento e/ou emparelhamento do intervalo de 7 meios-tons utilizando o intervalo de meio-tom como charneira da simetria) e fazer uma apropriação desse material naquilo que considero, humildemente, ser “a minha voz”.
Porque um quarteto, a formação é tangível de um tratamento mais livre de uma pulsação unificadora, sendo que optei por uma dinâmica de grupo de investimento colectivo - todos são dependentes do todo para o qual cada parte individual dá o seu contributo - resultando naquilo que considero um equilíbrio dinâmico.
A forma sugere-se-nos como uma forma
sonata (talvez polémico, mas esclarecedor!), algo metamorfoseada e distorcida, que embora não idealizada enquanto tal, resulta da evolução do material e das necessidades discursivas.
Tirar proveito da afinação convencional do instrumento revelou-se um jogo ténue de timbres entre cordas soltas, pisadas, tensas, etc.
Na última secção (que podemos considerar como uma
coda que ganha autonomia), os campos harmónicos inusitadamente transformam-se na sua estrutura, cedendo o lugar a resultados diferentes, embora elaborados com os mesmos princípios de simetria, agora numa lógica logarítmica e hertziana (só para não dizer espectral!). Aqui a afinação convencional do instrumento acompanha as consequências da abordagem estrutural da harmonia, que impende sobre todos os parâmetros na conclusão da peça.
[ka’mi] 2005