Tenho uma outra variação sobre o famoso dito last but not least que costumo usar nas minhas classes quando apresento um argumento no final da exposição de um assunto, mas que, apesar de último, não deixa de ser um argumento essencial. Digo então para os meus alunos: “Last but not least, ou se preferirem, James Last but not Franz Liszt”. A ressonância desta frase tem, para mim, uma vibração surreal, ao confrontar a figura mundana de James Last1 com a figura gloriosa de Liszt, que este ano, e neste dia precisamente, celebramos. Desta vez, Liszt but not Liszt acaba por ser, contudo, um título sem qualquer ressonância irónica ou surreal. Pelo contrário: revela, qual chave, a própria forma da peça, com os seus cinco andamentos em forma de espelho, com profundas correspondências entre si, sendo o 3º andamento, Szürke felhők (que significa, em húngaro, Nuvens cinzentas), o eixo dessa simetria. O último andamento, Nuages Gris, evoca a pequena obra-prima homónima para piano de Liszt, prenhe de futuro, ora atravessada de uma pulsão pantonal (vá-se lá saber por que é que Alban Berg não resistiu ao seu charme, evocando esta mesma peça logo no início da sua Sonata para piano, Opus 1), ora atravessada por uma sensibilidade simbolista, que aponta o caminho para o pianismo das perfumadas flores debussistas.
E a tuba wagneriana faz todo o sentido aqui, nesta efeméride. Oiro sobre azul. Todos nós conhecemos a íntima comunhão artística e familiar de Liszt e Wagner. Todos nós adivinhamos, aliás, o entusiasmo que Liszt não terá tido pelo significado do timbre do instrumento especificamente pedido por Wagner a Adolphe Sax: um instrumento que cantasse os heróis do Valhala de um modo sombrio, como o trombone, mas com aquela agilidade dos mitos germânicos como só a trompa sabe ter. Confesso que é um timbre que também sinto próximo do universo brumoso e decadente de Gotham City. E, claro, das gárgulas daquele velho castelo transilvano, onde Béla Lugosi (outro húngaro famoso) se sentava a cantar a sua própria marcha fúnebre, Szürke felhők, decantando a grande noite expressionista.
Andamentos / Partes
1. Trübe Wolken
2. Rondo (i)
3. Szürke felhók (Elegia a Béla Lugosi)
4. Rondo (ii)
5. Nuages Gris
Instrumentação Detalhada
Categoria Musical Solista(s) e Orq./Ens. e/ou Coro/Conjunto Vocal
Instrumentação Sintética Tuba Wagneriana e Cordas
Estreia
Data 2011/Oct/16
Intérpretes
Paulo Guerreiro, tuba
Sinfonietta de Lisboa
dir. Vasco Pearce de Azevedo