Título Entrevista com Luís Tinoco
Tipo Entrevista
Autor Rui Miguel Leitão
Outros Autores Luís Tinoco
Data 2006/Feb/28
Observações
Entrevista com Luís Tinoco
Luís Tinoco é detentor de um sólido percurso artístico e pode ser hoje apresentado, sem qualquer reserva, como um dos músicos portugueses mais importantes da actualidade. É, efectivamente, um compositor amplamente premiado, editado, gravado e requisitado – quer entre nós, quer além fronteiras. Nesta entrevista, fala-nos sobre a obra – "Contos Fantásticos" – que vai ser estreada pela OML no Teatro Municipal São Luíz no próximo dia 10 e repetida nos dias 11, 12, 15, 16, 17, 18 e 19.
P: Desde 2005 tens toda a tua música editada em Inglaterra, designadamente pela University of York Music Press. Pode-se também comprovar que o teu nome emergiu na cena internacional no decorrer dos últimos anos. Quando escreves uma nova peça: pensas no público que vai estar presente na estreia? Ou já tens em conta o mercado internacional, que mais tarde ou mais cedo acabará por escutá-la?
Cada peça pode ter um público próprio. E não me é possível saber ou imaginar o que se passa na cabeça de todas as pessoas que vão ouvir a minha música. Como tal, não posso – nem pretendo – direccionar a minha escrita em função de expectativas que desconheço. Contudo, isto não significa que eu acredite na possibilidade de se compor sem se comunicar e, nesse sentido, se escrever para um público juvenil (como nesta nova peça) ou se escrever para uma coreografia ou, ainda, se escrever uma peça instrumental sem qualquer tipo de programa, vou ter de pensar nos diferentes tipos de público e no contexto em que a música irá ser interpretada. Por vezes, a própria encomenda tem também uma série de condicionantes que poderão, entre outros factores, incluir um tipo específico de público. Por exemplo, quando escrevi "Immaginary Dancescape - a melodrumming after Cocteau", tive de partir de uma proposta muito concreta: escrever uma peça que fizesse uma homenagem ao bailado "Le Jeune Homme et La Mort" de Jean Cocteau e Roland Petit. Quando escrevi essa peça estive sempre consciente de que grande parte do público seria constituído por pessoas ligadas à dança e esse factor influenciou inclusivamente a escolha de elementos tão importantes como a instrumentação. Naturalmente, desejo que a música que escrevo possa ter mais vida para além do concerto de estreia, quer seja em Portugal ou fora do país. Mas não condiciono a minha escrita à possibilidade de uma peça ser muito tocada. Inclusivamente, nos últimos anos tenho escrito várias peças para as quais solicitei combinações instrumentais que limitam claramente o número de execuções. Por exemplo, em "Invenção sobre Paisagem" usei onze gongos afinados... E, naturalmente, não é fácil arranjar estes instrumentos, em qualquer parte do mundo. Mas essa peça não teria a mesma cor sem esses instrumentos e quando chegou o momento de optar, não hesitei.
P: Neste caso, vais-te dirigir a um público muito especial. É esta a tua primeira incursão no universo musical infantil?
Não, já participei num projecto educacional, criado pelo Pavilhão de Portugal na Expo de Hanover, em 2000. Nesse caso não tive de escrever música original para crianças, mas orientei um workshop de composição com alunos da Casa Pia e do qual resultou uma peça original que foi estreada em Hanover pelos próprios alunos, tocando instrumentos que eles criaram com o João Ricardo Oliveira a partir de materiais reciclados.
Foi uma experiência inesquecível porque em vez de escolhermos os bons alunos das classes de música, optámos por trabalhar com alunos que tinham sérios problemas de ordem diversa, todos eles sem estudos musicais.
P: Nesta obra – "Contos Fantásticos" – escolheste acompanhar a tua música de três textos da autoria de Terry Jones, um nome que é conhecido do grande público por ter integrado os Monty Python. Aí fala-se de dinossauros, de estradas surrealistas que não nos levam a nenhum sítio em particular, ou ainda de gotas de água que falam entre si. Porque é que escolhestes estes textos?
De certo modo, quis fugir ao universo dos contos infantis "politicamente correctos". Como tenho dois filhos, por vezes passam-me pelas mãos alguns livros infantis que me deixam na dúvida se terão sido realmente escritos para crianças. Outras vezes fico também preocupado com a violência de alguns contos (no plano psicológico e / ou no plano físico). É certo, muitos contos tradicionais, nas suas versões originais, são profundamente violentos. E se formos fazer uma estatística dos filmes dos Estúdios Disney (e seus derivados) são raros os casos em que a personagem principal não fica órfão de mãe ou de pai. No que me diz directamente respeito, ainda não me conformei com o destino da mãe do Bambi. E ainda me recordo do estado de choque em que fiquei, no cinema Tivoli, com as maldades que fizeram ao Dumbo. Portanto, no início, eu ainda não sabia bem que tipo de texto usar. Mas sabia muito bem o que queria evitar. Após uma série de pesquisas, e por sugestão de uma pessoa amiga, fui reler as "Histórias Fantásticas e Maravilhosas" e os "Novos Contos de Fadas" de Terry Jones. Digo reler porque, curiosamente, eu já conhecia os livros desde a sua primeira publicação em Portugal. Na altura estes dois livros tinham despertado a minha atenção não apenas pelo texto mas, também, pelas ilustrações de Michael Foreman. Gosto muito de ilustrações de contos infantis e de cinema de animação. Mesmo nos Monty Python, eu estava sempre à espera do momento em que iriam surgir as animações de Terry Gilliam.
Regressando à tua pergunta, quando reli estes contos percebi que tinha encontrado o meu material de trabalho. Tinham o humor e a imaginação que seriam de esperar num ex-Monty Python e, simultaneamente, eram ousados na forma como exploravam ideias e ambientes que, à partida, poderiam ser mais acessíveis a um público adulto. "A Estrada Rápida", por exemplo – que é o conto que escolhi para o primeiro andamento desta peça – explora um universo bastante surreal que, admito, poderá implicar uma certa dose de risco na comunicação com o sector mais infantil do público. Mas, por outro lado, é um belíssimo conto, rico em sugestões sonoras e visuais. Para o segundo andamento – "Três Pingos de Chuva" – usei um conto muito breve, que aborda o tema da vaidade de forma bastante subtil e com muito humor. E para o último andamento – "Tomás e o Dinossauro" – escolhi um conto cheio de acção. As personagens são um pequeno rapaz, o Tomás, e um conjunto de Estegossauros, Tiranossaurus Rex e outros bichos felizmente já extintos. Curiosamente, em alguns momentos, este conto aproxima-se de situações que associamos a alguns filmes fantásticos recentes, como é caso do célebre "Parque Jurássico". Mas "Tomás e o Dinossauro" é um conto de 1992 e o filme de Spielberg e o livro de Crichton são de 1993.
P: Como é que a tua música se relaciona com este universo? Trata-se de uma obra programática?
Em muitos momentos, a forma como trabalhei os contos foi quase um trabalho de sonoplastia. Nesse sentido, o primeiro andamento procura explorar a ideia de movimento vertiginoso da "Estrada Rápida"; o segundo andamento explora as sonoridades aquáticas da chuva a cair; e o terceiro andamento segue, passo-a-passo, o ritmo e as mudanças bruscas na acção. Tive, por exemplo, de imaginar como seriam os sons do estômago de um estegossauro ou de uma estrada em andamento vertiginoso... e esse trabalho – ou melhor, esse "esforço" – foi muito estimulante.
P: No que respeita à composição: em que outros projectos estás agora empenhado?
Neste momento estou já a trabalhar numa peça para um conjunto de steel drums – encomendada pelo Drumming Grupo de Percussão –, e numa peça para flauta solo – encomendada pela Casa da Música. Tenho também dois projectos orquestrais que ainda não estão formalmente confirmados. Mas, se tudo correr bem, serão estreados no final de 2006 e no segundo semestre de 2007.
P: Fala-se agora muito de novos públicos e de novos meios de difusão, em particular na internet. Estás atento a essa realidade?
Estou relativamente atento. Só aderi à "Estrada Rápida" da banda larga há cerca de um mês...
P: Ainda te intitulam frequentemente de "jovem compositor". O que achas disso?
R: Julgo que ser-se "jovem compositor" não depende apenas da idade. Se considerarmos que um compositor é jovem, digamos, até aos 35 anos, nesse caso, fui jovem compositor até Junho do ano passado. Um mês depois passei ao escalão sénior. Se pensarmos num futebolista ou num bailarino com 35 anos, já estão na idade da reforma. E se pensarmos num agricultor, será jovem até aos 40 (pelo menos na categoria "subsídios"). No caso da música, a carreira de um intérprete, de um maestro ou de um compositor terão ritmos de desenvolvimento e de maturação diferentes. Um maestro com 35 anos poderá ainda estar no início de uma carreira. Mas, em princípio, o mesmo não acontecerá com um intérprete.
Se tivermos em conta que foi apenas aos 35 anos que consegui, pela primeira vez, gravar um CD "a solo" com as minhas peças e ver a minha música publicada, então a minha carreira de compositor ainda será "jovem". Mas ao mesmo tempo estou consciente de que, profissionalmente, estou a ter solicitações e oportunidades que já me aproximam de um estado "mais sénior". Como tal, neste momento, prefiro preocupar-me mais com o grau de juventude que a minha música possa (ou não) ter e deixo as separações por categorias para terceiros.
Rui Miguel Leitão
(fonte: site da Orquestra Metropolitana de Lisboa)
Acesso