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ENTREVISTA |
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Maria de Lourdes Martins |
Entrevista a Maria de Lourdes Martins / Interview with Maria de Lourdes Martins |
2004/Dec/21 |
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Versão Áudio
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Versão Texto
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Registo Videográfico
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Título do Suporte Entrevista a Maria de Lourdes Martins / Interview with Maria de Lourdes Martins |
Realizador Perseu Mandillo |
Produtor Tortoise Movies |
Tipo de Documento Entrevista MMP |
Tipo de Suporte MiniDV |
Data 2004/Dec/21 |
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Edição
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Editora Centro de Informação da Música Portuguesa |
Referência da Edição CIMP_entr_VID_MLM |
Data 2004/Dec |
Localidade Parede |
País Portugal |
Email Editor mic@mic.pt |
Página Web Editor Página Web Editor |
Edição Online |
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Observações
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Entrevista conduzida por João Carlos Callixto e realizada em casa da compositora (Parede)
Transcrição, redacção, revisão: João Carlos Callixto |
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Acesso
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Centro de Informação da Música Portuguesa |
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Importância dos professores,
nomeadamente de Jorge Croner de Vasconcellos, para a sua formação.
Foram importantes, não propriamente na composição em si,
mas na abertura. Houve uma aula do Croner de Vasconcellos que foi toda sobre
chapéus! Falava de coisas completamente diferentes, mas ia sempre dar
à música. Ele tinha uma cultura enorme e, embora em público
se calasse, com os alunos falava. Eu era aluna de piano e fui para a composição
para melhorar a minha cultura, e não para ser compositora. O que eu fazia
em música era adaptar versos ou palavras ao texto musical. Uma vez, o
Croner disse-me: “isso está muito bem, mas agora salte 200 anos!”.
Eu só fazia as coisas de uma forma muito escolar: fugas, invenções,
etc. Lembro-me que fui para o piano procurar o que soava melhor e foi dessa
maneira que comecei a ter interesse pela composição, porque eu
até aqui não tinha interesse pela composição em
si.
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Estilo e método de composição
O meu estilo de composição deriva da erudição, de
querer saber mais qualquer coisa. A ideia inicial não era eu compor,
mas eu comecei a interessar-me e o piano ficou para trás. A carreira
de composição interessou-me, de facto, muito mais.
Eu quando vou escrever, escrevo muito depressa, porque já tenho tudo
na cabeça. Não é a forma que vem ter comigo nem eu que
vou ter com a forma, é tudo junto. Depois, para sair, é só
escrever, porque já cá está tudo dentro. Durante muito
tempo, foi assim que compus, mas depois comecei a ter uma certa técnica
minha.
Talvez seja na música de câmara que me sinto mais à vontade,
e não na música de orquestra – acho que um maestro que também
seja compositor tem muito mais riqueza e sabedoria do que eu, que não
sou chefe de orquestra – embora tenha ido assistir a ensaios na Emissora
Nacional, e isso fez-me muito bem.... Eu gosto de escrever e de já ter
pensado a obra antes na cabeça.
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Sobre O Encoberto e
A Donzela Guerreira
Deram-me a liberdade de escrever para a formação que quisesse.
A Gulbenkian encomendou-me uma obra, e eu fiz O Encoberto. Depois fiz
outra ópera, para crianças, embora ela quando foi feita tenha
sido feito por crianças, e não era essa a minha ideia. Era para
ser ouvida e vista por crianças. Foi feita na Universidade do Minho,
porque houve entidades que se interessaram lá.
A ópera foi depois feita nas escolas, e eu fui ver a reacção
das crianças, sem que soubessem que eu estava ali. Fui a vários
sítios, porque eles fizeram muitos concertos, com crianças. Ela
não era para ser com crianças, mas para crianças, embora
com crianças tenha resultado, porque elas ficaram muito interessadas.
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Sobre Três Máscaras
e o emprego de três grupos de jazz na instrumentação
Foi discutido nessa altura, mas eu quis causar impacto. Eu nessa altura estava
um pouco a cair no “bem feitinho”, então isso foi um arejar
meu. Não sei jazz, embora oiça, mas o jazz escrito parte da improvisação.
Procurei fazer algo em que o próprio indivíduo inventasse na altura.
Mesmo nos ensaios, havia coisas que eu queria mudar, para pôr mais fácil.
Na verdade, como obra, é um bocado chata, embora eu tenha procurado precisamente
não ser. Eu não gosto de modificar obras depois de as escrever,
mas tenho a impressão que se fosse hoje, haveria partes dessa obra que
eu modificaria. Percebi que às vezes é diferente aquilo que se
pensa e aquilo que depois se faz. Havia partes que, na verdade, deviam ser cortadas,
porque não estão lá a fazer nada, só aborrecem.
Eu própria sinto isso.
Falta-me técnica, eu senti que me faltou técnica. Quando eu fui
para a Universidade de Munique, e tive aulas com o Genzmer e com o Stockhausen,
vi que havia coisas que tinha escrito que devia rasgar ou que devia deixar como
estão, porque representam uma altura. Um maestro tem muito mais possibilidades
de ser compositor do que uma pessoa que vai assistir só a um ensaio ou
outro.
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Obras de câmara
Nessa altura procurei assistir a vários ensaios, porque se aprende muito
com as repetições. Escrevi também para instrumentos de sopro,
dois quintetos. Além disso, gosto muito de música de câmara.
Gosto muito das formas, da fuga, da invenção. A técnica da
fuga é muito diferente da técnica da sonata. Não estou a
escrever nada agora, mas gosto imenso de ouvir as fugas de Bach e de outros. É
uma forma musical que me enche.
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Carl Orff
Quando as pessoas pensam que eu estou influenciada pelo Orff, eu acho que não
estou nada. O que eu fiz foi Orff-Schulwerk, com as crianças, mas é
muito diferente do Orff como compositor. Ele era uma pessoa muito aberta, com
uma cultura enorme, e sabia que eu não era nada Orff na composição.
Mas a ideia que ele teve para as crianças era aliar o movimento à
música. Ele esteve cá em Portugal uns quinze dias, e disse-me:
“já sei que não compõe nada da minha escola.”
Mas não se importava nada!
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Método Orff
Fui assistir a uma conferência do Orff na Universidade de Munique. Ele,
para a fazer, mexia-se, andava, dançava, fazia tudo. Não era como
aquelas conferências a que estamos habituados, era antes uma forma viva
que ele fazia criar aos outros. Essa conferência teve imenso interesse
– eu pensei que ia ser uma maçada, e na verdade foi fantástico.
Eu nessa altura estava, no entanto, a trabalhar com o Stockhausen, que era completamente
diferente.
Eu tinha que fazer relatórios para a Gulbenkian, uma vez que estava na
Alemanha com uma bolsa, e falei da conferência. A Madalena Perdigão
disse-me logo que queriam experimentar em Portugal. Comecei então a dar
aulas a crianças que não pagavam nada e a ter essa vivência.
Depois passei para o curso de professores, porque havia alguns que vinham assistir
e me perguntavam se eu ia dar cursos para professores.
Tenho três livros, divididos por anos e por idades, com canções
baseadas na música popular, que é o que as pessoas conhecem. Pode
até ser má música, mas é a que foi criada pelas
pessoas. Isso é muito importante, porque vai ao encontro do indivíduo,
que não é só um receptor passivo, é um criador também.
Quando o método Orff é bem dado, penso que continua a ser um método
formidável, porque se adapta a cada pessoa. Ele dizia que as pessoas
que viviam à beira-mar vêem as coisas de forma diferente dos que
vivem no interior, e aqui entra a questão da tradição.
Às vezes oiço dizer que fazem método Orff e o que vejo
é algo completamente anti-Orff. Eu fiz em vários locais, em Torres
Vedras chegaram a ser sete cursos, e a grande vantagem é realmente cada
aluno poder seguir aquilo que sente.
É um método vivo, em que se pode partir de um mesmo sítio
e cada um ir por caminhos diferentes, mas sempre com as crianças a sentirem
que não estão a ser mandadas. Temos que lhes dar a liberdade de
procurar, mesmo que depois esteja errado, e depois apoiá-los em vez de
dizer logo que está errado. Já me tem acontecido encontrar depois
pessoas que foram minhas alunas e que me vêm dizer que acharam muito mais
interesse nas coisas feitas dessa forma, e isso enriquece-nos enormemente.
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Experiência como professora
Eu não sou nada estável, e diziam que o meu máximo era
dois ou três anos num sítio. Estive em Coimbra dois anos, e depois
vim-me embora – as coisas não pioraram nada, eu é que senti
que já não estava a fazer nada lá, e fui para Setúbal.
Mas ficou sempre qualquer coisa, como a realização de alguns encontros,
por exemplo. Setúbal e Coimbra foram, de facto, os sítios onde
estive mais tempo, fora de Lisboa.
Actualmente há muito mais liberdade, o que acaba por ajudar o aluno a
seguir o seu caminho pessoal. O professor deve ser cada vez menos professor
e cada vez mais camarada e colega, deixando o aluno viver por si próprio.
Acho que isso se passa hoje em dia.
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Ensino como porta de formação
de novos compositores
Esse é um ponto muito crítico. Ainda há pouco tempo soube
que o meu programa, feito há sete anos e que já não era
muito actual, ainda continua a vigorar. Mas eu, como professora, tentava dar
focos para depois as pessoas partirem dali, não para pegarem no programa
à letra. Queriam fazer aquilo exactamente como estava escrito, quando
aquilo funcionava como um impulso. Eu achava bem que fizessem até tudo
diferente... A minha ideia foi essa. Os alunos tem que criar a partir dali,
com o apoio do professor. Se calhar o mal era meu, não me tinha explicado
bem: aquilo eram pontos de partida e não pontos de chegada.
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Importância das linguagens
musicais contemporâneas para a escrita pessoal
Eu tentei acompanhar, em parte, mas estava a fazer um esforço. Com o
dodecafonismo, cheguei a meio de uma obra e irritei-me, porque estava a ser
subjugada por uma fonte, digamos, erudita da composição. Eu era
diferente. Por exemplo, como professora de Orff-Schulwerk posso fazer coisas
ao contrário do que faço como compositora. Mas, de facto, a vivência
como compositora nunca aguentou o dodecafonismo.
Eu tive uns professores em Munique muito bons – Harald Genzmer, que era
da escola do Hindemith, por exemplo. Eu tentei seguir essas correntes, mas também
não me segurei. Pode parecer orgulho pessoal, mas não é.
Eu tentei procurar uma linguagem que julgo que era a minha, o que não
quer dizer que não houvesse centenas de pessoas a escrever no mesmo género.
Mas aquela era minha, era diferente – já a tenho cá dentro
quando passo as coisas para o papel. As coisas já estão todas
pensadas, embora às vezes mude um bocado, e acabo por seguir um caminho
diferente daquele que pensei inicialmente. A própria linguagem faz-me
mudar, começa a ter mais força que o resto.
No entanto, nunca tive muito tempo com a mesma linguagem. Ainda outro dia ouvi
um programa de rádio que falava de música concreta... Eu tentei
fazer coisas com música concreta, integrando objectos, e foi uma boa
experiência.
Depois da música concreta, houve muita coisa que apareceu e que eu pus
de lado. Eu fui aluna do Stockhausen, e ele uma vez foi buscar qualquer coisa
ao meu quarto e viu coisas do Orff por todo o lado, porque eu estava a traduzir
o Orff ao mesmo tempo. Mas ele era muito aberto!
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Experiência em Darmstadt
Aí é que eu vi outro mundo, eram coisas fantásticas. Todos
queriam aprender, e alguns conseguiam. Actualmente, não sei qual é
a força que tem Darmstadt, porque me afastei um bocado. Mas nessa altura
foi importante. Vi bons compositores, e outros que talvez não fossem
tão bons, mas a criatividade imperava. Lembro-me de uma obra que consistia
em subir a um banco e depois havia um candeeiro com um pau que fazia som à
volta do candeeiro – e isso era a obra! Ou seja, começava-se a
compor a partir do nada. Actualmente, acho que se está de novo a fazer
isto, embora com uma nova visão.
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Compositor como reflexo da sociedade
em que se insere
Eu posso escrever num género e outro compositor de que eu goste
muito escrever num género completamente diferente. Acho que actualmente
há uma maior liberdade, mas é difícil dizer propriamente
o que é moderno. As últimas obras do Stockhausen são mais
antigas do que outras que ele escreveu há mais tempo, por exemplo. Agora,
qual é o deus que vem aqui para dizer o que é bom e o que não
é? Actualmente, talvez ele empregue uma linguagem que é apreendida
por um maior grupo de pessoas. Houve uma altura em que ele era agressivo. Não
sei qual será o caminho que ele vai tomar no futuro, embora tenha muitas
influências do meio electrónico. É preciso conhecer a fonte
para se escrever dessa forma, e portanto eu nunca poderia fazê-lo. Não
é que não tenha interesse, mas sei que não era capaz.
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Jorge Peixinho e linguagens electroacústicas
em Portugal
Em Portugal, o Jorge Peixinho estava muito mais avançado do que eu, nessas
linguagens. Mas demo-nos sempre muito bem. Fizemos uma viagem juntos a Itália,
porque tivemos uma bolsa, e havia coisas que eu não percebia e ele me
explicava logo em duas palavras. Era fantástico! Ele era um sábio,
sabia o porquê destas coisas.
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Nova geração de
compositores portugueses
Agora, não vejo nenhum nome especial que possa dizer já que é
um grande compositor. Posso gostar muito de um compositor em algumas obras,
mas a própria pessoa tem obras diferentes, e não sou obrigada
a gostar de todas as obras desse compositor. No entanto, sinto que há
uma procura. Penso que vivemos numa época de transição,
com boas e más obras – e não com bons e maus compositores.
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Decisão de deixar de compor
Agora não escrevo nada mesmo. Acho que não vale a pena ocupar
um armário com obras que depois ficam para ali abandonadas, é
melhor dar caminho a essas obras. Eu gostava de ter algumas obras executadas
e que alguém publicasse as partituras. Mas isso tudo dá muito
trabalho, e é preciso um editor.
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