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ENTREVISTA |
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Álvaro Cassuto |
Entrevista a Álvaro Cassuto / Interview with Álvaro Cassuto |
2005/May/28 |
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Versão Áudio
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Versão Texto
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Registo Videográfico
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Título do Suporte Entrevista a Álvaro Cassuto / Interview with Álvaro Cassuto |
Realizador Perseu Mandillo |
Produtor Tortoise Movies |
Tipo de Documento Entrevista MMP |
Tipo de Suporte MiniDV |
Data 2005/May/28 |
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Edição
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Editora Centro de Informação da Música Portuguesa |
Referência da Edição CIMP_Entr_VID_AC |
Data 2005/May |
Localidade Parede |
País Portugal |
Email Editor mic@mic.pt |
Página Web Editor Página Web Editor |
Edição Online |
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Observações
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Entrevista conduzida por Miguel Azguime em casa do compositor
Transcrição, redacção, revisão: Teresa Pacheco Ferraz, Marta Catana |
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Acesso
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Centro de Informação da Música Portuguesa |
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Untitled Document
Aproximação à
Composição
Musicalmente, tive de começar de alguma forma. Evidentemente que aprendi
piano em casa, com os meus avós, que tocavam. A minha avó tocava
piano e o meu avô violino e portanto aprendi violino, piano, etc. a um
nível amadorístico. Às tantas, aos 10,11 anos, por iniciativa
própria, interessei-me muito a sério pela música. Por um
lado, porque tive tempo, por outro lado porque tive o interesse, e, nesse sentido,
fui durante uns anos, autodidacta. Depois, claro, verifiquei que tinha de aprender
música a sério, se quisesse fazer alguma coisa na área
da música. O sonho de vir a desenvolver uma carreira musical apareceu
logo muito cedo na minha mente e compreendi que era preciso estudar a sério.
Primeiro estudei com o Artur Santos, depois, Composição com o
Fernando Lopes-Graça e, evidentemente que quando se estuda composição,
é natural que se pense que se é compositor... Como eu dizia há
pouco, uma pessoa começa a ler e a escrever e nas escolas é logo
ensinado que tal é absolutamente indispensável para o resto da
vida, não necessariamente para vir a ser escritor ou poeta; alguns, sê-lo-ão,
mas nem todos. Mas quando se estuda composição e, pelo menos,
pela minha parte, como eu não era um virtuoso instrumentista, não
podia fazer carreira de violinista, não podia fazer carreira de pianista,
a composição era obviamente a maneira de eu me afirmar. E sempre
me interessei pelo “instrumento” orquestra. Primeiro porque obviamente,
o meu domínio do violino e do piano eram insuficientes e, por consequência,
não eram satisfatórios para mim; a orquestra, por outro lado,
tinha um fascínio muito especial por causa da sonoridade que uma orquestra
sinfónica podia produzir. Neste meu contexto “ideal” e mesmo
aos 10, 12 anos, eu compunha freneticamente obras para orquestra, sem saber
os mínimos rudimentos de orquestração ou de composição.
Mas isso não me incomodou rigorosamente nada… nessa idade as coisas
não incomodam (...). Depois comecei a aprender e entrei naturalmente
para a Juventude Musical Portuguesa. O João de Freitas Branco foi um
grande apoiante e convidou-me para a Direcção. Foi nessa altura
que verifiquei que tudo quanto era moderno na Europa era desconhecido em Portugal
ou, pelo menos, desaprovado. Eu lembro-me que, por exemplo – isso passou-se
em 1958 – a Maria de Lourdes Martins escreveu na Arte Musical um artigo
sobre a música dodecafónica, afirmando que era música incompatível
com a sensibilidade latina. Eu lembro-me de ter escrito uma carta ao João
de Freitas Branco, a contradizer isso… porque não tem nada a ver
com latinidade, é sim um sistema de composição; uma pessoa
pode utilizar o dodecafonismo para fazer o que quiser e exprimir-se da forma
como muito bem entender. Como de outra forma também compositores como
Luígi Nono eram impossíveis, porque eram compositores latinos
e assim por diante... Porque depois da fase de estudos com o Lopes-Graça,
eu tinha ido a Darmstadt, etc. e sabia o que se passava no resto da Europa;
daí fiquei a ser conhecido, tanto por aquilo que escrevi sobre o dodecafonismo,
como pelas minhas obras, como representante do dodecafonismo e como o primeiro
compositor português que se interessou a sério pelo dodecafonismo
e o defendeu acerrimamente como se fosse a salvação da Pátria...
evidentemente não é, sei eu agora em retrospectiva, mas pronto...
Tive muitos apoios, porque havia poucos compositores naquela altura; quero dizer,
qualquer pessoa que aparecesse e tivesse um mínimo de credibilidade em
termos de composição, que tivesse aprendido o seu métier
com pessoas competentes e que tivesse imaginação, era apoiado,
efectivamente. E não há dúvida nenhuma que a Rádiodifusão
ainda teve a herança do seu gabinete de estudos musicais, que incentivou
imenso a música portuguesa dos anos 40 e 50, que tinha sempre de apresentar
novas obras para a orquestra. Basta pensar nas obras de Luís de Freitas
Branco ou outros compositores como Joly Braga Santos que foram escritas propositadamente
para a orquestra sinfónica da Radiodifusão.
Isso depois desapareceu… mas eu ainda apareci numa fase em que havia uma
herança algo viva daquele período em que a Radiodifusão
ou a Emissora Nacional efectivamente incentivou sistematicamente a criação
musical portuguesa, especialmente de obras para orquestra, porque tinha a orquestra
da Radiodifusão (da Emissora Nacional) ao seu serviço e um dos
seus serviços era, precisamente, estrear e apresentar obras de compositores
portugueses.
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Interesse pela escrita sinfónica
e o dodecafonismo
Evidentemente que o meu entusiasmo pela orquestra fez com que eu me concentrasse
logo na composição de obras para orquestra. O meu entusiasmo pela
orquestra também fez com que eu ficasse a conhecer o “instrumento-orquestra"
muito bem e, daí à direcção de orquestra foi meramente
um passo e o passo lógico que naturalmente se seguiu. Só que continuei
a compor, continuei a dirigir e, pouco a pouco, cheguei a uma conclusão
evidente: a de que o facto de saber escrever música não era necessariamente
sinónimo de ser um compositor, porque para se ser compositor é
preciso que se tenha algo para dizer.
Eu estudei o dodecafonismo que é aliás, relativamente simples
de estudar. Naquela altura parecia uma coisa transcendente... mas, em retrospectiva,
as regras do dodecafonismo são as regras do “bê-á-bá”,
é de uma simplicidade elementar, muito mais simples do que a tonalidade.
Se pensarmos… a resolução de acordes, a preparação
de acordes dissonantes e tudo mais na tonalidade é muito mais complexo.
Porque, no fundo, no dodecafonismo, vale tudo desde que as notas sigam a série
pré-estabelecida. Era portanto uma coisa perfeitamente elementar, mas
que parecia transcendente pelo facto de ser uma coisa nova.
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Um Compositor ao espelho
E eu cheguei à conclusão que o facto de ter aprendido a escrever
e de saber escrever música, de saber compor e de saber orquestrar bem,
em que as coisas soavam bem para orquestra (e isso era o resultado do meu entusiasmo
pelo “instrumento-orquestra" e por conhecer todas as implicações
de dinâmicas e de conjugação dos vários instrumentos),
convenceram-me a mim próprio de que eu era efectivamente um compositor...
Foi só uns vinte anos depois, já na década de 1980 que...
mais precisamente quando, com a orquestra da Radiodifusão Portuguesa,
me foi pedido para fazer, no S. Luís, um programa para um concerto sinfónico,
exclusivamente dedicado a obras minhas (em que eu incluí, pela única
vez na minha vida, só obras minhas no programa – coisa que eu nunca
fazia porque não me parecia apropriado) que eu apanhei um banho de água
fria! É que nessa altura, já estava a viver nos Estados Unidos,
onde já tinha sido director de várias orquestras, já tinha
sido director da orquestra da Emissora Nacional da Radiodifusão Portuguesa,
recebia milhares de partituras de editores de música que estavam a promover
obras dos seus compositores contemporâneos… E naturalmente comecei
a ler as partituras e dizia “isto não presta”… abria
a primeira página e dizia “já ouvi isto dez mil vezes...”,
“isto não interessa...”, ou “isto é uma complicação
tremenda, ninguém tem paciência para dirigir uma coisa destas,
esqueça!...” Depois… a música com grafismos, para
a qual até se tem de ter um dicionário para compreender primeiro
que grafia é que o compositor utilizou – porque, transportando
isto para... não são semi-colcheias, nem fusas, nem aquilo que
a gente aprendeu… “esqueça, não tenho paciência
para isso!” E, às tantas, chego à conclusão: mas...
depois de ouvir esse programa, o que é que eu estou a fazer neste contexto
de milhares de compositores?... Mais um (que sou eu) a escrever música
que ninguém toca porque, no fundo, eu não tenho nada para dizer!
Não tenho nada de novo para dizer! Era novo, o dodecafonismo, sim senhor,
não há dúvida nenhuma… mas só em dada altura.
Eram novas todas as experiências que se faziam com tone clusters,
e com isto e com aquilo e aquele outro,... e eu apresentei obras aqui em Lisboa,
ou noutro sítio, que tinham essa novidade, pois tal como ainda não
era conhecida a música de Penderesky, não era conhecida a música
de Ligeti e não eram conhecidas as músicas de 10 mil outros compositores,
incluindo de Varèse
Não era conhecido… parecia que eu tinha criado algo de novo. E,
no fundo, não era mesmo nada novo porque eu baseei-me naquilo que conheci
e aprendi com outros compositores. Cheguei à conclusão muito simples
de que não tinha uma mensagem a transmitir. E , portanto… para
estar a encher papel de música com notas para depois ficarem na gaveta…
muito sinceramente, era demasiadamente frustrante. Até porque eu olhava
para mim no espelho e colocava-me como aqueles muitos outros compositores cujas
obras eu recebia para eventualmente apresentar em público e que eu simplesmente
descartava porque não tinham nada de novo, nada de interessante, ou porque
eram excessivamente complicadas ou excessivamente complexas, ou excessivamente
difíceis ou mal escritas para orquestra, etc...
Portanto, o meu papel e a minha actividade profissional.... Face às necessidades
que eu verifiquei existirem no meu País (e sempre numa óptica
de servir o meu País), eu queria corrigir erros crassos que encontrava,
porque tinha consciência de que dominava uma determinada matéria.
Isto e o facto óbvio de ter reconhecido que apesar de saber escrever
música, de dominar a técnica de composição como
alguém que sabe ler e escrever, não é isso que transforma
necessariamente alguém num poeta ou num escritor (porque para isso é
preciso ter ideias criativas na área de composição que,
obviamente, as minhas obras não reflectiam), afastou-me cada vez mais
da composição, E às tantas... Eu ainda componho, às
vezes, na cabeça, só por uma questão de exercício
mental. Mas depois penso que não vale a pena dar-me ao trabalho de pôr
no papel... Ainda há uns três anos escrevi uma obra que estreei
em Israel… porque fui nomeado director artístico ou maestro tutelar
de uma orquestra em Raanana. Como uma espécie de gesto para com a orquestra,
escrevi uma peça curta, uma espécie de abertura, que eu chamei
For Raanana, Para Raanana porque é a cidade onde essa orquestra
está sediada e estreei a obra com eles. Mas verifiquei imediatamente
que só se confirmou precisamente aquilo que eu já sabia!
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Visão do compositor contemporâneo
Criou-se hoje a ideia de que o compositor imagina as coisas na sua cabeça,
independentemente de elas funcionarem ou não… e que até
tem um grande desprezo pela parte prática porque acredita que o que conta
é a sua imaginação e que isso basta. E que se o intérprete
não é capaz de se colocar na sua imaginação para
o realizar, então a culpa é sempre do intérprete e não
do compositor. Criaram-se uma série de escolas de compositores que vivem
numa torre de marfim… especialmente aqueles que estão ligados a
instituições como Darmstadt que criou um pouco isso, embora não
tanto como outros… Há pois muitas Universidades que criaram Departamentos
de Música e de Composição que estão completamente
divorciados do mundo real... e de facto, há hoje um grande divórcio
entre a criação musical e a execução.
E esse é um grande problema da música contemporânea, julgo
eu… Porque no passado havia muitos compositores mas, quer dizer... os
Beethovens, os Mozarts, os Haydns, inclusive os Schumanns ou os Brahms, eram
músicos práticos, e não só teóricos! Hoje
em dia, há muitos compositores que escrevem aquilo que lhes passa pela
cabeça, independentemente do contacto físico com a execução,
porque não têm acesso aos instrumentos como antigamente os compositores
tinham. Basta pensar que a maioria dos grandes compositores eram instrumentistas
e tinham portanto a prática... Isso é uma coisa que se perdeu.
Depois, é claro que hoje em dia, pelo menos na música erudita,
cada compositor cria a sua própria linguagem. Quer dizer, antigamente…
o Haydn, por exemplo… as suas 104 sinfonias foram todas vazadas no mesmo
modelo, com a mesma linguagem e uma nova sinfonia não tinha, fundamentalmente,
nada de diferente da sinfonia anterior...
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Direcção de Orquestras
Entretanto embrenhei-me cada vez mais na gestão de orquestras e na direcção
de orquestras, até por força das circunstâncias (porque
eu vivia nos Estados Unidos e em Portugal, tinha um pé lá e outro
cá e sabia que umas coisas funcionavam nos Estados Unidos – e bem!–
e sabia que umas coisas funcionavam em Portugal – e mal! – tanto
mais que as orquestras da Radiodifusão foram extintas e que essa extinção
seguiu-se a um período longuíssimo, em que as orquestras estavam
moribundas e o nível decresceu durante várias décadas)
e assisti à morte gradual e anunciada das orquestras. Evidentemente que
como eu era chefe de orquestra e a orquestra era o meu “instrumento”,
eu não podia deixar que tudo isto acontecesse. É como ter um piano
em casa que está, digamos, a ficar ferrugento… e uma pessoa aceita
perfeitamente que fique ferrugento e não faz nada… num pianista
isso é impossível! Tinha de tomar uma atitude e envolver-me nos
problemas de gestão das orquestras! E assim, por força das circunstâncias,
transformei-me em gestor de orquestras (aquilo a que se chama “Director
Artístico”). Porque aqui também se verifica uma coisa que
reconheci logo desde o início: o problema nas orquestras não era,
normalmente, um problema ao nível dos músicos, era sim um problema
de gestão; de gestão financeira e de gestão em termos de
competência técnica, de saber fazer com os músicos aquilo
que eles podem fazer: ou seja, não lhes exigir repertório que
eles não possam tocar, proporcionar-lhes tempo de ensaio suficiente e
uma série de decisões que implicam o conhecimento daquilo que
se está efectivamente a fazer.
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Escrita contemporânea
para Orquestra
Há aqui um problema do lado dos compositores... É um círculo
vicioso, no fundo... Talvez porque não exista hoje uma orquestra como
existia nos tempos da Emissora Nacional, nos anos 40 e 50, ou seja, uma orquestra
vocacionada para apresentar obras de compositores portugueses vivos. Os compositores
vivos portugueses primeiro claro. Mas na sua maioria não escrevem para
o “instrumento-orquestra" ou, quando escrevem, aproveitam-no de uma
forma individualista, em que não é a orquestra toda que se apresenta
em conjunto como formação. Ou seja, utilizam vários instrumentos
da orquestra… não utilizam uma formação sinfónica,
mas sim uma formação camarística e, talvez, de instrumentos
mais solistas. Eu, por exemplo, tenho reconhecido, como director da Orquestra
do Algarve e da Nova Filarmonia Portuguesa, que os compositores têm uma
grande relutância em escrever para a formação clássica
e depois precisam sempre de instrumentos extra, para isto, aquilo ou aqueloutro...
(...) Eu, pessoalmente, acho que hoje ainda se pode criar, com uma orquestra
de cordas, sem quaisquer instrumentos extra, sonoridades que ultrapassam tudo
quanto já foi feito; na minha cabeça, eu posso imaginar uma orquestra
de cordas a soar de uma forma como Pendereski não fez, como Bartok não
fez, como Tchaikovsky também não fez. A imaginação
não está limitada à necessidade de utilizar determinados
instrumentos... De modo que os compositores são, muitas vezes, os seus
próprios inimigos, ao dificultarem o trabalho do intérprete.
Depois, evidentemente, as orquestras funcionam de acordo com um certo regime
de trabalho e há normalmente 4, 5 ou 6 ensaios para um concerto. Quando
aparece uma obra que ultrapassa, em termos de dificuldade e em termos de técnica
de composição, o que os músicos podem dominar nesse espaço
de tempo, isso torna-se difícil sob o ponto de vista de execução.
Portanto, há, sem dúvida nenhuma, uma falta de contacto entre
compositores e orquestra. Os americanos inventaram um sistema de resident
composer, precisamente para criar no imaginário de um compositor
o conhecimento efectivo do trabalho de uma orquestra, no seu dia-a-dia, para
que ele, quando compuser a obra, saiba que instrumento e quais são as
limitações e as vicissitudes do "instrumento" específico,
que é a orquestra sinfónica. Isso é extremamente importante.
Depois, há efectivamente um excesso de número de compositores
perante a carência de “instrumentos” que são as orquestras.
Por exemplo, porque não existe em Lisboa uma orquestra que actuasse com
toda a regularidade exclusivamente para apresentar música do século
XX? Nem que seja para 200 ou 300 pessoas? A pouco e pouco, eu garanto, os compositores
começariam a escrever mais música para essas orquestras. Claro
que pode perguntar-se: justifica-se, para 200, 300, 400 pessoas, um “instrumento”
que custa “x”? É uma questão de perspectiva... Eu
também me pergunto: existe a necessidade de termos dois Estádios
de futebol, em termos de ocupação, um em frente ao outro, na segunda
circular, à distância de 2 quilómetros um do outro? Justifica-se?
O público futebolístico que responda... Eu acho que na área
da cultura justifica-se perfeitamente a existência de uma orquestra de
30 ou 40 músicos que, algures em Portugal, se dedicasse exclusivamente
a música contemporânea, por exemplo.
Eu acho que é obviamente uma questão que se deve pôr aos
responsáveis. Mas o grande problema que nós também temos
em Portugal é que cada vez que aparece um novo responsável na
área da cultura, muda toda uma filosofia referente às prioridades
nesta área. E tanto a Educação, como a Cultura, como outras
áreas, exigem continuidade. Ninguém se lembrou de deitar abaixo
a Ponte 25 de Abril (que antigamente se chamava Ponte Salazar) e criar uma nova
Ponte que se chamasse 25 de Abril. Mudou-se-lhe o nome, pura e simplesmente,
mas a Ponte é a mesma! Mas as orquestras da Radiodifusão não
sobreviveram a isso, foi necessário extingui-las..., foi necessário
extinguir a orquestra do Teatro Nacional de São Carlos! Ela tinha problemas,
certo. Mas ninguém se lembrou de enfrentar os problemas que foram criados
por uma gestão deficiente nos anos 1960, 1970 e 1980, sem dúvida
nenhuma. Também ninguém se lembrou de deitar a Torre de Belém
abaixo para a reconstruir! No entanto, em termos de orquestras, nós estamos,
ainda hoje, com aquele fantasma (eu, pelo menos, e tenho a certeza que muitos
músicos em Portugal), de que é possível uma orquestra ser
extinta a qualquer momento! Ainda este ano, há seis meses, extinguiu-se
a Orquestra das Beiras! Por consequência, nós estamos constantemente
a viver numa situação em que as prioridades políticas,
ou do Governo, ou das Autarquias, podem pôr em causa a sobrevivência
de uma instituição como uma orquestra. E enquanto se viver com
esta insegurança, nem as orquestras singram, nem os compositores escrevem
para elas, nem se cria público para elas.
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Actualidade da instituição
"orquestra" face às contigências da música contemporânea
Eu compreendo a sua pergunta e acho que esse é um falso problema, em
termos económicos e culturais. Primeiro, porque todos os dias nascem
pessoas que nunca ouviram a 5ª sinfonia de Beethoven (e quem diz a 5ª sinfonia
de Beethoven, pode citar mais 50 obras igualmente importantes, e que essas pessoas
jamais ouviram porque não existiam). Essa é a primeira questão.
A segunda questão é que nós vivemos num contexto mundial
em que a média europeia – e eu já estou farto de dizer isso
(...) – existe, em média, uma orquestra por um milhão de
habitantes… orquestra sinfónica de cem músicos, em números
redondos. E tendo Portugal dez milhões de habitantes, devia ter dez orquestras...
Se formos ver o número de orquestras que existem em Espanha, em França,
na Alemanha, nos Estados Unidos, enfim, em todos os Países ditos desenvolvidos,
verificamos que a média anda por aí, de uma orquestra por um milhão
de habitantes; em uns casos mais, noutros casos um pouco menos, mas a média
anda por aí... o que significa que nós em Portugal deveríamos
ter, lá está, dez orquestras sinfónicas, ou seja: mil postos
de trabalho de músicos. Eu bem sei que mil postos de trabalho é
muito, mas considerando que temos uma massa populacional trabalhadora da ordem
dos quatro ou cinco milhões, em onze milhões de população
(...), mil postos de trabalho na música (considerando também que
temos cerca de setecentos mil funcionários públicos – e
os músicos não precisam de ser todos funcionários públicos)
não me parece ser excessivo. Mas isto era se estivéssemos a um
nível médio europeu... e eu já nem sequer sonho que isso
seja uma realidade no meu tempo de vida (e se calhar também não
no seu tempo de vida...)… Mas teríamos seis orquestras, cinco orquestras
sinfónicas... ou seja: duas ou três em Lisboa, duas no Porto, e
mais duas ou três regionais, etc., etc. É evidente que se põe
o problema: orquestras de grande dimensão nas regiões fora de
Lisboa e Porto, entram em colisão com a inexistência de salas adequadas...
mas eu também costumo dizer que primeiro vêm os seres humanos e
depois aparecem as casas para eles. Não se vai construir casas no deserto,
no Sahara, onde não vivem seres humanos. Portanto, primeiro é
preciso haver uma “necessidade de”, e depois surge a resposta a
essa necessidade. Não havendo orquestras, também não aparecem
as salas. (...) Isso é a primeira questão em termos genéricos…
eu nem sequer digo onde é que devem estar essas orquestras sediadas,
porque isso é um problema secundário. Agora, o País devia
estar coberto por uma rede de orquestras que tivessem a sua apresentação.
Depois, há um outro aspecto extremamente importante: as salas e as orquestras
deviam ter uma identidade, no sentido de uma filosofia e uma estratégia
de criarem públicos próprios. Por exemplo: eu não vou procurar
sardinhas num Restaurante Italiano, nem vou procurar comida chinesa num Steak
House. Ou seja, eu vou a determinado restaurante para comer determinada
comida e não fico surpreendido de não encontrar, como eu estava
a dizer, Spaghetti num Restaurante onde servem comida japonesa. E assim,
nós deveríamos ter determinadas salas, onde actuassem determinados
instrumentos de cultura, que se dirigissem a um determinado público.
Quando se fala em determinado público... há público para
os grandes Românticos, há público para a Música Contemporânea,
há público para muitas coisas, e há público para
coisas mistas. Evidentemente, eu não sou tão reaccionário
que ache que o programa ideal de um concerto sinfónico é uma Abertura
de Mozart, um Concerto de Beethoven e uma Sinfonia de Brahms, o que não
será propriamente é mau. Mas, embora uma Abertura de Mozart, um
Concerto de Beethoven e uma Sinfonia de Brahms possam ser perfeitamente viáveis,
há outras combinações possíveis. O que não
existe, com raras excepções (como são a Gulbenkian e o
São Carlos), é uma sala com uma identidade naquilo que se realiza
lá dentro. E se nós olharmos para o São Carlos e para a
Gulbenkian, são dois espaços que, por sinal, são como que
elitistas, criaram a sua elite, criaram a sua imagem, criaram um determinado
público, no qual os vários milhões de habitantes de Lisboa
não se revêem nem se identificam.
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O interesse do público
E há uma coisa extremamente curiosa, que se verifica este ano, em 2005.
O Público, o Expresso e o Sábado distribuem centenas de milhares
de discos de música Clássica, quando essas publicações
não estão no negócio para vender discos, mas sabem, aparentemente,
que existe um público muito vasto interessado na Música Clássica.
E esse público excede o número de pessoas que compram os jornais,
pelo que eles utilizam discos para servirem de trampolim para venderem jornais
e alargarem o seu leque de compradores. Eu pergunto-me: onde está esse
público e por que é que esse público não vai às
salas de concertos? Porque se esse público fosse às salas de concertos,
nós não tínhamos capacidade, tínhamos todas as salas
superlotadas, e o São Carlos, em vez de fazer 40 récitas por ano
e 5 ou 6 Óperas, fazia 20 Óperas e fazia 300 récitas...
No ano de 1900 – ou seja, temporada de 1899 – o São Carlos
realizou – e isto está perfeitamente documentado no Livro de Benevides
sobre a história do São Carlos – 100 espectáculos!
Nessa altura, Lisboa teria cerca de meio milhão de habitantes e nós
sabemos perfeitamente que, daquele meio milhão de habitantes, metade
eram pés descalços, que nunca poderiam, fisicamente, entrar no
São Carlos. Portanto, o universo seria, no máximo, de 250 mil
pessoas, em Lisboa, para o qual o São Carlos realizava 100 espectáculos.
Estando esse universo hoje, na ordem dos dois milhões e meio, o São
Carlos deveria, teoricamente, realizar mil espectáculos. Não podendo
fazê-lo, deveria, pelo menos, fazer 300 e tantos que são os dias
úteis do ano... como se faz em Viena, como se faz em Nova Iorque, como
se faz em muitas outras cidades. E, no entanto, verifica-se que o São
Carlos tem uma ocupação da ordem dos 60, 70 dias no ano; ou seja,
muito inferior àquilo que fazia há cem anos atrás!
E contudo, temos de reconhecer que o São Carlos tem hoje muito mais dinheiro
do que jamais teve... Então, aí há um problema muito grave...
Falta de público, pelos vistos, não é. Os jornais, que
não estão no negócio para vender discos, provaram que existe
um público muito vasto. Aliás, a Festa da Música que se
realiza no CCB e atrai, num fim-de-semana, 60 mil pessoas, é igualmente
a prova de que existe público. E as grandes orquestras mundiais que enchem
o Coliseu e que o esgotam (à distância de uma semana já
não se arranja lugar!...) também provam que não há
falta de público. O Pavilhão Atlântico, que nas suas mega
produções enche 16 mil lugares, também prova que não
há falta de público. Então, o que é que há?!...
Há uma deficiência de gestão dos “instrumentos”
que são as orquestras, de gestão das salas e de correspondência
às necessidades do público. E é esse divórcio que
eu reconheço e no qual estou empenhado em dar algum contributo para que
seja ultrapassado, porque nós temos graves problemas de divórcio
entre um público que existe e as entidades promotoras de concertos. Isso
tem a ver igualmente com a Música Contemporânea. Pode alargar-se
o público para a música contemporânea, mas primeiro tem
que se criar o hábito da grande população ir ao encontro
de concertos nos locais onde se realizam.
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Políticas educativas
na área da música
Isto começa na Escola, onde os jovens não são habituados
a irem a salas de concertos para ouvirem concertos. Os Young People’s
Concerts, dos Estados Unidos, que se tornaram conhecidos na Europa através
dos programas de Leonard Bernstein, são o “be-á-bá”
de qualquer orquestra. E porquê? Porque as orquestras americanas são
maioritariamente financiadas pela venda de bilhetes e não pelo sector
público e, por consequência, se não tiverem público
fecham as portas; tão simples quanto isso. Portanto, as orquestras americanas
sabem que têm que investir na criação de público
para terem, amanhã, compradores de bilhetes. Na Europa, os jovens sabem
que têm que ver o futebol nos Estádios, sabem que para ir à
praia têm que ir à praia, sabem que para jogar ténis têm
que ir a um local onde possam jogar ténis, (...) mas quando se trata
de música, basta comprar um disco para ouvi-lo em casa! E isso é
um grave problema que já devia ter sido ultrapassado há muito
tempo e que continua a não ser ultrapassado, na medida em que não
há, por sistema, concertos para jovens, realizados em salas de concertos
e para onde os jovens sejam trazidos, das escolas, para aprenderem a procurar
as manifestações culturais nas salas onde elas se realizam. Salas
essas que também não têm uma identidade com a criação
de um público específico, porque as nossas salas são todas
polivalentes... portanto, fazem tudo e, no fundo, não fazem nada.
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