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ENTREVISTA
 
Ângela Lopes
Entrevista a Ângela Lopes / Interview with Ângela Lopes
2005/May/31
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Percurso formativo e influências: etapas e pontos de viragem

 

Eu acho que a noção de que “Quero compor! Vou compor!” foi um pouco tardia. Não foi cedo até porque houve uma altura em que estudava música paralelamente à minha formação geral… naquela altura em que todos os jovens têm dificuldade em saber que opções vão fazer. Algo que me marcou foi obviamente a minha decisão de entrar para a Escola Superior de Música do Porto. Quanto a pessoas… o professor Cândido Lima foi uma pessoa que me marcou imenso, não só pela obra em si, que fui conhecendo, mas também como homem que sabe transmitir o que é ser compositor. Isto marcou-me e ajudou-me imenso na minha formação e a tentar perceber o que é que  queria, o que é que eu era, e o que vou escrevendo… porque eu acho que a composição foi isso para mim… foi uma descoberta! Não cheguei lá a dizer “Vou compor. E vou compor desta ou daquela forma”! Porque devo confessar, cheguei a um mundo que me era quase desconhecido. Por isso, para mim foi um deslumbre!

E posso dizer que houve um momento bastante marcante em termos de Música Contemporânea ou do século XX que foi o primeiro grande concerto a que assisti há já bastantes anos no Coliseu: o “Prometeu” do  Luigi Nono. Apesar de admirá-lo, não é propriamente o compositor a que estou mais ligada mas acabei por assistir duas vezes. Lembro-me que as pessoas abandonaram a sala mas eu fui à primeira récita, à segunda récita e durante todo o tempo achei aquilo belíssimo e fiquei encantada por aquelas nuances, aqueles pianíssimos, o quase inaudível… fiquei estupefacta!

Lembro-me também da primeira sensação que tive, por exemplo com Messiaen que ouvi em CD, do “Quarteto para o Fim dos Tempos”. Achei uma maravilha! E de facto, faltava-me isso… Eu tinha uma formação mais clássica, digamos assim… falo dos clássicos, dos românticos, dos clássicos verdadeiramente clássicos, do período barroco… E esse período foi marcante em termos de descoberta do século XX, da procura de compositores como Stockhausen, Berio… para mim era tudo uma grande descoberta. É óbvio que alguns tocaram-me mais, como essa primeira experiência com a peça do Luigi Nono e que para mim foi marcante. Lembro-me da primeira descoberta com o Messiaen e com outras obras marcantes que fui ouvindo, como “Jonchaies” que me ficou na memória… como a “Sagração da Primavera” que ouvi também no Coliseu, dirigida pelo Boulez… Há coisas que de facto que me marcam… e quando estou a ouvir digo: “Ah que bom, quero ser compositora, também quero fazer uma igual!”. E aí parece que ficamos com mais força e dizemos que também queremos fazer coisas interessantes… É claro que isso é relativo; eu tenho pequenas obras, pequeninas mesmo, umas mais interessantes, outras menos, num percurso que fui descobrindo… Por exemplo, as primeiras peças que tenho são, umas mais ligadas a determinados  autores e compositores… não são propriamente clichés ou cópias, mas inserem-se mais num caminho, numa estética Messiaen ou Stravinsky… Ultimamente tenho tentado algo mais pessoal,  tenho tentado  procurar algo que seja mais meu mas acho que isso faz parte do percurso natural.

Nestes últimos tempos ou para as últimas obras… não posso deixar de referir que as obras do professor Cândido Lima me influenciaram bastante… E o que é curioso é que isso se sente mais agora do que naquela altura, que devia ser um mundo de descoberta… Isso vê-se talvez mais nestes dois ou três últimos trabalhos do que para trás.

 
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Viagem pelas obras e o auto-reconhecimento enquanto compositora

 

Eu acho que as minhas primeiras peças foram de uma grande angústia. Provavelmente não deveria dizê-lo, mas é verdade! Passava tempos infinitos a olhar para o papel… Foi um percurso difícil. Entretanto, acho que consegui perceber uma coisa: é que eu não podia usar tudo o que queria e colocar “dentro” dentro da obra. Ou seja, eu tinha a noção de que as coisas tinham de funcionar de uma forma coerente, mesmo que não o fosse para quem ouvisse. Hoje em dia é menos doloroso, já não sofro tanto. Sei que vou sofrer naquele bocadinho mas já não sofro por antecedência… já estou mais calma, digamos assim. Acho que já tenho outra serenidade e espero vir a ganhar muito mais. E também já tenho mais confiança…

A primeira peça que eu apresento como sendo uma verdadeira peça é de 95. Aquilo que eu tinha feito anteriormente são exercícios Esta peça é uma daquelas primeiras peças que têm o acompanhamento de um orientador da cadeira ou disciplina, o professor Cândido Lima; o que é muito importante porque obviamente dá-nos orientações fundamentais. Por isso, não posso dizer que as fiz sozinha porque há  “o dedo”  de alguém que nos foi mostrando o caminho. Quer o “Trítonos”, quer o “Scherzando” são peças quase estilísticas, uma dentro de uma linha “Messiaen” e a outra um bocado “Stravinskyana”.  São portanto duas peças muito diferentes, não têm nada a ver uma com a outra. Uma tem mais a ver com a procura das sonoridades, sobretudo com o piano… linhas melódicas, contraponto… E a outra é talvez mais rítmica, mais com base em certos ostinatos, com uma harmonia completamente diferente… São mundos muito afastados. E acho que mais tarde fui, de certa forma, procurando esse caminho. Com a “Partita” tentei um mundo completamente diferente… aproximou-se mais de uma estética de um Xenakis…  com um mundo já cheio de escalas. E entretanto fui à procura daquilo que eu achava que podia ser o meu caminho, mais pessoal. 

E há dois marcos importantes até agora. O primeiro foi com “Canção de Izis”. É que até essa altura eu tinha muitas dúvidas e perguntava-me até que ponto seria capaz e se estava a fazer alguma coisa, isto é, se conseguia compor ou se compunha alguma coisa realmente interessante. Foi a minha prova de fogo, pessoal, digamos assim… e não tem necessariamente a ver com quem ouve mas sim comigo.

Depois de “Canção de Izis”, o outro momento importante vem bastante mais tarde, em Setembro de 2004, quando escrevi uma obra para o Festival Internacional de Música de Santa Maria da Feira; a proposta era escrever uma obra com voz, mas a instrumentação ficou à minha escolha. Como estamos numa terra com História Medieval, procurei um texto medieval para as cantigas e optei por dois textos convencionais, cantigas gerais, uma de D. Sancho I, outra de um anónimo. É para soprano, clarinete, piano, violino e violoncelo. Das últimas que fiz, acho que “Duas Cantigas de Amigo” é a peça cujo resultado me deixa francamente mais contente.

 
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