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ENTREVISTA |
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Fernando Corrêa de Oliveira |
Entrevista a Fernando Corrêa de Oliveira / Interview with Fernando Corrêa de Oliveira |
2004/Jan/21 |
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Versão Áudio
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Versão Texto
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Registo Videográfico
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Título do Suporte Entrevista a Fernando Corrêa de Oliveira / Interview with Fernando Corrêa de Oliveira |
Realizador Perseu Mandillo |
Produtor Tortoise Movies |
Tipo de Documento Entrevista MMP |
Tipo de Suporte MiniDV |
Data 2004/Jan/21 |
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Edição
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Editora Centro de Informação da Música Portuguesa |
Referência da Edição CIMP_entr_VID_FCO |
Data 2004/Jan/21 |
Localidade Parede |
País Portugal |
Email Editor mic@mic.pt |
Página Web Editor Página Web Editor |
Edição Online |
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Observações
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Entrevista conduzida por João Carlos Callixto e realizada em casa do compositor (Porto)
Transcrição, redacção, revisão: João Carlos Callixto, Miguel Correia |
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Acesso
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Centro de Informação da Música Portuguesa |
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Estilo de Composição
O meu ponto de partida é suficientemente distinto dos outros para dizer
que me filio nesta ou naquela escola. Eu não me filio em nenhuma. Agora
o facto de não estar filiado numa escola não quer dizer que
não tenha tido um abrir de ideias provenientes de uma. Mas não
será a do Schoenberg. No meu há imensos temas que não
são sempre dodecafónicos, mas todos eles vieram também
do facto de eu conhecer o dodecafonismo. Eu também conheço o
dodecafonismo! Agora, o conhecer o dodecafonismo não quer dizer que
no dodecafonismo todos façam a mesma coisa. Todos fazem a mesma coisa
de maneiras diferentes!
Eu tenho duas fases. Tenho uma fase em que compunha livremente mas não
estava satisfeito com isso, porque ao compor livremente a pessoa acaba por
também compor como os outros. Então eu não compunha como
os outros, tinha os meus próprios temas. Para realmente ser diferente
é preciso ser diferente desde o princípio. Ora bem, a composição
tem que começar por uma coisa pequena. Essa coisa pequena é
um tema, e esse tema já tem que se lhe diga, porque um tema tem já
muita coisa. O tema é a ideia, e a ideia, embora pareça que
se está a querer complicar as coisas, tem que ser desenvolvida. Quando
eu escrevo uma sinfonia, essa sinfonia tem três temas ou quatro. Como
é que três temas ou quatro dão para meia-hora? Há
qualquer coisa mais: o desenvolvimento. Esse desenvolvimento existe, e no
tratado também digo como é que se desenvolve. Tudo isto são
notas, e ao escrever este livro estava também a experimentar coisas
e, à medida que as ia experimentando, ia rejeitando umas e aproveitando
outras. E porquê? Porque a composição é assim mesmo.
Nós não fazemos as coisas à primeira, fazemos e depois
dizemos: "há aqui qualquer coisa que não me agrada".
E aquela coisa que não me agrada tem que ser torneada. E então
para me agradar terá que ser assim e assado.
O que é importante não é o ser
diferente, mas ser convincente. O que é preciso é ser convincente,
mais do que ser diferente, porque entre os compositores que não eram
diferentes e que eram convincentes nós temos, por exemplo, um Bach
que é convincente, e no entanto ele fez aquelas coisas que os outros
também faziam. O que é importante é ser-se convincente,
dizer uma coisa e fazer com que essa coisa fique dentro da cabeça dos
outros. O Schubert é um compositor que não fez praticamente
nada de diferente. A música dele é sempre a mesma coisa, mas
é sempre original, e está sempre a requisitar da nossa parte
atenção. Ele chama a atenção, mas sem ser ostensivamente.
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A sua música será
então simultaneamente diferente e convicente?
Sim. Eu não gosto de falar de mim de uma certa maneira. Posso dizer muitas
coisas, mas o que eu procuro, de facto, é que as pessoas se convençam
de que aquilo que estão a ouvir é natural. Para se ser natural
não se pode querer que seja exactamente como os outros, tem que ser diferente.
Mas essa diferença tem que estar bem estabelecida. Se ela estiver bem
estabelecida nós aceitamos e se ela não estiver bem, não.
Quando a minha 1ª Sinfonia foi tocada, estava no meu camarote com o
Manuel Ivo Cruz, e ele volta e meia dizia "eu hei-de dirigir esta obra".
Nunca o fez, mas isso não quer dizer nada. Ele sentia que aquilo precisava
de ser ouvido, mas nunca calhou tocar segunda vez e portanto a coisa ficou assim
mesmo. Mas porque é que ele dizia isso? Porque estava de facto convencido
de que aquilo valia a pena ouvir-se mais vezes.
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Características das suas
obras e primeira abordagem à Simetria Sonora
Elas todas são novidade, mas são novidade em graus diferentes.
O meu Opus 1 é já um poema sinfónico para viola d'arco
e orquestra. No entanto não foi por aí que eu comecei. Eu comecei
por fazer exercícios para ver o que é que podia fazer. Mas isso
não quer dizer que por eu ter limitado, de início, o âmbito
da minha composição, estivesse muito no princípio. Muito
no princípio estaria antes de começar. Mal comecei, comecei logo
a escrever uma obra grande.
O tipo de composição que eu tenho, desde sempre, desde que comecei
a compor, é sempre o mesmo. Não quer dizer que não tenha
havido uma evolução, porque eu entendo que a composição,
o momento de composição, nasce com as obras, e comigo isso também
me sucedeu. Eu não fiz como Schoenberg, que destinou um ano para escrever
o seu sistema. Mas eu não, eu fui fazendo as obras à medida que
ia tendo o sistema. O sistema de composição e a composição
propriamente dita nasceram ao mesmo tempo, porque me pareceu sempre que as obras
é que dão origem ao sistema e não os sistemas que dão
origem às obras. De forma que, para que pudesse gizar um sistema, que
foi o que eu fiz, não fiz primeiro o sistema e depois as obras - as obras
já são feitas de acordo com um sistema e o sistema apareceu ao
mesmo tempo que as obras. Não quer dizer que não tivesse havido
algum caminhar numa determinada direcção, porque os sistemas também
podem andar para a frente e para trás, e presentemente eu tenho particularidades
no meu sistema que são mais antigas do que outras. A cronologia dos dados
de um sistema não apareceu assim em linha, podem evoluir e voltar atrás,
etc, etc. Eu até posso dizer que o meu sistema de composição
tem épocas e essas épocas não se passaram todas na mesma
linha, houve retrocessos, houve avanços, porque para gizar um sistema
é preciso que haja também uma certa visão do ponto a que
se quer chegar. E esse ponto a que se quer chegar não aparece por ordem
cronológica, pode aparecer uma coisa antes e aparecer outra depois, e
depois acabam por se encontrar numa linha. Mas isso não quer dizer que
houvesse um propósito firme - primeiro vai ser isto, depois vai ser aquilo,
depois vai ser aqueloutro. Eu tenho no meu sistema retrocessos e curiosamente
um desses retrocessos leva-nos até um sistema atonal consonante, que
é uma coisa que muita gente não compreende - como é que
se pode ser atonal e consonante - porque parece que o ser consonante é
uma negação dum sistema atonal. Para mim não é,
porque eu posso fazer - e fiz na minha obra, naquela série dos Serões
da Rainha e Senhora Minha, que é uma série de composições
que dá mais ou menos meia hora - um estilo consonante no meio de um sistema
que em si mesmo é atonal. Portanto, o ser atonal e ser consonante para
mim não é contraditório, pode-se ser consonante e ser-se
atonal, com a mesma lógica.
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É mais fácil para
os alunos assimalar a Simetria Sonora do que o sistema dito clássico?
Ser fácil ou ser difícil depende de nós. Para mim é
fácil, para outros pode ser difícil. A verdade é que o
ser fácil ou ser difícil depende do compositor. Eu, quando comecei
a minha primeira obra, era muito fácil. Fui buscar justamente os elementos
fáceis para começar, mas a obra dura vinte minutos e eu não
estou vinte minutos sempre com a mesma coisa. É difícil estar
a dizer qual é o processo para começar. O processo para começar
será com poucas notas, não será necessariamente com doze,
mas podem ser mais. Pode haver uma pequena diferença, mas tem que haver
uma certa variedade.
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Entende haver vantagens em que
os compositores passem a adoptar o seu sistema de composição?
Pois há, porque o meu sistema é um sistema com muitas saídas,
não se limita a um certo número de notas - até por vezes
são mais de doze - e isso tudo são possibilidades. Também
posso limitar o número de notas. Quando eu fui professor nas escolas
eu também fazia experiências com os meus alunos e então
perguntava: "qual o sistema que quer seguir?". E alguns diziam, outros
nem isso sabiam dizer - mas aqueles que sabiam dizer qualquer coisa, diziam
"a mim agradava-me o sistema de Schoenberg". Outros até diziam
que lhes agradava o meu, mas eu não acreditava completamente, porque
é preciso mostrar o que é que se quer e eles podem não
saber precisamente o que querem. Mas quem souber o que quer, então, em
face disto, ele encontra tantas soluções que vai dizer "mas
agora eu tenho que escolher". Tem que escolher, porque a olhar tudo isto
são notinhas, notinhas. Compreender que transformações
é que houve - as transformações podem-se encontrar, só
é preciso saber ao mesmo tempo o que é que se quer.
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Quando fala em mais de doze notas
considera o uso de escalas não-temperadas?
Não. A existência de mais de doze notas não quer dizer que
haja quartos de tom, ou terços de tom - é só tons e meios-tons.
Para usar mais do que isso podem-se usar repetidos, mas repetido sem ser uma
repetição taxativa. Posso fazer um tema com doze notas, ou com
treze, ou com catorze, ou com quinze, e até posso fazer com mais. O micro-tonalismo
é uma coisa diferente. Eu não sou um micro-tonalista, porque aqui
já intervém um pensamento diferente. Muitas notas obriga também
a uma estrutura especial. Doze foi o que encontrou Schoenberg, mas depois tinha
que voltar outra vez ao princípio. Eu também posso fazer temas
com menos de doze ou com mais de doze, mas eu tenho uma estrutura própria
para fazer o tema.
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A propósito de Schoenberg
Não quer dizer que este sistema
de composição me obrigue a mim e a todos a traçar uma linha
recta, porque, se assim fosse, as composições acabavam por ser
todas iguais. Mas a diversidade também foi importante no meu sistema
- eu rejeitei o sistema de Schoenberg precisamente porque o dele era assim.
Tinha que ser assim. Ele tinha questões constantes com os seus alunos,
porque cada um queria também fazer qualquer coisa à maneira dele
e ele não queria deixar. Ele não queria deixar porque o sistema
dele era rígido e então para ser aquilo que ele queria era preciso
segui-lo. A minha primeira medida foi evitar que se caísse na monotonia.
E tanto se pode cair na monotonia com uma coisa simples como com uma coisa complicada.
O sistema dele, eu podia aqui explicá-lo em meia-hora. No fim de meia-hora
eu teria explicado o sistema de Schoenberg, só que ninguém sabia
depois fazer nada - porque para fazer qualquer coisa é preciso também
ser compositor. Mas ele estabelecia várias regras muito simples, tão
simples que qualquer pessoa podia aprendê-las, mas depois daí a
fazer composição é um bocado diferente. Eu nisso não
queria cair, porque queria, e parece-me que consegui, que cada um possa ser,
à maneira dele e ao mesmo tempo à maneira do tratado. É
preciso conceber um sistema elástico, que possa aumentar, diminuir, e
satisfazer os diversos requisitos do compositor. O sistema de Schoenberg é
muito simples, são doze notas seguidas, mas essas doze depois têm
que sofrer umas transformações, e essas transformações
não são fáceis.
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Especificidades da Simetria
Sonora
Ora bem, aqui são dez ou doze processos de fazer mudanças. Agora,
porquê? Se alguém quiser encontrar mais também pode encontrar.
Mas a verdade é que com isto já vamos muito para além da
variação dos clássicos. Os clássicos variavam, mas
não tinham estabelecido metodicamente desta maneira, daquela, ou de outra.
Não tinham estabelecido isso, e eu fui por mim mesmo procurando, e encontrei
estas. Não quer dizer que seja impossível ainda encontrar mais,
mas a verdade é que com estas eu governava-me, já me governava.
A minha técnica permite variar muito, mas este variar muito não
é anárquico, porque se nós formos ver as modificações
que há num tema, aqui neste livro também há esses casos,
as modificações aplicadas a um tema por esta maneira, por aquela,
o tema parece sempre o mesmo e não é. Como não há
ali elementos que chamam muito a atenção, a pessoa começa
a pensar "de facto, isto modificou-se muito, os temas modificaram-se muito
mas ficou outra coisa ou é a mesma?" O discurso musical é
uma coisa que tem que ser vista de uma maneira geral. Eu escrevi uma obra que
se chamava Vinte Peças em Contraponto Simétrico. É
só contraponto, e aí eu emprego as diversas maneiras de transformar
um tema, mas de maneira a que o tema seja sempre reconhecido como sendo o mesmo.
O tema é sempre o mesmo - é sempre o mesmo mas nunca é
igual. Essas diferenças podem ser maiores ou menores, mas é razão
suficiente para uma pessoa dizer assim: "É diferente, mas é
sempre baseado na mesma coisa".
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Dissertação de
Mestrado de João Pedro Cunha sobre a Simetria Sonora
Eu não posso nem tenho tempo para estar a fazer uma biografia minuciosa
de tudo aquilo que se passou. Há coisas que eu considero muito importantes
e algumas que continuam ainda a ser desconhecidas, e essas é que eu gostaria
de frisar. Eu tenho um caso relativamente recente, que é o de um aluno
meu - ele até andou por aqui também já há uns anos.
Basta ter sido meu aluno para haver uma diferença de idades. Ele tem
um filho que é músico e esse tal rapaz, João Pedro Cunha,
foi estudar para Inglaterra. Frequentou uma universidade onde há música,
e depois pensou em fazer um mestrado.
Ele teve que escolher um assunto e veio-me dizer que queria que esse assunto
fosse o meu próprio sistema de composição. Eu fiquei contente
mas também fiquei um bocado preocupado, porque eu não sabia o
que ele ia fazer - embora pensasse que ele não ia fazer uma coisa assim
no ar, não fiquei totalmente tranquilo. Tivemos que ter umas reuniões
para eu o esclarecer sobre aquilo que convinha mais frisar ou menos, e finalmente
houve um júri. O que eu sei é que ele teve a classificação
máxima. Ora para lhe darem a classificação máxima
à tese dele também deram ao meu sistema, porque as duas coisas
afinal eram a mesma. Ele falou pela boca dele, mas tudo aquilo que ele disse,
eu também lhe tinha dito a ele. Isso antecipou-se ao nosso panorama aqui,
porque nós aqui "somos muito bons rapazes", mas as coisas correm
doutra maneira.
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Desconhecimento da sua obra
a nível nacional
A nível nacional devo-lhe dizer que eu desculpo a ignorância de
muita gente, porque muitos não sabem sequer o que é ter um sistema
de composição. A ignorância começa aí. Porquê?
Porque nunca houve um sistema de composição português. Nunca
houve. Nós já existimos há oito séculos, e nesses
oito séculos nunca houve um sistema aqui, que tivesse aparecido aqui.
Nós conhecemos o sistema de Schoenberg, e depois há outros que
são umas tentativas de criar sistemas, mas no fundo para criar um sistema
não basta escrever - é preciso compor, é preciso compor
dentro desse sistema. Ora eu compus, para citar as coisas maiores, cinco sinfonias.
Para compor cinco sinfonias é preciso saber-se e para que essas sinfonias
sejam tocadas é preciso também que haja quem entenda o que lá
está. Isso obriga várias pessoas a terem que se habilitar para
as poderem tocar. Entre as coisas que me intrigam, há uma que me intriga
mesmo muito: porque é que a Fundação Gulbenkian devolveu
o tratado de composição que eu lhes ofereci? Eu ofereci-lhes um
tratado, já há uns anos, e foi-me devolvido sem uma palavra. Porquê?
Há alguém que embirra comigo, talvez. Bem sei que é preciso
perder tempo para se perceber o que lá está - mas, francamente,
há-de haver quem possa!
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Considerações
Finais
Mas eu também vou fazer uma outra coisa, e esta também é
uma novidade. Eu já tenho para lhes oferecer - à tal universidade
inglesa - o material de orquestra para tocarem a obra. Vão tocar a minha
1ª Sinfonia. Eu escolhi a primeira, porque já foi tocada e já
foi feita uma crítica benévola à sinfonia. Mas nós
vivemos num mundo fechado. Aqueles que teriam qualquer coisa para dizer, não
dizem. Os outros, os que não têm nada para dizer, ainda menos.
De forma que eu acho que tenho que desabafar, porque senão dizem-me:
"então você sabia que se estava a passar isso e não
dizia nada a ninguém?". Também não quero fazer essa
figura. Quero ser eu a dizer aquilo que entendo que tenho razões para
dizer, e depois se verá. Daqui a ter repercussão internacional,
mais devagar, porque nós vivemos num mundo fechado e, para muita gente,
só sabendo-se que em tal parte a coisa já é reconhecida,
então talvez já se possa começar a falar. Mas para começar
tem que ser assim um bocado devagar.
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