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ENTREVISTA |
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Clotilde Rosa |
Entrevista a Clotilde Rosa / Interview with Clotilde Rosa |
2004/Jul/02 |
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Versão Áudio
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Versão Texto
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Registo Videográfico
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Título do Suporte Entrevista a Clotilde Rosa / Interview with Clotilde Rosa |
Realizador Perseu Mandillo |
Produtor Tortoise Movies |
Tipo de Documento Entrevista MMP |
Tipo de Suporte MiniDV |
Data 2004/Jul/02 |
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Edição
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Editora Centro de Informação da Música Portuguesa |
Referência da Edição CIMP_entr_VID_CR |
Data 2004/Jul/02 |
Localidade Parede |
País Portugal |
Email Editor mic@mic.pt |
Página Web Editor Página Web Editor |
Edição Online |
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Observações
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Entrevista conduzida por Miguel Azguime e realizada em casa da compositora (Algés)
Transcrição, redacção, revisão: Miguel Correia, João Carlos Callixto, Susana Paiva, Marta Catana |
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Acesso
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Centro de Informação da Música Portuguesa |
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Momentos marcantes na aprendizagem
musical
O meu pai e a minha mãe, claro! O meu pai que era um violinista e um
cantor de ópera excelente, e a minha mãe que era harpista e pianista
também, eram os dois… Fazia-se música lá em casa,
ela acompanhava-o no piano, ele cantava e eu conhecia aquelas óperas
todas, aquelas árias, e depois muitas vezes, marcava-me tanto que eu
ia para um – tínhamos uma varanda enorme – eu e o meu irmão
íamos para… imitar a ópera, se bem que o meu irmão
é que tinha voz de mulher e eu tinha voz de homem (risos) - ele tem uma
voz linda de soprano. Mas então vinham à baila os costumes da
ópera do meu pai e nós brincávamos com isso. Assim, o meu
pai e a minha mãe, realmente, foram fundamentais na minha formação,
até porque quando eles morreram – era eu muito nova, muito jovem,
fiquei aos 10 anos sem eles – enfim, perdurou a sua imagem e eu escolhi
- fui escolher - música, mesmo por causa disso.
E o mesmo instrumento - harpa! Piano… piano foi mais… fui forçada
a fazer o curso e ainda bem, porque me deu umas óptimas bases para a
composição, não é? Mas hoje até tenho uma
certa pena de ter, de ter abandonado um bocado a técnica. Hoje toco muito
pouco piano porque nunca mais estudei, mas a harpa sim, eu dediquei-me à
harpa.
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Primeiros contactos com a música
contemporânea
Conheci o Jorge Peixinho justamente como harpista, e o Jorge Peixinho marcou
também imenso a minha vida, na medida em que, de repente, eu encontro
uma pessoa excepcional, um músico excepcional - e também na altura
eu tinha-me afastado um pouco do conservatório, porque já tinha
acabado o curso mas queria muito conhecer música contemporânea.
Eu ouvia falar que tinha cá vindo o David Tudor e que tinha vindo o John
Cage, simplesmente eu não tinha ido ouvi-los. E para mim, eu achava isso
intolerável, mas estava muito ligada às artes plásticas,
porque me dava muito com o meu irmão Artur Rosa e com a Helena Almeida
– que por sinal agora tem tido imensa repercussão no nosso meio
porque é uma grande artista – e eu estava muito perto das artes
plásticas, mas na música eu achava que me faltava convivência.
Até que um dia, o Mário Falcão, radicado nos Estados Unidos,
me veio bater à porta para saber se eu queria fazer alguma obra, obra
de… Imagens Sonoras do Jorge Peixinho, para duas harpas. Ele
nessa altura ainda não estava radicado nos Estados Unidos, depois é
que foi para lá. E eu fiquei muito assarapantada, porque adorava, queria
conhecer, queria conhecer a música contemporânea mas não
tinha tido formação nesse sentido – formação
técnica, não é? E então… mas claro que disse
que sim e os ensaios foram muito dolorosos, muito cansativos porque em 2 compassos
eu tinha que mudar 5 pedais, ou sei lá quantos pedais eu tinha que mudar,
e fiquei quase doente com o estudo, quando estudei Imagens Sonoras,
mas o que é verdade é que nunca mais abandonei a colaboração
com o Jorge Peixinho. Nunca, nunca mais abandonei, e, de facto, a parte musical
que me faltava foi aí que a fui encontrar, e encontrar largamente. Eu
estudei muito com o Jorge Peixinho, e ele depois, além de fazer antes
do grupo, reunia muitas vezes colegas e fazíamos encontros musicais de
música contemporânea. Fizemos um happening na livraria
Divulgação, com alguns artistas também - com o Melo e Castro,
poeta, e com a Salette Tavares e também com o António Aragão,
que era um poeta… E então era a ode à crítica, fizemos
um…- falámos sobre a crítica, ridicularizar a crítica
e a crítica ficou… quase que nos ia comendo, não é?
(risos) mas nunca… Isso foi um marco também, foi uma parte muito
interessante, em 1964 salvo erro. Portanto isto das Áreas e
Imagens Sonoras passou-se em 1962 e daí até hoje nunca
mais deixei a música contemporânea - nunca mais mesmo apesar do
Jorge ter morrido, as sementes que ele deixou floriram entre nós todos.
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Experiência no Grupo de
Música Contemporânea de Lisboa
Nós tivemos épocas de ouro no lado experimental e fizemos –
eu lembro-me, nunca mais me esquece – na Madeira, fomos fazer uns recitais
na Madeira e então aí fizemos uma parte experimental…improvisámos!
Então o ensaio geral da improvisação – que se ensaia,
o Miguel sabe também, também faz improvisação, claro
que nunca se improvisa… também se ensaia quando se improvisa…
Não se improvisa do nada! E então, a certa altura, nós
estávamos tão entusiasmados que até já vozes dizíamos:
“Não!”, “Sim”, “Não!” Extraordinário
- eu nunca mais me posso esquecer daquela improvisação.
Nós improvisávamos muito na Gulbenkian, porque tínhamos
a Gulbenkian por nossa conta, até à uma da manhã, para
ensaiarmos. E depois alguém fez desaparecer de lá uns gongos,
ou lá não sei o quê, ou escangalharam qualquer coisa, partiram
não sei quê, e então – não fomos nós,
mas começaram a levantar bocas que teria sido o grupo – e não
fomos, de todo – só se foi alguém que não gostava
do grupo. E então depois passámos a não ter aquela…
a haver segurança e a Madalena Perdigão, nessa altura, não
deixava tão livremente irmos lá ensaiar, tínhamos que marcar
os ensaios, e isso até se compreende, porque eu já ouvi dizer
tanta coisa que aconteceu lá naquela casa, ouvi dizer, não é?
Não tenho nada… não sei de nada! Só que me lembro
perfeitamente de nós estarmos a ensaiar as nossas improvisações,
que eram maravilha, uma maravilha! Essa parte experimental foi sempre uma parte
que me entusiasmou. Aliás nas minhas obras, geralmente – geralmente…
não digo geralmente – mas muitas vezes há fragmentos que
são experimentais…
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Despontar para a composição
Eu tinha estado em Darmstadt a assistir, várias vezes, - e tinha estado
a assistir - ao Musik fur ein Haus que o Stockhausen fez com os alunos
dele. Cada um fazia um fragmento e ele depois é que fez a ligação
e deu-se - esse acontecimento foi marcante, era uma casa onde se fazia música
desde o andar superior até à cave. Na cave havia uma misturadora
onde misturava todas aquelas músicas que iam acontecendo a diversas horas
e foi, por exemplo - sei lá - o Mesias Maiguashca, o Jorge Peixinho,
o Tomás Marco, vários, vários, mais outros compositores
– agora não me lembra o nome deles, um alemão Ralph…
que toca trombone também – eu sei que eram os alunos do Stockhausen
e, esse acontecimento, teve uma grande importância. E nessa altura eu
até dizia que aqui em Portugal não se dava a devida importância
ao Jorge Peixinho, porque ele lá era… O Stockhausen tinha uma grande
preferência por ele como pelos outros alunos, e havia fotografias enormes
deles, dos comparticipantes do curso, e fizeram essa Musik fur ein Haus.
E então, na medida em que o Jorge teve essa experiência, lembrou-se
de ter uma experiência parecida connosco, com o grupo - em 1976, salvo
erro, ou 1975… 1976, não me lembro bem -, em que pediu a cada um
de nós que fizesse uma fragmento – eu já tenho contado isto
várias vezes –, um fragmento, para ele depois fazer ligação
entre esse fragmento e apresentá-la em concerto. E assim se fez. E a
pessoa que ficou com um bichinho, um micróbio dentro, fui eu, que nunca
mais deixei de compor, realmente. E ele gostou bastante da minha experiência,
gostou bastante da minha experiência e, de facto, nunca mais morreu essa
vontade de compor. Eu nem fazia ideia que era capaz de compor, ficámos
todos muito admirados, o Carlos Franco também fez um fragmento bastante
interessante, o Lopes e Silva já compunha e os outros todos fizeram,
mas onde caiu aquela semente, digamos, foi em mim, de facto, nunca mais deixei.
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Influências e métodos
de escrita
Eu tenho sempre uma grande disciplina quando escrevo, embora tenha bastante
liberdade, não estou acorrentada a nenhuma escola. Quando me diz que
o dodecafonismo teve muita importância em mim, claro que teve. Mas ao
mesmo tempo, eu hoje em dia escrevo perfeitamente livre, escrevo livremente.
A princípio não, a princípio ainda utilizava algumas séries
como disciplina, mas libertava-me delas porque eu, um dia numa aula do Álvaro
Salazar, - ele estava a fazer no Estoril, aqueles cursos de análise musical
no Estoril - , no intervalo eu arranjei uma série minha, de 3 acordes
de 4 sons, e são esses acordes de 4 sons, que mais ou menos vão
habitando as minhas obras, que por vezes podem sugerir esses tais acordes de
que fala, mas eu nunca, nunca… nunca vou empregá-los de maneira
tradicional, sistemática e muito menos tonal.
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Encontro
É engraçado, o Encontro surgiu do facto de num grupo
nem sempre as pessoas estão de acordo e por vezes existem fricções.
Mesmo depois do 25 de Abril as fricções eram um pouco maiores
porque as pessoas não tinham a mesma forma de pensar. Haviam uns que
chegavam mais cedo, outros mais tarde… Neste grupo haviam algumas fricções,
como sempre fui muito apaziguadora, tinha um grande desgosto e pena que num
grupo onde todos eram amigos houvesse tanta fricção. Umas vezes
uns levantavam-se: “Eu já não ensaio mais porque tu chegaste
muito atrasado e eu não admito isto porque eu estou aqui há que
tempos. Então uns chegam a horas, outros não chegam…”
O Jorge punha as mãos na cabeça e também não era
capaz de aguentar aquilo, de disciplinar, porque tínhamos todos muita
confiança uns com os outros. Então um dia, em casa, estando os
meus filhos e o Carlos jogando às cartas, puseram-me de fora - porque
eu nunca gostei de jogar e só fazia disparates - e eu pensei assim: “Olha
que esta! Fui posta de fora! Vou fazer qualquer coisa, o que é que eu
vou fazer? Ah, eu vou compor, vou compor!” Isso é mesmo assim.
Fui compor ao piano e resolvi fazer uma obra que desse uma boa convivência
no grupo. E então foi daí que nasceu o Encontro. Arranjei
como material um cluster nas cordas e a flauta era uma parte melódica,
digamos, uma parte mais melódica. Já empregava sons múltiplos,
e tinha uma cadência, mas então era assim: - as cordas iam-se apoderando
a pouco e pouco do material da flauta e a flauta ia-se apoderando, a pouco e
pouco, terminado como umas cordas nas cordas soltas fazendo um harpejo…
De quintas, exactamente, e acabava assim. Isso para mim era o "encontro"
do grupo, e chamei-lhe Encontro. Nessa altura o Joly Braga Santos e
o Nuno Barreiros tinham que mandar para tribuna de compositores uma obra portuguesa…e
o Jorge Peixinho gostou muito daquela obra e achou que queria mandar essa obra
e gravou-se a obra - e eles estavam um bocadinho contra isso porque nunca tinham
ouvido falar… “A Clotilde agora é compositora?” e o
Jorge fez questão que fosse essa obra. E a obra foi e eles gostaram muito
e ficaram muito bem impressionados porque entre 30 países e 60 obras
a obra ficou em 10º lugar ex-aequo, o que para mim, para uma primeira composição
não tinha sido nada mau, não é? Esse é um ponto
marcante.
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Alternâncias
Depois disso seguiu-se as Alternâncias, para flauta e piano,
que eu dediquei ao Jorge… - ao Carlos Franco e ao Jorge Peixinho - em
que há um dueto entre a flauta… é um duo entre flauta e
piano. E eu gosto particularmente dessa obra, do material dessa obra, porque
acho que é um material bastante interessante. Como o nome diz - alternâncias
- há de facto uma alternância entre um harpejo do piano de cariz
expressionista ao qual a flauta responde com umas células melódicas
– dentro do melódico que eu achava nessa altura, não era
o melódico tradicional, evidente – e depois há uns batimentos
de piano - com o piano, na corda do piano, quando há batimentos na flauta
- e depois há um duo entre os dois, uns fragmentos que se repetem ad
libitum e também… Depois, a seguir, há um outro elemento
- fui buscar uma série verdadeiramente dodecafónica em que o tal
acorde de cariz expressionista era sempre o mesmo, sempre, sempre, sempre o
mesmo, mas havia…eram marcadas, acentuadas, as notas da série que
coincidiam com notas da série que eram completadas com a flauta, de maneira
que depois há uma coordenação entre o piano e a flauta
que constitui essa série. E eu acho essa rede, que existe, muito interessante,
porque consegui, concebi um plano bastante – para mim – muito original.
Depois, seguem-se os mesmos diálogos e respostas, perguntas e respostas
entre a flauta e o piano até que, o discurso vai acabar de uma forma
cada vez mais silenciosa, cada vez mais lenta, mas sempre com esse harpejo,
digamos, com um harpejo cada vez mais lento – já não são
as mesmas notas – mas cada vez mais lento, até que, por fim, há
silêncios e os silêncios de 2 segundos passarão a 5 segundos,
de 5 segundos passarão a 7 segundos e no fim acaba com um cluster
no piano e, portanto, com o máximo de estatismo. É essa, essa
peça.
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Ricercari
Eu tenho muitas formas de trabalhar, o Ricercari, por exemplo, começou
como uma série de notas em terceiras que perfez um acorde. Depois foi
completado com mais, nos violinos e nas violas fazendo os 12 sons logo, mas
começou com terceiras e depois foram completados 12 sons, completados
a partir de um grande clímax. Depois segue-se uma pequenina célula
na flauta que a pouco e pouco vai-se desenvolvendo e vai criando um fragmento
que depois se vai ricercando ao longo da obra. Também há
uma parte muito significativa de rítmica, como que um pano de fundo e
também há um – eu chamo-lhe um pano de fundo, não
só na parte rítmica – na parte orquestral, há um
pano de fundo, - eu queria dizer uma textura, uma textura, jogo com uma textura
com esses ricercandi constantes, dessas pequeninas células que
se vão desenvolvendo e também com pontos luminosos nos metais
daquele acorde que eu comecei de princípio, com determinados sons que
– por exemplo – parece um som em baixo e outro, com determinado
intervalo, a cima à distância de colcheias ou à distância
rítmica de… com um ritmo determinado, e isso são as 3 componentes
que eu acho no Ricercari. E é realmente uma obra de que eu não…
eu assino, não me envergonho e nunca, nunca disse: “Hum, gostava
de não ter feito isto ou aquilo.” O Jorge Peixinho costumava dizer
que eu tinha imenso material naquele Ricercari e que deveria ter alongado
muito mais a obra, mas o meu tempo não é longo, eu não
tenho o tempo longo, ao passo que ele tinha um tempo muito longo. Ele dizia
que eu tinha material para fazer… Bem, então ainda me queria entusiasmar
em continuar a obra, em alongá-la, mas eu disse-lhe sempre que não
porque aquele era o meu tempo.
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Sonhava de um Marinheiro
Na altura dos Estudos Pessoanos pediram-me para eu fazer um pouco de música
para uma actividade que ia haver, e eu fiz qualquer coisa sobre isso. Depois,
desse material, surgiu realmente o Sonhava de um Marinheiro que tem
excertos do poema estático, do drama estático de Marinheiro,
portanto, e que consta de uma orquestra do tipo da Orquestra Gulbenkian –
porque esta é mais pequena, não sinfónica – e de
3 vozes femininas que eram as 3 mulheres que estão sempre falando no
marinheiro - o marinheiro não existe senão no pensamento delas,
não é? E eu gosto muito dessa obra porque… comecei, com
grande desgosto meu - não havia onde trabalhar electroacústica,
não havia nenhum estúdio, eu não tinha possibilidade aqui
em Lisboa, e então eu falei com o Luís Cília de quem era
amiga e ele pôs à minha disposição um estúdio
que tinha e então ajudou-me a construir a parte electroacústica
que era um sintetizador. Portanto essa obra é para sintetizador, orquestra
e 3 vozes femininas. Eu acho que a obra é feliz! Gosto bastante dessa
obra e ainda há pouco tempo – há uns 2 anos – passei-a
toda a computador e foi há 2 anos, também, que fui a Aveiro ter
com o João Pedro Oliveira que da fita me passou para um CD e que me pôs
a parte auditiva em ordem. De maneira que hoje pode-se fazer.
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Hommages-Mémoires
Essa obra já é bastante diferente, embora se possa dizer - como
há bocado e eu até fico muito lisonjeada com isso – que
é Clotilde Rosa, mas é uma obra feita de uma maneira – que
não sou eu, com certeza, a primeira pessoa que trabalhou assim –
com o nome do Jorge Peixinho e com o meu nome, as notas correspondem aos nomes.
Correspondem de uma maneira – como sabe – o "a" é
o Lá, o "b" é o … e então na medida que
eu construí o nome de Jorge Peixinho e Clotilde Rosa, eu fiz a obra construindo
frases… que eu consegui através dos nomes. Depois há também…
essa obra é bastante contrapontística, aliás o Jorge costumava
– isso também é uma homenagem a ele – o Jorge apreciava
muito em mim a minha maneira de escrever, que fazia muito contraponto.
Isso também acontece noutra obra de que ele gostava muito, que era aquela
obra de homenagem a Puccini - Recondita Armonia - que o Jorge gostava
bastante – e, de facto, eu tenho tendência para esse dito contraponto
e essa obra…
Esse dito contraponto… que já está longe do outro! Mas enfim,
e a certa altura tem duas, duas, 2 fragmentos - é a Homenagem e Mémoire,
Hommage et Mémoire, - que, na altura de acabar a Hommage,
o violino tem um solo que vai encalhar, digamos, no Mémoire,
e a Mémoire é… sei lá, são…
ideias muito recônditas que ficam. Eu não sei se há…-
porque eu sei o que escrevo e sou uma pessoa muito rigorosa - mas o que há,
de facto, em mim – também não posso dizer que não
seja – é uma certa intuição natural, há uma
certa intuição. Há coisas que brotam, brotam, e que eu
não sei explicar muito bem como, mas de maneira nenhuma elas são
trabalhadas, isso faço questão de sublinhar, não é?
Essa obra também é, realmente, me é grata mas, é
isto! Dizem várias pessoas, que têm ouvido, que também gostam
muito dessa obra, acham que é uma obra bastante elaborada, muito elaborada.
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Untitled Document
Densidades
Eu quis fazer uma peça para violino com uma parte electroacústica
e perguntei ao João Pedro Oliveira se ele poderia dar-me apoio. Ele disse
logo que sim, imediatamente. Então eu construí uma partitura com
2 pautas de violino – o violino também toca na parte electroacústica
– a parte de baixo é só o violino, não é?
E a parte de cima é escrita para violino e ao mesmo tempo tem desenhos
gráficos feitos por mim que queriam dizer o que eu ouvia electronicamente.
E eu consegui que o João Pedro Oliveira percebesse o que eu queria. Então,
estando sentado ao lado um do outro, ele ia seguindo a partitura e perguntava-me:
“O que é que pretende? Isto?” e eu dizia: “É
isto que eu pretendo. Pretendo aquilo. Não, não é bem isso,
é aquilo.” Mas está toda cheia de desenhos, eu concebo a
electrónica com gráficos.
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Untitled Document
Adversidades do meio musical
português / Ópera O Desfigurado
(...) Vá lá que tive várias encomendas, mas era o Jorge
também que ajudava muito a que me encomendassem, porque na minha condição
de mulher eu parece-me que vá lá, vá lá –
porque eu irrita-me isso muito porque acho que não, para mim ser mulher
ou ser homem para mim é a mesma coisa – mas eu acho que o Jorge
me protegia – enquanto vivo, coitado – mas depois ele morreu e de
facto eu também não tive problemas, as pessoas habituaram-se à
minha pessoa, habituaram -se a ouvir-me, habituaram-se…
Agora o que é verdade é que não é por acaso que
a minha ópera está na gaveta há uma data de anos, não
se faz…
É do Armando Silva Carvalho, que não sei porque é que não
se fez, porque era para ter sido feita em Lisboa '94 - não foi Lisboa
'94, mas depois o Pinho Vargas ainda não tinha o Édipo
acabado – era para ser feita no mesmo, na mesma récita, porque
a minha ópera dura 75 minutos – mas não, ele não
tinha acabado e depois não havia verba para fazer a minha ópera,
não havia verba e nunca mais foi feita. Nunca mais foi feita. O argumento
não é até muito difícil de montar – penso
eu – o Armando chegou a pensar que por motivos… Se nós tivéssemos
feito qualquer ópera, ou se tivéssemos escolhido um qualquer…
sei lá, uma história passada, sei lá, no tempo do Camilo
Castelo Branco, que teria sido mais fácil. Eu não vejo porquê,
porque esta ópera é intemporal porque… Chamava-se Portuguex,
agora chama-se O Desfigurado, para não ser tão rebarbativo:
Portuguex, isto em termos de que os portugueses – ou à
direita ou à esquerda – não gostam de vender Portugal, mas,
no fundo era uma… (risos), … não gostam de vender Portugal
– está sempre à venda, eu acho que está sempre à
venda (risos), tem estado sempre à venda – mas, portanto, quando
se fez, não foi a partir dessa altura, podia ter sido feita no tempo
do fascismo, como agora, como depois porque… O que é que fala?
Fala dos vinhos afamados, dos fados bem avinhados, é um publicitário
que tem uma chefe que é a directora.
E ele constrói, à maneira de Gil Vicente, 3 personagens - que
é a rapariga – a mulher – o operário e o empresário.
Que são essas… que saem como se saíssem… luminosamente
aparecem 3 personagens. E o publicitário vai jogar com essas personagens
para fazer daí, para fazer, a publicidade à marca - a marca Portuguex.
E então a rapariga tem… eles tem que arranjar um slogan
- os slogans tem que aparecer nuns painéis grandes, não
é assim? Mas então, depois disto tudo, aparece uma espécie
de uma figura messiática que quer acabar com tudo, que é o Desfigurado
– por isso é que a ópera se chama O Desfigurado
– que acaba: “Tu filha das formigas levanta-te e anda!”
“Tu operário também que…” – o
operário também que estava a olhar muito para as curvas da rapariga
também tinha que… enfim. Mas nessa altura há qualquer coisa
que se impõe que é a directora – que é o dinheiro
– que diz basta e ela é que vence porque o dinheiro é que
vence, portanto basta.
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Untitled Document
Elementos de improvisação
nas obras
Eu creio que também até no Ricercare isso existe. Eu
empreguei muito módulos que depois diz: Repetir ad libitum e
permutando, permutando ad libitum, isso é dar livre curso às
pessoas, para o intérprete, não é? Só que na orquestra
nem sempre resulta porque … – quando é depois muito bem explicado
resulta – mas, nos grupos verdadeiramente contemporâneos resulta
porque nos conhecemos uns aos outros, não é? E sabemos aquilo
que se quer. Nas orquestras, muitas vezes, os instrumentistas que eram menos
amantes da música contemporânea…ou menos criativos, quando
viam um fragmento: “Ta ri ri ra ro ri ra ra ri” , faziam: “ta
ra ri ro ra ri ro ra ri, ta ra ri ro ra ri ro ra ri” e não faziam:
“Ta ti to ta, ta to ti”, não faziam! E então o Carlos
Franco dizia-me: “Ó Clotilde, para escrever para orquestra não
se pode escrever assim. Tem que ser tudo muito bem especificado, porque senão
corres o perigo de fazerem aquilo que tu não queres!”
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Untitled Document
Trabalho com Constança
Capdeville
Eu tinha uma grande admiração pela Constança. A Constança
era uma mulher fantástica, uma compositora extraordinária e nós
fizemos muitas obras dela.
Mise en Requiem… eu esqueço-me do nome do… Mais,
mais obras dela, o Momento… O Momento até o apresentámos
em Royan, no festival de Royan e teve uma ovação espectacular,
e não sei até, como tinha aqueles batimentos no chão e
ainda estávamos na época do Fascismo, não sei se as pessoas
também sentiram, sentiram que era uma manifestação - eu
sei lá, aquela obra mexeu muito com o público. Aí a Constança
era excepcional, foi uma… outra perda muito grande. Tanto ela como o Jorge
Peixinho podiam ser vivos, tanto um como o outro… eu sou mais velha e
ando cá ainda.
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Untitled Document
Teatro Musical
Eu experimentei, mas confesso que saiu mais música que teatro. Porque
fiz o Diapasão que era… Diapasão que hoje
é para orquestra, é para uma orquestra de arcos, mas foi para
um trio em que havia cena, havia cena. Começam a tocar com um diapasão
na realidade, o diapasão é que é o primeiro som que se
ouve. Essa obra é capaz de ser, quanto a mim …– foi dedicada
aos Beatles e aos jovens daquele tempo, e também utilizei A day in
the life e um excerto, para finalizar a obra naquele grande crescendo que
eles têm de glissando e também os Jethro Tull, porque eu também
tenho interesse por música, digamos, pop, conforme a música se
é boa, não é?… E realmente eram bons, os Beatles
era bons. Mas essa obra, para mim, acho que não foi conseguida, tenho
a sensação de que das minhas obras todas, essa obra… Porque
depois o primeiro andamento é muito, é muito… é todo
dentro da linguagem contemporânea mas depois o último andamento…
Engraçado é que é tirado de uma série mas resulta
mais ou menos… vou cantar: “Ta ta ti …” e então
parece que é atonal, que foge um bocado… parece que é uma
obra um bocado híbrida, quanto a mim. Bem também posso ter sentido
isso…
E há também uma outra obra que é o Jogo Projectado
II, onde o Luís Cília canta… dizia um poema, ao mesmo
tempo que havia o… não sei como é que se chama, é
diaporama? Eu não sei se é diaporama…
Um Ciclorama, um ciclorama! Em que nós estávamos para lá,
a harpa, o trompete e a viola, salvo erro, e deste lado estavam outros e o Jorge
Peixinho era o maestro que, justamente de propósito, que eles utilizam
muito como… como…
Já sabe qual é, do grupo! Essa obra é minha, foi inventada
por mim esse…que o maestro é muito grande por causa do foco da
luz, é enorme, e foi dedicada aos povos latino-americanos que eram torturados.
Foi dedicada, e há um poema da Marta Cristina Araújo que é
recitado sempre pelo Luís Cília. Depois no fim quem recitou mesmo
ao vivo foi o Carlos Wallenstein, que já morreu. Essa obra também
pretendia ser de teatro musical, porque depois a certa altura os que estavam
do lado de lá vêm para o lado de cá e o maestro continua
a dirigi-los e no fim vão todos colocar-se numa roda - numa circunferência
com uma luz roxa que incide na circunferência - e todos baixam a sua cabeça
no fim do seu papel, depois de terem tocado tudo, o que queria dizer, evidentemente,
que nem os ditadores escapavam à morte, não é? Mas também
não… foi tocada uma vez ou duas… Ah, foi duas vezes, foi
duas vezes, foi na Gulbenkian…e depois nunca mais se fez, tinha esse…,
era interessante, tinha essa componente visual. Mas era difícil, porque
era preciso arranjar um ciclorama e para arranjar o ciclorama… Pois eu
fiz tentativas…
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