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ENTREVISTA |
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Tomás Henriques |
Entrevista a Tomás Henriques / Interview with Tomás Henriques |
2004/Jun/28 |
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Versão Áudio
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Versão Texto
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Registo Videográfico
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Título do Suporte Entrevista a Tomás Henriques / Interview with Tomás Henriques |
Realizador Perseu Mandillo |
Produtor Tortoise Movies |
Tipo de Documento Entrevista MMP |
Tipo de Suporte MiniDV |
Data 2004/Jun/28 |
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Edição
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Editora Centro de Informação da Música Portuguesa |
Referência da Edição CIMP_entr_VID_TH |
Data 2004/Jun/28 |
Localidade Parede |
País Portugal |
Email Editor mic@mic.pt |
Página Web Editor Página Web Editor |
Edição Online |
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Observações
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Entrevista conduzida por Miguel Azguime e realizada no Departamento de Ciências Musicais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
Transcrição, redacção, revisão: Pedro Ferreira, Miguel Correia, João Carlos Callixto |
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Acesso
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Centro de Informação da Música Portuguesal |
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Percurso Compositivo
O meu percurso é até bastante desconhecido para a maioria dos
compositores meus colegas e outras pessoas. Eu venho da música prática.
A passagem para a composição foi uma escolha que fiz entre os
meus 18 e os meus 20 anos. Toda a minha aprendizagem esteve sempre ligada à
música prática, integrado em grupos de câmara e na orquestra.
Só quando entrei no Conservatório, aos 14 anos, é que tive
contacto com a composição e comecei a interessar-me sobre esta
problemática de como escrever e criar música.
Não há propriamente um criador que me tenha influenciado. No meu
caso, foi mais o pensar como se escrevia a música e que tipo de possibilidades
de escrita e novas linguagem. Obviamente que comecei a ouvir muita música
de muitos autores contemporâneos. Foi igualmente importante o meu contacto
com o Peixinho, com o qual descobri muitas música novas, bem como o Emmanuel
Nunes nos seus célebres seminários, onde pude conhecer outras
pessoas que estão agora no mainstream da música portuguesa.
No entanto considero importante a minha formação no Conservatório
Nacional de Lisboa. Depois, entre 1984 e 1985, a minha passagem pelos cursos
de música electroacústica de Viana do Castelo permitiram-me conhecer
o Teruggi, o que fez com que fosse estudar para Paris estudar esse tipo de música
durante alguns meses. Essa ligação à música electroacústica
tornou-se bastante forte, uma vez que podia aliar algo que me fascinava bastante
– o uso da informática e das novas tecnologias na composição.
A partir daí, tem havido um percurso paralelo na minha produção
musical, que contempla não apenas as novas tecnologias, como a música
feita com meios completamente acústicos.
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Abordagens e Processos compositivos:
Música Instrumental versus Música Electroacústica
Não consigo fazer uma separação nítida entre a minha
música electroacústica e a música instrumental. Acho que
há uma ligação entre elas em termos do tipo de cor e do
tipo de ambientes sonoros que crio. Para mim, a música electroacústica
– e as tecnologias que me permitem trabalhar com fontes diferentes das
instrumentais – é apenas mais uma forma de eu exprimir aquilo que
me dá mais prazer, ou aquilo que me interessa exprimir enquanto compositor.
De maneira que há um paralelo entre a abordagem musical nestes dois campos.
O gosto que eu tenho pelo refinamento ao nível da harmonia, por exemplo,
penso que também se reflecte na minha música electrónica.
A integração do elemento surpresa, o contraste, tudo isso são
denominadores que se podem encontrar tanto na minha música instrumental
como na electrónica. Todo o trabalho desenvolvido a partir do GRM, só
me afectou no sentido da liberdade de escolha de materiais e na liberdade do
potencial desses materiais. Sempre tive um grande cuidado, quando trabalho a
parte da música electrónica, de ter sempre um esquema de pensamento
ordenado.
Eu defendo uma linha de pensamento que exige - quer em termos de música
electroacústica, ou qualquer outra – um pensamento estruturado
em relação ao qual se pode realmente modular, possível
de ser contornado, modificado e distorcido, mas que seja um pensamento que unifique
e dê direcção à composição e onde se
possa sentir, do ponto de vista formal, uma estrutura e uma arquitectura que
suporte a música criada. Caso contrário, entramos numa zona nebulosa
de intuição – que eu acho que já teve uma expressão
artística bastante forte durante as décadas de 1960 e 1970, mas
que já não faz muito sentido actualmente. Portanto, a minha música
electrónica e a minha música acústica tem essa mesma preocupação:
seguir padrões estruturais definidos, sobre os quais trabalho, refino,
modifico e recrio.
Por vezes, há uma certa apropriação do tipo de técnicas
específicas de estúdio para o domínio da escrita instrumental.
Todo o trabalho que é possível fazer com a música electroacústica,
como por exemplo o layering, de extensão e compressão
do material, de distorcê-lo ao longo do tempo e da frequência, permite,
obviamente, um pensamento e uma reflexão sobre esses processos. Pode-se
extrapolar isto para a área instrumental e vice-versa. Ou seja, os tipos
de pensamentos e abordagens da música acústica – como a
da exploração de massas sonoras através de processos canónicos
– podem estar relacionados com o layering. Há realmente um feed-back
que influencia estas duas vertentes do meu trabalho.
Acima de tudo – falando agora sobre a música electroacústica
– a noção tímbrica assume, na minha opinião,
uma independência muito grande em relação à qual
divirjo. Em algumas obras, nomeadamente no Time Warp e até mesmo
no Trois Rêves, que foi escrito mais recentemente, ouvem-se massas
sonoras com características harmónicas. Pode dizer-se que a dado
momento soa a um acorde perfeito maior, ou a um acorde perfeito menor, mas isso
é usado de uma maneira disfuncionalizada em termos do contexto tonal.
É claro que na música electroacústica isso não faria
sentido, embora exista, obviamente, uma separação entre a riqueza
tímbrica – que evolui de uma maneira muito mais discreta, mais
medida, mais refinada em relação ao tempo – e a opção
harmónica – que dá um corpo mais uniformizado e estável.
Estou a falar dessas duas obras porque realmente se podem ouvir, de vez em quando,
massas sonoras que definem acordes perfeitos maiores ou menores, que não
têm outro efeito a não ser o de permitir uma estabilidade de consonância,
do ponto de vista psicoacústico.
Na música electroacústica, coloca-se o problema da consonância
e da dissonância, porque o problema coloca-se de uma maneira um pouco
diferente da música instrumental, porque as possibilidades são
muito superiores. De qualquer modo, aquilo que ouvimos, são jogos entre
massas sonoras mais ou menos consonantes ou dissonantes. Para mim, o que está
realmente em jogo em todas as peças, sejam elas acústicas ou electroacústicas,
é o balanço entre a consonância e a dissonância. O
que lhe confere a forma é como isso é delineado ao longo do tempo.
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Métodos Compositivos:
O problema da forma, a consonância e a dissonância
Quando falo em noção de consonância e de estabilidade de
uma massa sonora, faço-o sob um ponto de vista físico, acústico
– onde se dá a separação, ou não coincidência,
no grande bolo sonoro de harmónicos, onde se estabelecem certas relações
de números inteiros, ou relações mais complexas em que
se criam os batimentos – e sob um ponto de vista psíquico de percepção
dessa mesma estabilidade. Obviamente, que quando se fala em consonância
inarmónica há já muitos estudos feitos, hoje em dia, sobre
a não harmonicidade até de um intervalo fundamental, como é
o caso da oitava. Aliás, em sons timbricamente mais complexos, há
oitavas que são afinadas mesmo sem estarem na proporção
exacta de dois para um. Há um campo bastante interessante para trabalhar
nesse aspecto. Mas, voltando à ideia original, falo numa consonância
que me dê estabilidade, quer em termos físicos, quer psíquicos.
Em termos musicais, eu consigo obter uma redução energética
em termos da condução do material musical. Para mim, é
fundamental trabalhar com contrastes, mesmo que sejam entre consonâncias
– é muito mais difícil trabalhar apenas com consonâncias,
do que com consonâncias e dissonâncias em simultâneo.
É mais fácil um compositor assumir-se como um compositor neo-tonal
ou neo-romântico nos Estados Unidos do que num contexto europeu. Na realidade,
eu trabalhei com algumas pessoas do serialismo mais duro que existe nos Estados
Unidos, como o Charles Warren, e com o qual aprendi muito. Acho que foi a personalidade
que mais me influenciou em termos de escrita e em termos de uma explosão
muito grande de criatividade, que era diametralmente oposta ao tipo de estética
e ao tipo de obras que eu estava habituado a ouvir – sobretudo as obras
da Segunda Escola de Viena e dos compositores que seguiram o desenvolvimento
dessa escola, nomeadamente o Pierre Boulez. Pessoas, como por exemplo o Warren,
tinham um métier extremamente apurado de uma vivacidade e expressividade
que realmente me surpreenderam e que me levaram a perceber que havia uma luz
ao fundo do túnel. Fizeram-me perceber que compôr música
a partir de métodos seriais era perfeitamente viável e uma opção
com todo o mérito. Nos Estados Unidos há várias correntes
que se opõem à música do Warren, e mais ainda à
do Babitt (que são dois serialistas fundamentalistas), mas penso que
a minha abordagem em relação à minha inserção
de materiais tonais é, de qualquer modo, uma coisa pontual. Lembro-me
de uma obra que escrevi recentemente, em 2002, o Time Warp, onde existe
um acorde de ré bemol maior, que é fundamental durante toda a
peça. De qualquer modo, é uma escolha. Tem a ver com a inserção
de um elemento de estabilidade ao nível da energia sonora. Não
me identifico de maneira nenhuma com a música tonal, ou com os neo-tonais.
Como opção estética acho que a música tonal teve
um lugar na história. Mesmo os minimalistas, ao terem trazido novamente
harmonias tonais, fizeram-no de uma forma muito diferente, uma vez que não
existe uma funcionalidade porque todo o material é expandido ao longo
do tempo e desta forma perde-se a noção de progressão harmónica.
Aquilo com o qual me identifico, é com uma escrita baseada e alicerçada
num pensamento estruturado que, na grande maioria das vezes, tem a ver com a
criação de conjuntos de notas em relação às
quais são efectuadas todo um conjunto de modificações,
muitas delas muito simples. Tenho chegado à conclusão que quanto
mais simples são as opções, em termos de modificação,
mais eficaz é o resultado sonoro. Às vezes, a simples inversão
do material é muito mais interessante do ponto de vista musical, ou sob
o ponto de vista sonoro, do que uma multiplicação por um factor
de 2.5 – isto faz-se através do computador, onde se pode gerar
algoritmicamente resultados em termos numéricos quando se tratam as séries
e as notas. De vez em quando, tenho usado alguns processos matemáticos
mas chego à conclusão que obtenho melhores resultados se me sentar
à mesa e se escrever à mão. Isto não quer dizer
que não se obtenham coisas muito interessantes sob o ponto de vista da
parte algorítmica, mas acho que existe ainda muito espaço de criatividade
nas coisas mais simples, obviamente obedecendo a um pensamento estruturado.
Isso é fundamental. Penso que o que é comum a todas as minhas
obras é esse elemento estruturado. Penso que existe essa solidez formal,
embora não se consiga ouvir todos os aspectos formais concretos associados
ao material.
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A Informática no processo
compositivo
Eu faço muito trabalho de experimentação em termos de tentar
gerar material com processos algorítmicos, especialmente agora com o
MAX/MSP – onde isso é mais fácil de realizar, em vez de
estar a criar coisas a partir do zero. Embora o resultado final me leve depois
a reflectir sobre aquilo que oiço, por vezes acabo por pegar num conjunto
de materiais e optar por escrever de uma maneira muito mais “humana”,
abordando o material de uma maneira mais simples, mais directa e mais controlada
por mim. Isto, como disse há bocado, não descurando, obviamente,
as potencialidades do computador.
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Sibila I, Sibila
II, Frames, Sudeste e Time Warp
Sibila I é uma obra para piano e som electrónico. É
uma obra em que a parte electrónica foi concebida de raíz para
ser extremamente instrumental e onde tento extrair as componentes de frequência
definida a partir do som electrónico. Ou seja, existem muitos sons electrónicos
de origem abstracta, ou de origem concreta, bem como de origem electrónica.
Numa primeira abordagem, quando se ouvem esses sons, não conseguimos
identificá-los ou colocá-los num âmbito de frequências
e definir se é um ré, ou um lá sustenido. São sons
electrónicos que, de um modo abstracto, contraponho com o discurso do
piano, que são inseridos em função das suas características
de frequência. Assim, criam-se massas sonoras que entram em contraste,
se sobrepõem, e que dialogam com as suas componentes de frequência.
É uma peça no início da década de 1990, em que a
parte do piano tem como fundamento um conjunto de doze acordes, que servem como
uma espécie de cantus firmus harmónico que atravessa
toda a obra. Aliás, a obra é um conjunto de variações
sobre este campo harmónico.
Frames é uma outra peça que utiliza o mesmo tipo de pensamento,
em que as relações das notas, quer ao nível vertical quer
no horizontal, são retiradas do campo harmónico e todo o material
é gerado a partir da variação e da complexificação
das relações que existem, à partida, nesse campo harmónico.
Sibila I é uma peça importante no sentido em que esta se
baseia em parâmetros de origem numérica – relações
e ratios numéricos – que põem em contraponto a parte estrutural
instrumental, de uma maneira bastante directa. A parte electrónica é
simples, com sons sintetizados, outros não gravados, escolhidos, sequenciados
e organizados numa relação de semelhança e diferença
entre as notas e o som electrónico, ao nível do parâmetro
de frequências.
Sibila II é basicamente o Sibila I sem a parte electrónica.
Isto porque foi concebida desde a origem para que a parte do piano pudesse funcionar
como uma obra solística, na qual a parte electrónica se funde.
É uma parte electrónica que obviamente dá uma dimensão
completamente diferente à peça, mas que, com pequenas modificações
a parte solística do piano pode ser executada pelo pianista e consegue
viver por si só, a partir da música feita só para a parte
instrumental. Trata-se de uma Sibila mais móvel, que se pode
levar para outros sítios e que se pode tocar mais facilmente sem o recurso
da parte electrónica.
Queria ainda abordar a obra Sudeste, de 1992, para cinco percussionistas
– duas marimbas, dois vibrafones e um temple-block – que tem como
ideia original o trabalho sobre o parâmetro das durações.
Aí, o ritmo surge como um elemento bastante importante, em que os conceitos
de pulsação e do desvio da pulsação, por um lado,
e o conceito de motivos rítmicos - que entram em contraste, se chocam
e se encaixam - por outro, fornecem a substância mais importante à
peça. Sob o ponto de vista da organização das alturas,
a peça vive muito à base do conceito canónico. Cânones
que acontecem por distenção temporal, que não são
lineares, mas que são compostos por processos de retrogradação
e inversão e que ao longo do tempo se vão comprimindo e expandindo.
A peça, avança basicamente à custa destes cânones
e à custa de processos de multiplicação do material, em
que uma linha melódica depois explode e vai ser usada nos outros instrumentos.
Ao nível de uma obra de música electrónica, podia falar
sobre o Time Warp, por exemplo. O Time Warp é uma composição
que, como há pouco referi, usa uma massa sonora – uma espécie
de pedal harmónico baseado num acorde perfeito maior. É uma obra
que parte do material gerado, sintetizado, sequenciado e criado a partir de
um programa que eu escrevi em 1993 que é o PANGEA. Trata-se de um programa
de espacialização e edição de som, que permite quebrar
um som num conjunto muito grande de pequenos fragmentos e reorientá-los,
não apenas ao longo do tempo mas também ao longo do espaço
– uma vez que cada fragmento pode ser colocado em qualquer canal do espaço
acústico. Uma secção dessa peça foi feita com esse
programa. Existem vários objectos sonoros que são introduzidos
na composição, nomeadamente um pequeno excerto de um canto gregoriano,
que eu tentei inserir para criar uma certa estabilidade e uma certa intemporalidade.
Uma vez que utilizo, em termos musicais, uma pedal – que é o acorde
perfeito maior – que dá essa sensação de estabilidade,
inseri esse canto para me ajudar a obter também essa sensação.
No que diz respeito à dimensão temporal tentei que esta fosse
bastante estendida, onde uma pessoa se pudesse perder no sentido temporal. É,
pois, uma obra que tem várias componentes, mas que penso que sob o ponto
de vista tímbrico, harmónico e formal, as coisas conseguem-se
fundir, embora seja uma peça que eu considero simples. Não é
complexa, como muitas vezes eu oiço, ou como costumamos ouvir em festivais
em que muitas coisas estão a acontecer em simultâneo. Eu tenho
a tendência para escrever de uma forma simples, que sejam formalmente
mais fáceis, não direi de seguir, mas estáveis em termos
da sua utilização ao longo do tempo.
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Software de edição
sonora: Pangea e Real Move
Por exemplo, o Time Warp e o Trois Rêves, já
são obras completamente diferentes. Foram compostas a partir do software
que eu criei ultimamente – o PANGEA e, mais recentemente, o Real Move.
Tenho uma relação de amor e ódio com esta minha relação
com a programação. Ódio, no sentindo em que, muitas vezes,
reparo no tempo em que estive a olhar para o computador e a tentar fazer alguma
coisa em programação, quando poderia ter ganho mais tempo se estivesse
a escrever música. Seria mais imediato e talvez conseguisse outros resultados.
De qualquer maneira, a minha aproximação e o meu gosto pela matemática
e pelas ciências exactas – uma vez que foi essa a minha formação
em termos liceiais e também em termos universitários que, durante
algum tempo, esteve ligada à engenharia – fez com que eu tenha
trabalhado especialmente na criação de programas para espacialização
sonora. O Pangea foi desenvolvido enquanto eu estive a fazer os meus estudos
nos Estados Unidos. Mais recentemente, o Real Move é um software
que permite a espacialização do som em tempo real. Obviamente,
que depois de programas tão importantes e tão bem escritos como
o Spat, é difícil uma pessoa criar coisas diferentes e úteis,
mas de qualquer modo, o Real Move é um programa que permite que o utilizador
possa trabalhar com o rato no computador e através do cursor no visor
do computador determinar as trajectórias do som. Ao ver os altifalantes
no ecrã pode-se definir a trajectória em tempo real do som que
está a ser ouvido, seja um som ao vivo ou de uma gravação
difundida em tempo real.
Eu trabalho no Real Move de maneira a que o possa controlar com um Glove MIDI.
De certa maneira, é muito mais interessante que um utilizador possa utilizar
duas luvas MIDI e estar a trabalhar em simultâneo com duas fontes sonoras
ao vivo e a fazer a espacialização em tempo real. Sob o ponto
de vista visual, é muito mais interessante e pode-se mesmo utilizar essa
componente em termos dramáticos no palco, através da géstica
do controlo das fontes sonoras.
O que é que este programa tem de novo? Tem de novo a possibilidade da
distribuição da panorâmica ser feita, não como é
tradicionalmente – em conjuntos de duas colunas, em estéreo, como
é o paradigma da espacialização – mas também
em quadrifonia, ou octofonia com 16 canais e tem a possibilidade do som estar,
simultaneamente, em todos os canais. A gestualização permite gerir
a quantidade de amplitude que é difundida por todos os canais. Obviamente
que ainda há muita experimentação que eu vou ter de fazer
para saber se a coisa realmente funciona em termos musicais. No papel, em termos
matemáticos, já funciona. Agora em termos musicais é, obviamente,
uma nova etapa que eu vou ter de realizar. Outra coisa importante em relação
ao Real Move, é o facto de cada canal de difusão poder ser ligado
directamente a um processador digital, ou seja, é possível assim
ter o mesmo som em quatro ou oito canais, e cada um desses canais ter um processamento
completamente diferente. Posso assim ter um ambiente sonoro uniforme –
porque é o mesmo som que está no espaço acústico
– mas o facto de cada canal de difusão ter um processamento diferente,
cria diferenciações tímbricas que, em termos de composição,
podem ser interessantes sob o ponto de vista de escrita musical.
Quando um som é localizado em relação a um centro de coordenadas
é definido um vector. Aliás, cada uma das colunas é também
usada como um centro de coordenadas de maneira que se criam vectores de cada
coluna para a localização do som. Só depois, a partir de
um processo matemático, é que é calculado o peso relativo
da proximidade de cada coluna e aí é feita depois a computação
da quantidade. Não sei exactamente como é que isso vai resultar
em termos sonoros em termos de audição.
Cada vez leio mais, e aprendo sobre como o cérebro percepciona o som,
e tendo a chegar à conclusão que o espaço é um parâmetro
extremamente difícil de trabalhar, porque o ouvido tem uma tendência
para gostar de ver imagens sonoras extremamente claras, extremamente bem definidas.
Por exemplo, no Pangea eu consigo partir um som de cinco segundos em mil pedaços
e pô-los em vários pontos de difusão no espaço. O
que é muito difícil é criar uma obra onde esse tipo de
inovações tecnológicas pode ser utilizada de uma maneira
coerente e forte, musicalmente. Tenho feito muitas experiências, aliás,
ainda não escrevi uma obra com o Pangea, embora ache que em termos de
software ele tenha algo de inovador. Já o apresentei em algumas
comunicações internacionais e foi bem recebido e está a
ser bem visto, porque faz a espacialização do som no tempo, e
não em termos de frequência.
A problemática é que este é um tipo de abordagem diferente,
onde tem de haver uma consciencialização e disponibilização
para se criar obras deste tipo, e isso eu não tenho tido muito. Neste
momento tenho estado a escrever muito mais música orientada para instrumentos
acústicos, do que para instrumentos electrónicos, que se prende
mais com uma questão de visibilidade no campo da música contemporânea
no nosso país, onde há alguma facilidade em ser-se muitas vezes
rotulado ou esquecido. Se uma pessoa faz especialmente música electroacústica,
é rotulada com o carimbo da música electroacústica e depois
não é convidado para festivais e concertos de música instrumental.
De maneira que estou também a tentar compensar esse balanço de
escrita.
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