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ENTREVISTA |
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Evgueni Zoudilkine |
Entrevista a Evgueni Zoudilkine / Interview with Evgueni Zoudilkine |
2005/May/31 |
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Versão Áudio
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Versão Texto
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Registo Videográfico
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Título do Suporte Entrevista a Evgueni Zoudilkine / Interview with Evgueni Zoudilkine |
Realizador Perseu Mandillo |
Produtor Tortoise Movies |
Tipo de Documento Entrevista MMP |
Tipo de Suporte MiniDV |
Data 2005/May/31 |
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Edição
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Editora Centro de Informação da Música Portuguesa |
Referência da Edição CIMP_entr_VID_EZ |
Data 2005/May |
Localidade Parede |
País Portugal |
Email Editor mic@mic.pt |
Página Web Editor Página Web Editor |
Edição Online |
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Observações
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Entrevista conduzida por Miguel Azguime na Universidade de Aveiro
Transcrição, redacção, revisão: Teresa Pacheco Ferraz, Patrícia Ribeiro e Silva, Marta Catana |
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Acesso
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Centro de Informação da Música Portuguesa |
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Aprendizagem e Percurso
Comecei a compor e a estudar composição ainda no período
soviético, ou seja, na época comunista. O primeiro período,
digamos, considero-o o período “tradicional”, porque, na
altura a Rússia estava fechada. Ou seja, por exemplo, eu conheci a música
de Stockhausen, ou Boulez já com dezanove ou vinte anos. Antes disso,
conhecia bem Bartók, Messiaen, Webern,,… para além disso,
não conhecia nada.
Tive sorte, um dos meus professores era o Edison Denisov, que viajava muito
e tinha muitas partituras em casa. Ele dava aulas de “História
da Música do Século XX” e nós ouvíamos muita
música contemporânea, mas isto já aos dezanove, vinte anos.
O primeiro período, considero-o “tradicional” porque tive
bastantes influências da música de Bartók, Shostakovich
e, talvez, Debussy. E as primeiras obras que compus (por exemplo, os Quartetos,
o “Concerto para Violino e Orquestra”, a “Sonata para Piano”
e a música vocal) têm bastantes influências destes compositores.
Considero este o “período tradicional” na minha criação.
Sensivelmente quatro ou cinco anos antes de chegar a Portugal, a minha linguagem
evoluiu bastante. Ou seja, eu acho que talvez, este tenha sido o período
mais “experimental” da minha vida, porque nessa altura compus algumas
obras em que não usei compassos, não usei notação
tradicional, muitos efeitos, por exemplo, já em Portugal, uma das obras
que compus nos primeiros anos chama-se “Vocalise”, tem este tipo
de escrita, e acho que é uma das obras de possível vanguarda,
[no meu trabalho de compositor].
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Chegada a Portugal
Cheguei a Portugal no ano de 1993. Fui convidado pelo Luís Cunha, que
criou uma escola profissional de música do Estoril. Nesta escola existiram
três cursos: o primeiro curso, que era de “Instrumento”, depois
outro curso, “Teoria e Composição”, e o terceiro curso
era “Construção de Instrumentos”. Eu fui convidado
para dar aulas no curso de Composição. Tínhamos disciplinas
como “Composição Livre”, “Laboratório
de Composição”, “Análise”, enfim, aquele
círculo de cadeiras importantes para a Composição. Dei
aulas até 1996, depois, ainda esse ano concorri a uma vaga de Professor
de Composição aqui em Aveiro, entrei como assistente e estou cá
já há 9 anos. Fiz então o Doutoramento sobre música
orquestral de Jorge Peixinho, que demorei 5 ou 6 anos a fazer, porque fiz em
Português e, claro, foi bastante difícil. Por outro lado, como
não havia materiais sobre a música deste compositor, analisei
a obra toda e depois só utilizei uma parte da análise feita.
Tenho muitos materiais, mesmo, sobre a música de Jorge Peixinho, e, por
exemplo, acho que utilizei apenas um quinto para o Doutoramento. Ou seja, utilizei
apenas obras que considero que são as mais importantes para o percurso
artístico do Jorge Peixinho.
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Conceitos e Métodos de
Composição: A Ideia na Obra
Para mim, composição é uma maneira de exprimir os sentimentos,
e talvez eu seja um pouco “tradicional” nesse aspecto. Porque acho
que compor só por compor e criar estruturas abstractas é fazer
mais ciência do que propriamente música. E para mim, música,
digamos, a sonoridade, é como as palavras; por exemplo, um poeta, um
poeta exprime ideias e sentimentos, tal como a música o pode fazer. Por
isso eu, quando componho, utilizo uma maneira muito livre para o fazer. Às
vezes há momentos em que percebo que tenho de parar e ver, porque parece
que... há qualquer coisa que está mal! Depois, então, componho
de uma forma muito rígida, utilizando sempre uma certa estrutura e não
saio daí. Depois, aparece uma ideia e eu tento equilibrar com o material
já existente e posso, outra vez, continuar a composição
de uma forma mais intuitiva. Porque, claro as estruturas que utilizo no início,
tenho-as sempre na cabeça e não posso perdê-las, porque
a música vai evoluindo e não posso, por exemplo, parar esta evolução
e começar outro material que não tenha nada a ver com o material
inicial.
Por exemplo, aquilo que acontece na música de Mahler, que é um
dos meus compositores preferidos, do qual recebo alguma influência hoje
em dia, é que há sempre uma ideia. Por exemplo, a Sinfonia
nº 9, em que temos o último andamento que é o Adagio
e que, digamos, é o andamento principal. Todos os andamentos anteriores,
conduzem, pouco a pouco, àquele Adagio. E nós percebemos,
passo a passo, aquilo que o compositor quer transmitir. Esta “ideia”,
em música, parece-me muito importante. A título de exemplo, eu
tenho uma obra que se chama Motum Contrarium para violoncelo e contrabaixo.
A ideia dessa obra é digamos um pouco extra-musical. Cada um destes instrumentos
é uma personagem. E a obra começa num registo muito agudo, em
que o contrabaixo tem a função melódica e toca, digamos,
do registo superior ao registo de violoncelo. Depois, pouco a pouco, eles, criam
um contraponto muito denso, e vão baixando, até ao registo grave.
E, neste processo, o violoncelo, passo a passo, predomina; ou seja, predomina
no sentido melódico. Começa a interpretar o material mais melódico
e o contrabaixo passa a ter, então, função de efeito. Pouco
a pouco eles vão baixando a um registo extremo grave, em que depois também,
no final, utilizam scordatura. Esta ideia é extra-musical, mas
quando a pessoa ouve a música sente que há alguma coisa que conduz
o material. Ou seja, do início até ao fim é uma peça
em que há uma ideia, há uma forma, há uma estrutura. A
existência da ideia é, por exemplo, uma das coisas que se verifica
na música de Ligeti, de que eu gosto muito e que é um compositor
que também marcou a minha obra. Por exemplo, mesmo no Quarteto nº
2, um quarteto que tem grande importância de efeito, há sempre
a ideia. Ou, por exemplo, na música de Lutoslawski, de que gosto também,
é a mesma coisa. Por exemplo, podemos ter a imagem de uma forma Sonata,
não existe forma Sonata, mas há alguma imagem na maneira como
ele cria e conduz os materiais. Eu até analisei, por exemplo, a Sinfonia
nº 2, o primeiro andamento, e analisei como forma Sonata, embora os materiais
não sejam tradicionais. E porque é que Lutoslawski utilizou esta
forma tão antiga hoje em dia? Porque a partir desta forma o compositor
pode transmitir ideias. Se alguém tem alguma coisa a dizer, pode dizer
dentro de uma certa construção, ou seja, dentro da forma Sonata.
Ao ouvir, por exemplo, este primeiro andamento, praticamente não é
possível definir a estrutura da Sonata, porque tem muitos efeitos, tem
um material específico; no entanto, ao analisar, percebemos bem a estrutura.
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O Conceito de Evolução
no âmbito da escrita da obra
Outro aspecto que eu também considero muito importante é a evolução.
Lembro-me bem, de quando era ainda estudante que um dos meus professores de
composição, Albert Leman, dizia que a obra deve evoluir como uma
planta. Ou seja, a planta nasce e depois vai criando uma certa estrutura, que
é muito lógica e muito natural. Ou seja, tem de se ouvir bem o
material inicial e conduzir este material da maneira como o próprio material
quer. A isto eu chamo evolução. E por isso é que, para
mim o momento de composição é um momento íntimo,
pois tenho de ficar sozinho, tenho de ouvir bem o material que eu próprio
criei, e criar uma forma, uma estrutura mais natural na condução
dos materiais. Isto é a evolução em termos globais. Também
há evolução em termos hetero-rítmicos, aliás,
que também é muito importante. Por exemplo, das estruturas mais
indeterminadas, das estruturas mais aleatórias, até, por exemplo,
das estruturas mais fixas e vice-versa. Eu utilizo este tipo de evolução
muitas vezes na minha música; por exemplo, uma das últimas obras
que eu compus em Portugal é Recitativos para percussão.
E utilizei nesta obra a evolução das estruturas fixas até
às estruturas indeterminadas e vice-versa.
Eu acho que para mim, então, evolução significa que nós
estamos, por exemplo, nos primeiros compassos de uma obra, e temos determinado
material. E o que faço na fase inicial de criação? Tenho
de analisar bem o material e perceber aquilo que o material pode dar. Ou seja,
é preciso criar um ponto de chegada deste material. Ou seja, o material
vai evoluindo, até um determinado ponto, onde fica transformado, onde
se cria outro material. Eu acho que o processo mais importante em composição
é justamente este: perceber qual o sentido da evolução
que este material pode ter. Às vezes, acontecem vários sentidos
de evolução e nós temos que optar por um dos sentidos.
Neste caso, eu faço o seguinte; componho, digamos, um fragmento à
parte e tento ver qual o sentido da evolução desse material. Faço
assim. Evolução contínua... isto, digamos, também
tem a ver muito com a obra aberta, tem a ver com o sentido da obra aberta, que
cria a evolução contínua, onde nada se repete. Neste sentido,
eu posso dizer que nunca utilizei este tipo de linguagem; ou seja, para mim
é importante que o ouvinte se consiga lembrar de alguma coisa anterior,
porque se tem alguma coisa no ouvido, e passados dez minutos ele se recorda,
isso significa qualidade do material.
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A questão do Estilo
Por exemplo, em 1994, 1995, talvez, eu pensasse no estilo. Pensava assim: “Ah!
Isto é muito contemporâneo”, “Isto é pouco contemporâneo”,
ou “Isto parece, por exemplo, Ligeti...”, etc. Agora, desde o ano
1994 ou 1995 já não penso assim, quero escrever aquilo que quiser...
Por exemplo, tive um aluno, no ano passado que andava muito preocupado com a
música que estava a escrever, se era mais tonal ou atonal... e andámos
sempre, digamos, a corrigir aspectos tonais para atonais, ou atonais para tonais.
No entanto, essa é uma ideia que hoje em dia já não existe.
O conceito de música tonal ou atonal. Se um compositor utiliza, por exemplo,
o acorde de “dó,mi,sol”, não significa que é
tonal, porque a tonalidade já não existe. Tal como música
atonal. Esses conceitos já morreram há alguns anos. Nós
já estamos a viver na outra realidade, por isso um compositor não
deve recear utilizar qualquer aspecto. Ou seja, pode utilizar a escala de Dó
Maior. Embora, claro, um compositor inteligente não vá compor
“tónica, sub-dominante, dominante, dominante, tónica”,
porque isto já não existe, realmente. E esta notoriedade que eu
ganhei talvez seja porque nestas últimas obras eu já não
tenho medo de compor, eu exprimo aquilo que quero, ou seja, estou completamente
livre. Por exemplo, eu componho e apetece-me fazer uma coisa fora da estrutura;
faço-a, porque eu quero e acho que soa bem.
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Música para Violino
e Piano
Uma das últimas obras que compus, Música para violino e piano,
foi talvez a que tive menos dificuldade em compor. Compus esta obra em dez dias,
em Moscovo; era uma encomenda para um concurso internacional de violino, em
Lisboa, e era uma peça obrigatória. Deveria compô-la num
mês. Cheguei, então, a Moscovo e não tive nenhuma ideia.
Sabia que tinha pouco tempo, então devia avançar... Lembro-me
de que fui uma vez passear, e surgiu-me assim uma ideia, digamos, uma ideia
que está no primeiros compassos desta obra. Depois, cheguei a casa, escrevi
a ideia e continuei, sem pensar muito nem na estrutura, nem nos aspectos rígidos.
Escrevi duma forma livre, durante, por exemplo, três horas. Passados dias,
voltei e, então, toquei aquilo que escrevi, e achei que ficava bem. Quer
dizer, compus de maneira aleatória sem uma estrutura determinada. Depois
continuei a compor e surgiu essa obra, que nem sequer posso dizer qual o material
que eu usei, ou qual a estrutura, qual a linguagem, porque eu não sei;
então, surgiu mesmo assim, muito naturalmente. Nessa obra tentei exprimir
um certo lirismo, porque acho que é um aspecto que hoje em dia falta,
realmente. Este aspecto por exemplo, foi muito importante, na música
de Mahler; eu às vezes digo que uma Sinfonia de Mahler podia ser reduzida
aos Adágios, porque é isso que o público espera mais ouvir
numa Sinfonia de Mahler, é o Adagio. Porque é que o Adagio é
tão importante numa Sinfonia de Mahler? Porque exprime um lirismo muito
próprio, muito específico. E hoje em dia nós já
não temos este lirismo que “toca” uma pessoa; eu queria nessa
obra transmitir um pouco este ponto de vista: ou seja, compor uma música
lírica muito íntima, por isso é que utilizei um material
bastante simples e tentei configurar bem o piano e o violino, no sentido de
dar a sensação de uma música lírica íntima.
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Influências e Intercâmbios
Em Portugal tive algumas influências, não só dos grandes
compositores, mas também dos meus alunos. Por exemplo, como dou aulas
de composição e analiso muitas obras de alunos, muitas vezes tenho
de explicar porque não está bem ou o que seria melhor... Ou seja,
assim que olho para a partitura, já ganhei a experiência de perceber
se algo poderia ficar melhor?...Ou se é melhor recomeçar do início?...
Esta experiência que ganhei também ajuda a compor, pois muitas
vezes o compositor tem o material, não sabe como o desenvolver e tem
de passar uns dias para perceber o material. Digamos que eu, ultimamente, olho
pouco para o material e percebo o que eu quero fazer. Uma outra influência
que tive cá em Portugal foi a música do Jorge Peixinho que é
um compositor que tem muito a ver comigo. Não é no sentido da
linguagem musical, isso não é. Mas no sentido da sua perspectiva
como compositor, porque ele também só conheceu a música
de vanguarda, muito tarde, tal como eu. Depois, tal como eu, ele tem muita liberdade
de expressão e utiliza a maior parte das técnicas que existiram
no século XX ou ainda antes, na sua obra. Ou seja, ele nunca foi limitado
a uma determinada técnica ou a uma determinada linguagem musical. E este
aspecto, digamos, ajudou-me, porque eu senti um certo apoio do Jorge Peixinho
nas minhas perspectivas, embora ele tenha morrido no ano de 1995.
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