Uma
Aubade é uma canção ou poema da manhã ou, mais especificamente, da alvorada. Tradicionalmente, é a canção de amantes que se vêm obrigados a separar-se com o nascer do sol; a tradição também inclui uma pessoa que avisa os amantes da iminente luz do dia. Um dos exemplos mais conhecidos desta forma encontra-se no segundo ato de Tristão e Isolda de Wagner onde a Brangäne avisa por duas vezes do dia que se aproxima. Há outros exemplos mais livres e instrumentais, como a Alborada del gracioso de Ravel, a Aubade de Chabrier e ainda a Aubade de Richard Rodney Bennett (um dos meus professores).
Nesta obra, tratei da ideia de uma maneira bastante livre. A peça começa de maneira desfocada e vai ganhando clareza ao longo dos seus quase dez minutos de duração. Esta clareza ou focagem nota-se tanto em termos de alturas como em termos rítmicos. A obra começa de maneira lenta e no grave: a sobreposição de várias camadas de
glissandos que passam por todos os instrumentos de corda, cria texturas muito densas em que dificilmente o ouvido consegue retirar qualquer acontecimento único da massa sonora. Porém, aos poucos certos sons vão-se distinguindo, nomeadamente uns pequenos relâmpagos no sopro. Gradativamente, a música sobe no registo geral, e depois de uma grande densidade, a textura começa a aclarar-se. O contraponto passa antes à homofonia: a textura adquire maior focagem. Pouco antes do fim as cordas convergem num sol – o momento de maior focagem de alturas da peça. O trocadilho entre a nota sol e o sol que nasce na alvorada não é por acaso.
Tradicionalmente, uma forma musical contém momentos de reexposição, onde a música visita novamente material que já se tinha ouvido, assim criando uma sensação de coerência e de unidade no discurso. Neste caso, a peça começa num ponto (a noite escura) e termina noutro ponto completamente diferente (o dia brilhante). A forma é de uma transformação gradativa.
Chrisopher Bochmann · Novembro de 2020