Homena é, nas várias leituras do termo, na sua forma parcial e integral, uma lembrança fugidia para Olivier Messiaen e para Helena Vieira da Silva nos 80ºs aniversários dos seus nascimentos, em 1988. Trata-se apenas de um "fragmento sinfónico" sobre matérias de obras mais longas - Polígonos em Som e Azul e Octophonon - numa versão para orquestra de fins do século XVIII. O carácter da obra está marcado não só pelo pensamento estético dos dois autores, mas também pela magia e simbolismo da data em que a obra começou a ser escrita: 8 de Agosto de 1988.
Texturas deslizantes, superfícies e volumes ondulantes, camadas fixas e móveis, ora coexistindo, ora movendo-se organicamente como um canto melismático ritual, unem dois mundos diversos. O ritmo, o tempo, o espaço harmónico são absorvidos, aqui, pela geometrização e plasticidade do devir musical. O princípio gerador, polarizador e unificador do todo continua a ser, porém, desde Projecções (1969/70), o intervalo de segunda maior que vem dos tempos e regiões imemoriais. Microtonalismo flutuante percorre, ainda, como noutras obras anteriores, as páginas de Homena.
As ressonâncias, os ecos, as dilatações, as fixações, os automatismos terão origem, aqui, na circularidade e na elasticidade da pintura de Vieira da Silva, na densidade cromática da música de Messiaen, na espacialidade das fontes electrónicas e digitais. O próprio acto de improvisação como síntese do gesto instantâneo e do gesto controlado (a escrita) desempenha, também, na terceira e na quarta partes, um papel fundamental. A distribuição dos músicos em pontos distantes do espaço poria ainda em relevo outra dimensão da obra: o movimento em si e a estereofonia natural da obra. Homena é uma espécie de círculo que se articula no tempo, em quatro movimentos distintos ligados entre si por breves elos. Toda a estrutura da peça se faz por processos elementares que entram na noção geral de composição: projecção, proliferação, eliminação, expansão, contracção, cristalização, moldagem, integração, montagem, etc... O tempo como fenómeno global (elasticidade do tempo ou das durações) ou como fenómeno infinitesimal, instantâneo (contracção do tempo ou das durações) é outro registo de leitura destas páginas breves, onde o espaço se torna móvel e o movimento se torna imóvel.
Cândido Lima