Entrevista a Filipe Pires / Interview with Filipe Pires
2004/Jul/07
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Métodos de composição
Eu costumo dizer aos meus alunos: ”Tudo isto que vos estou para aqui
a dizer são bases sobre as quais cada um de nós deve arquitectar
a sua obra, o seu edifício. Uma vez adquiridas essas bases, quando
acabarem as vossas aulas aqui na escola – ou pelo menos quando acabarem
as aulas comigo – vocês têm, ou deverão ter, raízes
e princípios criados para fazerem exactamente o contrário daquilo
que eu vos disse. Isto porque se continuarem a fazer aquilo que eu vos disse
ou se aquilo que vocês começarem a fazer se prolongar tempo demasiado,
nunca saem do mesmo sítio.” Não digo que isto seja uma
preocupação minha, é antes uma constatação
daquilo que se tem passado comigo ao longo da vida e portanto eu desejaria
que os meus alunos perpetuassem essa instabilidade e não se estratificassem
num determinado momento ou numa determinada posição, por melhor
que ela seja, já que isso os levaria a repetirem-se indefinidamente.
Digamos que isso é uma necessidade que eu sinto e que tem como resultado
libertar-me de qualquer preconceito. Nunca mais me esqueci duma crítica
que o João de Freitas Branco fez à minha obra Portugaliae
Genesis, para coros e orquestra, baseada em textos escritos em latim
bárbaro, ainda dos começos da nossa nacionalidade – isto
portanto em 1968. O João de Freitas Branco, depois de muitas considerações,
de muitas coisas elogiosas e de outras objectivamente menos precisas, teve
uma frase de que eu nunca mais me esqueci. Dizia ele que estranhava que uma
pessoa com 34 anos produzisse uma obra que, não sendo uma obra de vanguarda,
era quase uma obra de vanguarda da retaguarda. Talvez ele esperasse coisas
que eu naquela obra não empreguei, embora tivesse empregado noutras
de outra época. Ou seja, aquela obra, pelo seu contexto e pelo próprio
texto literário mesmo, obrigava-me a seguir um determinado caminho,
ou até a misturar vários caminhos, e não outros. Cingi-me
a um determinado número de contingências, não por qualquer
outra razão mas por necessidade intrínseca. Um ano antes ou
um ano depois eu tenho obras que são completamente diversas daquela…