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Luís Antunes Pena


Questionário / Entrevista

Parte I: raízes e educação

Como começou para si a música? Onde identifica as suas raízes musicais? Que caminhos o levaram à composição?

Todo o meu percurso musical até à idade da adolescência foi essencialmente autodidacta. Antes de ter começado com as aulas de piano lia música com algum esforço e era-me mais fácil compor do que ler. Pelo que ia compondo pequenas peças que tocava para a família e amigos. A ideia de ser compositor foi-se tornando realidade sem que tenha sido uma decisão absolutamente consciente.

Que momentos da sua educação musical se revelaram de maior importância para si?

Penso que a primeira grande decisão foi a de entrar para a já extinta Escola Profissional de Arcos do Estoril e para o Curso de Teoria e Composição. Foi aí pela mão de Evgueni Zoudilkine que iniciei o meu encontro com a música de tradição ocidental. Depois passei pela Escola Superior de Música de Lisboa onde encontrei o António Pinho Vargas. Mas ao mesmo tempo tinha contacto com muitos outros compositores portugueses e estrangeiros em Aveiro nas Jornadas Nova Música que organizava com a Diana Ferreira e o João Miguel Pais. Paralelamente, frequentava os seminários de composição do Emmanuel Nunes na Fundação Gulbenkian que coincidia muitas vezes com os Encontros de Música Contemporânea. Finalmente, fui estudar para a Alemanha com o Nicolaus A. Huber e iniciei os estudos de música electrónica com o Dirk Reith. É-me difícil destacar um destes momentos. Todos eles foram muito importantes para a minha formação.

Parte II: influências e estética

Que referências assume na sua prática composicional? Quais as obras da história de música e da actualidade mais marcantes para si?

Eu penso que as obras mais importantes foram mudando ao longo do meu percurso mas há a influência de um compositor que revisito frequentemente, que é Beethoven. Depois há outros momentos como a audição de Anton Webern pelo Klangforum Wien sob a direcção de Beat Furrer na Filarmonia de Colónia que foram verdadeiras revelações. Ou a estreia de "Quaderno di Strada" de Salvatore Sciarrino ou "Serynade" de Helmut Lachenmann. Mas independentemente dos autores um dos aspectos que mais peso tiveram e têm no meu trabalho é a consciência da escrita no processo composicional. Aquilo a que os franceses chamam de écriture. Em 2010 escrevi um texto com o título "A Consciência da Incerteza" que é precisamente sobre a escrita como ferramenta de composição e sobre o ruído da escrita e o ruído usado como método de criação de incerteza.

A oposição entre “a ocupação” e “a vocação” constitui uma das questões na definição da abordagem artística do compositor. Onde, na escala entre o emotivo (inspiração e vocação) e o pragmático (ocupação), se localiza a sua maneira de trabalhar e a sua postura enquanto compositor/a? Podia descrever o processo subjacente à sua prática composicional?

Eu identifico-me com a ideia de Fernando Pessoa de que o acto criativo segue uma intuição intelectual. Ele explica que é intelectual porque só a razão consegue construir a forma, e é intuitivo porque só a intuição consegue separar o essencial do secundário. Eu concordo com esta separação. No meu processo de criação há fases de grande estructuração que, por oposição ao que se passa com compositores da geração anterior, não é tanto um método para atingir a unidade, ou profundidade; trata-se antes de uma ocupação com o material que é um estímulo à criatividade. É através da manipulação mais ou menos sistemática que se apreende o seu potencial. Trata-se de conhecer aquilo que se encontrou. Mas por outro lado, há um domínio em que a razão por si só não explica as escolhas. Eventualmente, é este o domínio que distingue a Arte do artesanato.

Há quem diga que a música, devido à sua natureza, é essencialmente incapaz de exprimir qualquer coisa, qualquer sentimento, atitude mental, disposição psicológica ou fenómeno da natureza. Se a música parece exprimir algo, é apenas uma ilusão e não realidade. Podia definir, neste contexto, a sua postura estética?

Eu sou da opinião que a música é de natureza vivível. Portanto, é uma experiência que apela aos sentidos e às emoções. Há momentos em que a música faz algo connosco. Faz-nos pensar, faz-nos mover, emociona-nos, desperta-nos. Isto pressupõe uma abertura, uma predisposição para ouvir. Falar de comunicação neste contexto é difícil porque pode ser facilmente mal interpretado. Eu penso que a música cria condições para que a comunicação possa existir. Mas esta comunicação não é da mesma natureza da de um texto ou de um discurso.

Existem algumas fontes extramusicais que de uma maneira significante influenciem a sua música?

Ultimamente, tenho me interessado por alguns aspectos da sociologia através de leituras diversas como a de Pierre Bourdieu. Algumas obras recentes como "K-U-L-T" para piano e electrónica e algumas peças dos "Fragments of Noise and Blood" para ensemble e electrónica foram compostas sob influência dessas leituras. São noções que se infiltram no meu processo de trabalho mas que depois se diluem na audição. No entanto, foram essenciais para dar forma ao que se ouve. Digamos que é um lado do meu trabalho em que a ideia, o conceito se torna forma.

Parte III: linguagem

Que relação tem com as novas tecnologias e como estas influenciam a sua maneira de compor, e também a sua linguagem musical?

O computador, ou melhor, a electrónica de forma geral, tem uma influência grande no meu trabalho. Não só o universo sonoro é influenciado pelo som electrónico como também as ideias ligadas à informática musical são fundamentais para o meu trabalho. Isto acontece quando escrevo música electrónica, instrumental ou mista. Há uma ideia que eu gosto de usar para descrever este processo que é a de resíntese instrumental e electrónica. Eu crio ambientes de trabalho, que incluem esboços em papel, sons gravados ou programas informáticos, em que transcrevo de um meio para outro informações que se podem transformar em sons sintéticos ou numa linha de violino ou percussão. É uma forma flexível de transformar informação e resíntetiza-la. É por isso que não distingo o trabalho em música pura instrumental ou electrónica. O método de trabalho é o mesmo. O conjunto de peças com o título "Vermalung", que pode ser traduzido por "pintar-sobre-o-pintado", tem peças para electrónica e outras para instrumentos que seguem a ideia da resíntese instrumental e electrónica. A próxima será "Vermalung V" para instrumentos baseada em "Vermalung I - Western Music" para electrónica.

Quais as suas obras que constituem pontos de viragem no seu percurso enquanto compositor?

Recentemente tenho focado uma parte do trabalho em questões ligadas à pulsação e ao ruído. Desde "Im Rauschen Rot" e "Fragments of Noise and Blood" que estes dois aspectos têm um peso grande no meu trabalho. Portanto, talvez seja legítimo ver nestas peças o início de um ciclo. Também "Três Quadros Sobre Pedra" representa um novo impulso por ter sido composta de forma totalmente diferente das anteriores. Foi um trabalho primeiramente de estúdio com o percussionista Nuno Aroso. O método de trabalho foi semelhante aquele que usa uma banda de música pop: fomos para estúdio e fomos escrevendo, experimentando, compondo e gravando. É um método de trabalho em que o intérprete não está no fim da cadeia de criação. Ele é parte dela.

Parte IV: no estrangeiro

Quais os motivos da escolha de ir viver/desenvolver a sua actividade criativa no estrangeiro?

Quando em 1999 saí para a Alemanha, saí para ir estudar. Tinha acabado o curso superior de composição e atingido o nível académico máximo que, na altura, se poderia obter em Portugal. Nessa altura senti que me faria bem continuar mais algum tempo a estudar, queria conhecer outros métodos, queria estar noutras cidades com uma actividade musical mais intensa. Viver num sítio a 2500 km da cidade onde nasceu Beethoven ou onde viveu Stockhausen tem algum significado. Eu penso que longe há uma tendência para a mistificação desses autores. E o facto de ter vivido no "outro lado", digamos assim, foi para mim um passo importante para uma libertação da academia e da tradição, naquilo que esta possa ter de constrangedor, para me focar mais na minha pessoa e no acto de fazer música. Por outro lado, há também cidades com uma actividade musical com a qual nós nos identificamos e com a qual temos afinidades. Do ponto de vista da influência que uma cidade tem sobre nós e sobre a nossa música não é a mesma coisa viver em Amesterdão, em Paris ou Berlim. Há uma "cena cultural" à nossa volta que nos desperta para aspectos diferentes vivendo no Porto ou em Bombaim.

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