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Carlos Azevedo


Nascido em 1964 em Vila Real, pianista, compositor, arranjador e director de orquestra, Carlos Azevedo movimenta-se com igual à-vontade nos universos da música erudita e do jazz, escrevendo para as mais variadas formações desde o instrumento solista à orquestra. Completou os cursos superiores de Piano e Composição no Conservatório de Música do Porto e o mestrado em Composição na Universidade de Sheffield no Reino Unido, onde presentemente realiza o doutoramento. O seu interesse pelo jazz surgiu nos anos do Conservatório, aprendendo sempre como autodidacta, e acabando por inaugurar a Escola de Jazz do Porto enquanto professor de piano, em meados dos anos 80. Desde então, a par da actividade docente no âmbito de composição, análise e orquestração, desenvolveu a carreira como músico de jazz, liderando o seu trio, escrevendo arranjos e colaborando como pianista em vários projectos.

Carlos Azevedo é um importante protagonista do movimento jazzístico portuense, tendo criado em 2001 a primeira licenciatura em Jazz do país na Escola Superior de Música, Artes e Espectáculo no Porto, assim como partilhado com Pedro Guedes, desde 1999, a direcção musical da Orquestra Jazz de Matosinhos (OJM)[1]. Como intérprete desenvolve o seu trabalho no domínio do jazz desde os 25 anos. Dotado de uma excelente técnica pianística, participa regularmente em concertos e festivais dedicando-se crescentemente à composição e aos arranjos num estilo que o aproxima de Maria Schneider e Vince Mendoza[2]. A sua suite Lenda para decateto foi apresentada nos Festivais de Jazz do Porto (1999), Nantes (2000) e Guimarães (2001), e deu origem ao seu primeiro disco em nome próprio. A fatia maior das suas composições e arranjos no campo do jazz tem sido escrita para a Orquestra Jazz de Matosinhos, mas recebe também encomendas para outras formações. Colabora com os principais músicos portugueses e vários artistas internacionais como Bill Goodwin, Jerome Richardson e Andrzej Olejniczak, entre outros, tendo sido também responsável pelos arranjos (orquestra de jazz e cordas) para o concerto comemorativo de George Gershwin dirigido por Laurent Filipe, durante a Expo ‘98.

No campo da composição a escrita de Carlos Azevedo transmite sempre as características estéticas dos dois mundos – jazz e música erudita. É de realçar algumas das suas obras que mais têm sido apresentadas, como por exemplo Drumming the Hard Way (2003) para septeto de percussão e Poema (2007) para nove instrumentistas. Estão editadas em CD as obras Nem Sempre o Mar é Azul (1999) para orquestra de cordas (Orquestra Sinfónica da Póvoa de Varzim / Osvaldo Ferreira, ed. Numérica), Jazzi Metal (1998) para quinteto de metais (Royal Scottish Academy Brass / John Wallace, ed. Deux-Elles) e Sunflower (2003) para quarteto de saxofones (Apollo Saxophone Quartet, ed. Quartz), entre outras. Das obras mais recentes, destacam-se 5 Movimentos Sobre o Mar (2006) para quarteto de cordas e piano, Verazin (2009) para quarteto de cordas e Crossfade (2010) para orquestra sinfónica, orquestra de jazz e solista[3], assim como Tempo de Outono (2013) para clarinete e piano, estreada pelos Solistas do Sond’Ar-te Electric Ensemble durante o Festival Música Viva 2013.
Em 2012 teve lugar a estreia da sua ópera Mumadona, com libreto de Carlos Tê, uma encomenda de Guimarães – Capital Europeia da Cultura. Assim nos fala Carlos Azevedo sobre esta ópera numa entrevista conduzida por Manuela Paraíso para o Jornal de Letras: “A ópera tem um discurso muito corrido, tem poucas árias, alguns recitativos, mas é muito falada, como uma peça de teatro, com intervenções curtas e sucessivas.... (...). Costumo dizer que nesta ópera dei tudo o que sei... 99,9% dela é influenciada pela minha formação clássica e evidencia o meu tipo de escrita, que transporta sempre um pouco dos dois mundos. Há no entanto um momento inevitavelmente jazzístico, que poderia ter sido escrito para uma big band… (…). A música da Mumadona tem tudo: linguagem modal, poli-modal, neo-tonal, neo-modal, quase atonal... e aspectos minimalistas. Tentei, no entanto, integrar todos esses elementos num estilo único, que não se ouça como uma amálgama de fusões – o que foi difícil mas era necessário porque desde o início percebi que seria impossível, com este libreto, usar uma linguagem única, sob pena de não servir o texto.”[4]

Por ocasião do 50.º aniversário de Carlos Azevedo que celebramos em Dezembro este ano, apresentamos no Em Foco de Novembro um Questionário / Entrevista a este pianista, compositor, arranjador e jazzman.

Questionário / Entrevista

Como começou para si a música? Onde identifica as suas raízes musicais? Que caminhos o levaram à composição?

Carlos Azevedo: Para mim a música começou muito cedo, aos quatro anos. O meu pai era estudante de música no Conservatório do Porto, portanto cresci rodeado pelos discos e pelo piano lá de casa.

Que momentos da sua educação musical se revelaram de maior importância para si?

CA: Houve dois momentos: o primeiro foi tirar o curso de composição, que começou no Conservatório e terminou na Escola Superior de Música do Porto. O segundo foi o Mestrado em Composição em Inglaterra. Como um terceiro momento não formal gostaria de destacar a frequência dos Encontros de Música Contemporânea da Fundação Gulbenkian, nos anos 80 e 90, porque me permitiram conhecer muita música e conviver de perto com grandes compositores.

Que referências assume na sua prática composicional? Quais as obras da história de música e da actualidade mais marcantes para si?

CA: Esta pergunta é muito difícil de responder, principalmente para mim, porque ao “viver” também a área do jazz, o universo de escolha é imenso...
Lembro-me que quando era miúdo os primeiros compositores que me fizeram querer ser músico foram Ludwig van Beethoven e Johann Sebastian Bach. Era absolutamente fanático por estes dois. Mais tarde, a descoberta da Sagração da Primavera foi uma revelação maravilhosa.
Depois destas duas primeiras referências seria difícil e injusto destacar alguém.

A oposição entre “a ocupação” e “a vocação” constitui uma das questões na definição da abordagem artística do compositor. Onde, na escala entre o emotivo (inspiração e vocação) e o pragmático (ocupação), se localiza a sua maneira de trabalhar e a sua postura enquanto compositor?

CA: Claramente no pragmático. Normalmente espero que a vocação (inspiração) esteja como o pano de fundo que conduz secretamente o processo.

Podia descrever o processo subjacente à sua prática composicional? Escreve a partir de uma ideia-embrião ou depois de ter estruturado uma forma global da música?

CA: As duas práticas são importantes e recorro a elas de forma muito consciente. Não consigo imaginar uma sem a outra.

Há quem diga que a música, devido à sua natureza, é essencialmente incapaz de exprimir qualquer coisa, qualquer sentimento, atitude mental, disposição psicológica ou fenómeno da natureza. Se a música parece exprimir algo, é apenas uma ilusão, uma metáfora e não realidade. Podia definir, neste contexto, a sua postura estética?

CA: Para mim, escrever não é um acto de exprimir o que quer que seja. A ideia de desenvolver um acto composicional como forma de exprimir emoções está completamente fora do meu processo criativo.

Existem algumas incidências da sua música com culturas não ocidentais?

CA: Creio que não, pelo menos não de forma consciente.

Que relação tem com as novas tecnologias e como estas influenciam a sua maneira de compor, e também a sua linguagem musical?

CA: A minha relação com as novas tecnologias é a melhor possível. Tudo o que facilite o processo de registo musical, o acesso entre colegas músicos e compositores, a experiência, é bem vindo. Quanto a influenciar a minha maneira de compor ou a minha linguagem musical, confesso que não percepciono esse fenómeno.

Quais as suas obras que pode considerar como pontos de viragem no seu percurso enquanto compositor?

CA: Tenho uma extraordinária dificuldade em olhar para trás, em fazer retrospectivas. Quando termino uma obra já estou normalmente envolvido nas próximas e não sei se alguma vez fiz esse exercício de avaliação do passado.

O que acha sobre a situação actual da música portuguesa?

CA: Acho que Portugal deu passos de gigante nos últimos 30 anos mas, infelizmente, a sociedade e o poder político não estão à altura de poder elevar esta evolução a patamares de excelência.

Como poderia definir o papel de compositor hoje em dia, no mundo globalizado?

CA: O mundo da música sempre foi “globalizado”. Compositores e influências sempre foram inclusivamente protagonistas de migrações e veículos centrais da transmissão de cultura. A música nunca teve fronteiras.

Conforme a sua experiência quais as diferenças que pode distinguir entre o meio musical em Portugal e em outras partes da Europa? O que distingue a música portuguesa no panorama internacional da criação contemporânea?

CA: De forma muito curta a diferença principal entre o meio musical em Portugal e noutras partes da Europa (que conheço) prende-se com a forma como os nossos governantes olham para a cultura – algo supérfluo, onde infelizmente se tem que gastar algum dinheiro, para se ser política ou socialmente correto.
Pessoalmente, não distingo a música Portuguesa do restante panorama internacional. Reconheço cada vez mais a criação musical como um estilo pessoal que cada compositor desenvolve, onde as fronteiras cada vez mais estão esbatidas.

Como poderia descrever a situação dos compositores, hoje em dia, em Portugal e na Europa?

CA: Não sei se percebo bem o sentido da pergunta, mas quando penso nas diferentes formas de criação / composição hoje, ocorre-me uma palavra: ecletismo.

Como vê o futuro da música de arte?

CA: Como uma constante aventura que nunca nos deixa de surpreender.

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1 Da nota biográfica de Carlos Azevedo no site oficial da Orquestra Jazz de Matosinhos
2 Manuel Jorge Veloso, Azevedo, Carlos em: Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, direcção Salwa Castelo-Branco, Lisboa 2010, p. 89
3 Da nota biográfica de Carlos Azevedo no site oficial da Orquestra Jazz de Matosinhos
4 Carlos Azevedo: Uma ópera vimaranense, entrevista ao compositor por Manuela Paraíso em: JL – Jornal de Letras Artes e Ideias, 13 de Dezembro de 2012


Novembro de 2014
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