Em foco

Eduardo Luís Patriarca


Questionário/Entrevista

Parte I . raízes e educação

Como começou para si a música e onde identifica as suas raízes musicais? Que caminhos o levaram à composição?

Eduardo Patriarca: Não tenho raízes musicais directas. A minha família, ainda que ligada a diferentes artes, não tinha apetências musicais destacáveis.
Enquanto estava no Infantário, na altura localizado no Colégio de Nossa Senhora da Esperança no Porto, havia aulas de música, e um dia pedi à minha mãe para ter aulas de piano, teria entre os três e os quatro anos.
A composição apareceu naturalmente. Mal tive um piano senti mais necessidade de o explorar do que de executar o repertório, e entre pequenas canções até uma primeira experiência para piano e gravação fui criando esse caminho. As certezas surgiram mais tarde, já com treze, catorze anos, quando aluno do António Pinho Vargas e depois do Jorge Peixinho.

Que momentos da sua educação musical se revelam, hoje em dia, de maior importância para si?

EP: Todos os momentos verdadeiramente de educação musical foram de grande importância. Muitos deles verdadeiramente afastados da sala de aula. Há diversas conversas de “café” que foram mais importantes do que aulas inteiras e muitas vezes vindo do mesmo interlocutor. Outras foram as audições de determinadas obras, o impacto causado.
Recordo aulas excelentes do Cândido Lima, normalmente as muito específicas, sobre determinado assunto, tal como quando, com ele, conheci Murail e Grisey, ou o quarteto de cordas de Luigi Nono. Da mesma forma, numa aula completamente “outsider”, o Álvaro Salazar juntou os alunos de Composição para falar sobre Ligeti. Confesso que se já me fascinava a sua música, aqui foi levado ao máximo da percepção e do entendimento. Também algumas aulas do Christopher Bochmann foram fundamentais para a análise e entendimento de determinadas obras.
Marcou-me de forma fundamental a audição do Sacre du Printemps. Mudou toda a minha percepção da música. Tal como, pelas mão do Fernando C. Lapa, os Quartetos de Bartók e o Gesang der Jünglinge de Stockhausen.
Nunca senti a estrutura académica como o factor fundamental da minha educação musical.
No entanto aos catorze anos, durante o meu 9º ano o primeiro contacto com o António Pinho Vargas e aos dezanove com o Jorge Peixinho, transformaram-se nos elementos fundamentais para a minha escolha enquanto compositor. Mais tarde os seminários com o Emmanuel Nunes na Fundação Gulbenkian, particularmente o primeiro com as análises de Quodlibet, Minnesang e Einspielung I, marcaram certas mudanças de perspectiva fundamentais para a minha escrita.

Parte II . influências e estética

Que referências assume na sua prática composicional? Quais as obras da história da música e da actualidade mais marcantes para si?

EP: Assumo referências com toda a música que ouvi, umas mais óbvias do que outras. De formas diferentes, ou em aspectos diferentes do meu processo as obras medievais e as vertentes mais ligeiras do séc. XX partilham lugar. Passando claro por obras do repertório.
Penso que a cada momento, pelos aspectos a que é dada determinada importância as referências mudam. Não são constantes os papéis que cada uma toma no processo criativo. Como já referi, Le Sacre du Printemps foi a obra que mais me marcou, e que teve um papel fundamental no meu desenvolvimento estilístico. Mas ao longo dos anos outras tiveram papéis igualmente importantes. Nas obras do passado, várias das Chansons de Josquin des Près, o Livro V de Madrigais de Monteverdi, a Missa Notre-Dame de Machaut, a 8.ª Sinfonia de Beethoven, os Anos de Peregrinação de Liszt, quase todo o Satie, Péleas et Mélisande de Debussy, como uma grande abertura de percepção Música para Cordas, Percussão e Celesta de Bartók, etc.
Em determinada época várias obras de Cage, entre as estritamente musicais e os textos; e mais recentes sem dúvida quatro obras, CDE de Jorge Peixinho, L’amour de loin de Kaija Saariaho, L’Esprit des dunes de Tristan Murail e Vortex Temporum de Gérard Grisey.

A dicotomia ocupação – vocação pode definir a abordagem artística/profissional do compositor. Onde, na escala entre o emocional (inspiração e vocação) e o pragmático/racional (cálculo e ocupação), pode localizar a sua maneira de trabalhar e a sua postura enquanto compositor?

EP: Como sempre, depende das obras e da época em que se inserem. Já fui absolutamente “cálculo e ocupação” e cada vez mais fui, ainda que mantendo as ideias globais desse trabalho, passando ao emocional.
As primeiras peças eram francamente emocionais. Partiam de uma improvisação e de um gosto pessoal, fruto das audições e referências emocionais. A pouco e pouco a técnica e a necessidade de criar estruturas e determinismos levaram a processos de cálculo, sejam eles na organização formal ou nas técnicas utilizadas. Nunca fui muito adepto do servilismo, mas passei por aí em algumas peças de 1989 e 1990, muito particularmente nas 5 Peças para piano de 1990, onde mesmo assim senti a necessidade de um trabalho emocional, aqui na vertente tímbrica.
Foi mais tardio o processo absolutamente calculista. Acredito que foi importante e que mesmo assim criou obras importantes no meu percurso, mas senti, e ainda acontece ouvindo essas peças, a falta do lado meramente artístico, um rigor que nem sempre me preenchia.
Hoje, até porque a maior parte das técnicas usadas estão mais do que enraizadas e são trabalhadas com grande fluência, sinto muito mais o aspecto inspirado. O que não isenta da criação racional ou do uso racional de vários elementos.

Existem algumas fontes extramusicais que de uma maneira significante influenciem o seu trabalho?

EP: Existem várias fontes. Frequentemente refiro me ao meu trabalho como meditações em fractais e espectros, o que penso que resume bastante bem esta questão. Desde a inspiração budista, retirada das meditações e de algumas posturas da filosofia Zen, ao uso de fractais, tanto ao nível matemático como a um nível meramente poético, são factores que marcam o meu trabalho e que tomam conta dos processos técnicos e criativos.

No contexto da música de arte ocidental, sente proximidade com alguma escola ou estética do passado ou da actualidade?

EP: Sinto-me ligado à escola espectral. Não só pela relação emocional com algumas das obras, mas também com grande parte das linhas orientadoras desta estética.
Não ao nível mais profundo da base inicial da “escola” espectral, mas nos resultados finais. Na preocupação com a manipulação de um som por si mesmo, transformar um som no elemento único e exclusivo da criação, como a definição de determinados processos que caracterizam a estrutura formal e harmónica.
Provavelmente a vertente pós-espectral da Kaija Saariaho e de Philippe Hurel, bem como as obras finais de Grisey me marquem mais esteticamente do que as “obras-tratado” como Les Espaces Acoustiques ou Mémoire/Érosion.

Existem na sua música algumas influências da cultura não ocidental?

EP: As culturas ligadas ao Budismo fazem parte da minha música, seja por aspectos emocionais como, em alguns casos, por aspectos estéticos e até mesmo técnicos. Por vezes com referências directas como em Haikus para Morgana, outras pela ideia poética, nos Xiaoling para David e outras pela filosofia, tanto em 3 Mantras e Meditação como em Ensō.

Parte III . linguagem e prática composicional

Como caracteriza a sua linguagem musical do ponto de vista das técnicas desenvolvidas na composição nos séculos XX e XXI? Há algum género/estilo musical pelo qual demonstre preferência?

EP: Como um misto de influências, ainda que maioritariamente assente nas técnicas espectrais. Nunca encontrei um estética que sozinha defina o meu pensamento, o que aliás penso que será comum a todos. Normalmente uma determinada estética é fruto das necessidades de alguém, as quais por natureza, não serão nunca exactamente as minhas. Teremos pontos de convergência, mas suficientes diferenças para que não caibamos nas mesmas necessidades estilísticas. Vejo as estéticas de determinado grupo como um exercício musicológico, uma forma de encaixar vários elementos num único.
Temos preferências e afinidades, mas também divergências suficientes para não pertencermos a um grupo exclusivo, o que aliás me parece ser o percurso comum actualmente.

Podia descrever o processo atrás da sua prática composicional? Compõe a partir de uma ideia-embrião ou depois de ter elaborado uma forma global da música?

EP: Cada momento é um caso específico, e cada um implica formas de trabalho diferenciadas. Há uma constante na organização da forma, aspecto que me preocupa particularmente. O conceito de retorno, de apoio.
A base de uma peça pode ser o texto, como pode ser o elemento harmónico, ou até mesmo uma imagem. A partir daqui surgem os restantes elementos e consequentes manipulações. Estes determinam a estrutura global, formal e então começam a ser realmente trabalhados. Raramente o esquema inicial se mantém fielmente. Há quase sempre adaptações, derivadas das manipulações dos diversos elementos. Na verdade todas as estruturas acabam por ser embrionárias, já que são as relações sistemáticas entre elas que determinam os caminhos.
A forma gere os elementos e as suas transformações e estes, aos serem manipulados, geram os elementos formais.

No contexto da sua prática composicional podia definir a ligação (ou oposição) entre o cálculo/raciocínio/processos científicos (por exemplo ligados a fenómenos acústicos) e a vertente mais virada para a emoção (os chamados "impulsos criativos")?

EP: Todos os elementos são fundamentais. Há, claro, algumas técnicas que determinam o desenrolar das estruturas, ou que pelo menos aparecem com frequência suficiente para serem determinantes no discurso, mas quase sempre os “impulsos criativos” servem para dar seguimento aos aspectos meramente técnicos.
Uso com frequência a ideia de ciclos e da sua sobreposição. Estes acabam por ter um raciocínio muito estruturado e calculado, e podem muitas vezes ser o elemento base sobre o qual vão surgindo outros, estes sim muito mais emocionais e derivados de momentos específicos da base, como resultados em segundo plano do que está a acontecer. Qual deles ganha importância? Depende de vários factores.

Que relação tem com as novas tecnologias (por exemplo com os meios informáticos) e como estas influenciam a sua maneira de compor, e a sua linguagem musical?

EP: Uso as novas tecnologias de forma irregular. Houve épocas em que senti mais necessidade, noutras menos. Na decisão de uma obra com electrónica, por exemplo, o papel desta última pode ser modificado ao longo do percurso da escrita. Utilizei a electrónica em diferentes formatos, raramente com manipulação em tempo real, mas em suporte fixo, seja contínua ou fragmentada ao longo da execução.
Usei, em determinada altura, programas de ajuda à manipulação do material, mais como forma de poupar tempo do que para criar novos elementos.
Tenho muito bem estruturado o percurso, material e ideia do resultado final das minhas obras, o que leva a que na utilização de meios informáticos, estes sejam mais um elemento, que se adaptará ao resultado e não o contrário. Tal como em qualquer outro processo, a electrónica ajusta-se ao processo criativo, tem o mesmo papel que os elementos não informáticos e gere as mesmas situações, podendo determinar estruturas formais ou caminhos no desenrolar da composição.
O recurso informático que pode influenciar mais o meu material e estruturas é a análise espectral. Muitas vezes é o passo inicial para a criação.

Qual a importância da vertente espacial e tímbrica na sua música?

EP: A espacialização foi em certa medida uma necessidade recorrente das minhas práticas e objectos de estudo nos anos 90. Transformou-se numa preocupação de segundo plano, que ocorre exclusivamente no actual trabalho com a electrónica.
Os recursos acústicos para que a espacialização ganhe importância foram-se mostrando cada vez mais difíceis de gerir, há sempre dificuldades, ou de espaço ou de correcta realização, como tal, a electrónica permite-me fazê-lo sem grandes problemas e instrumentalmente, só como apoio à noção de policiclo.
O timbre, até por relação com o espectralismo, é fundamental na minha música. As diferenças tímbricas, por vezes bastante subtis, entre análises espectrais da mesma frequência com origens diferenciadas são a base das minhas manipulações harmónicas, criando campos harmónicos coesos ou contrastantes e por isso necessariamente estruturantes do material musical. Por exemplo, no novo ciclo Rituais, as peças I a III utilizam os mesmos elementos de base, quanto à electrónica e às frequências geradoras, mas a análise em cada momento da sobreposição dessas frequências geradas pelo instrumento em causa com o elemento electrónico, criam as estruturas melódico-harmónicas utilizadas, o que altera completamente cada uma das peças, na relação de umas com as outras, bem como na sua relação com a electrónica.

Qual a importância do experimentalismo na sua música?

EP: Tal como a espacialização, deveu-se mais a recursos didácticos no meu percurso do que a uma necessidade intrínseca do seu uso.
Claro que há sempre uma certa dose de experimentalismo, há sempre processos novos e recursos menos usuais, que caracterizam cada peça na minha produção. Servem essencialmente como manipulações dos parâmetros trabalhados. No entanto, é um elemento nada descartado por mim. Há várias ideias que recorrem a usos não convencionais dos instrumentos, mas como sempre, só no decorrer do processo criativo é que ganham, ou não, importância suficiente para serem usados.

Quais as suas obras que pode considerar como pontos de viragem no seu percurso enquanto compositor?

EP: Ao longo dos anos vamos criando empatia com diferentes obras e sentindo importâncias diferentes em cada uma. Há, mesmo assim, algumas que pela sua génese ganham uma vida própria na definição da nossa estética.
Algumas ficam isoladas durante algum tempo com esse papel, outras rapidamente cedem, ou acumulam lugar com outras. Um primeiro ponto importante foi Self para piano e electrónica em 2004, precisamente na determinação dos ciclos e das diferentes sobreposições. Depois em anos sucessivos, 2011 Ensō para orquestra, 2012 Processione para quarteto de cordas, 2013 Canções de Lemúria para voz e piano e 2014 A propos d’un son para viola e electrónica. Estas acumularam viragens importantes. São diferentes umas das outras em pontos essenciais da percepção e no entanto, mantêm e acumulam técnicas e estéticas. Penso que a última acumula os desenvolvimentos que cada uma das anteriores trouxe, e estabeleceu um patamar específico. Outras peças, por vezes satélites destas, assumem as mesmas técnicas, não as desenvolvendo mas utilizando-as meramente, daí não terem a força de viragem na escrita.

Parte IV . a música portuguesa

O que acha sobre a situação actual da música portuguesa? O que distingue a música portuguesa no panorama internacional?

EP: Por um lado estamos em crescimento, com vários jovens compositores dos quais se dá a ouvir as suas obras; temos jovens intérpretes cada vez mais interessados na música portuguesa e ainda estruturas que defendem, editam, apresentam a nossa música. Mas… perdemos todo o apoio institucional, e o pouco que é dado raia o gozo. Infelizmente as pessoas que poderiam estar nestas instituições com verdadeiros interesses artísticos não se dão bem com os interesses financeiros, e estes não entendem sequer os primeiros.
Levantamos sempre a questão dos tempos de crise e do que acontece com os apoios culturais nestas fases, mas esquecemo-nos frequentemente que na actualidade a crise maior é de valores, à qual se agrega a crise financeira. Não há falta de apoios, estão é extremamente mal distribuídos. Não nos vêem como recursos financeiros, como criação de divisas, e no geral quanto menos se fizer pensar melhor.
Facilmente tiraremos a estes jovens que melhoram a nossa situação o papel que poderão vir a ter, já que os apoios são nulos, valha-nos a determinação e perseverança que vão tendo. Não me parece que nos distingamos no panorama internacional, temos exactamente as mesmas competências que qualquer músico estrangeiro, a globalização é isto mesmo. Os acessos são os mesmos. Eventualmente criámos uma necessidade diferente vinda de anos sem saída e sem acesso a nada, mas que foi colmatada, pelo menos parcialmente. Parece-me sim, que as instituições nos distinguem, e frequentemente as portuguesas. Com frequência fazemos o louvor ao que vem de fora e esquecemos o que cá está, mesmo que com capacidades iguais.

No seu entender é possível identificar algum aspecto transversal na música portuguesa da actualidade?

EP: Não, de todo. Ainda que existam, naturalmente, algumas confluências estéticas, não me parecem criadoras de escolas ou de nichos estéticos.

Como poderia definir o papel de compositor hoje em dia?

EP: Acho que os papéis não mudaram, mudaram sim, os interesses. O compositor continua a escrever sobre o que sente e vê, continua a lançar ideias como as entende, a pôr questões no domínio da percepção, de uma forma mais específica ou menos, depende de cada um.

Conforme a sua experiência quais as diferenças que pode distinguir entre o meio musical em Portugal e em outras partes do mundo?

EP: Os meus últimos contactos com compositores e intérpretes estrangeiros, fazem-me perceber que não há grandes diferenças. Há sempre os filhos do Estado e os bastardos. Uns, e como já disse, quanto mais representarem interesses económicos e políticos, têm os apoios que precisam, os outros mendigam.
Em França criou-se uma estrutura, Tempóra, da qual faço parte, que serve precisamente para apoiar, dentro das suas possibilidades, os músicos que estão fora dos grandes centros. Lembro-me que uma das queixas vinha da diferenciação entre Paris e as restantes cidades (a sede desta estrutura é Bordéus). E mesmo os parisienses se queixavam da forma como eram distribuídos esses apoios.
Neste momento a estrutura junta músicos de todo o Mundo, com os mesmos problemas.
A tal crise de valores é mundial, não é específica deste ou daquele país. A verdade é que os poderosos economicamente dominam também a cultura, impingem-na.

Parte V . presente e futuro

Quais são os seus projectos decorrentes e futuros? Podia destacar uma das suas obras mais recentes, apresentar o contexto da criação e também as particularidades da linguagem e das técnicas usadas?

EP: Actualmente trabalho no ciclo Rituais, composto por sete peças com diferentes formações, acumulando na última toda a instrumentação.
São peças que usam como base um mantra tibetano dividido em quatro partes. A primeira serve as peças I, para flauta, II para clarinete-baixo e III, para violoncelo. A segunda parte serve a peça IV, para flauta, clarinete e violoncelo. A terceira as peças V, viola e VI, percussão. E a quarta parte estrutura a peça VII, para flauta, clarinete, viola, violoncelo e percussão.
Este mantra é trabalhado na electrónica e sobreposto, em cada uma das peças com diferentes cânticos de diferentes tradições, bem como com manipulações meramente electrónicas. O que acontece é que cada momento é analisado espectralmente, criando estruturas diferenciadas, devido ao som base, não só do instrumento mas da forma de ataque. Por outro lado, a forma de execução, com mais “ruído” ou menos determina os pontos formais de tensão e relaxamento.
Na prática este ciclo deriva das aplicações técnicas e estéticas das obras anteriormente referidas, mas com uma maior ligação a A propos d’un son.
O futuro passa por terminar outros ciclos. As Canções de Lemúria pertencem a um ciclo que termina na ópera Requiem para Mū e neste momento, sem a ópera infelizmente, estão a fazer parte de um projecto que irá ao Brasil. Também Ensō se insere num ciclo de obras orquestrais, concertantes ou não, sobre ideologias da filosofia Zen e da prática budista, seguindo-se de forma mais imediata Koan para flauta e orquestra. Os restantes vão sendo ideias em papel, esquemas que não têm prazo nem data marcada.

Como vê o futuro da música de arte?

EP: A Arte continua a ter o mesmo papel. E a música continua a partilhar como as restantes Artes as funções sociais e ideológicas decorrentes da época em que se insere. A História determina este papel, o que não deixa de me preocupar, já que os valores estão cada vez mais baixos e as necessidades acompanham a tendência.
Estamos numa época em que todos se acham merecedores de destaque, e em qualquer área. Canta-se por que se quer ser cantor, não de facto, mas o fenómeno pop que tem muitos seguidores. Aparece gente e desaparece com um velocidade incrível, e que não deixam rasto…
Curiosamente outras Artes, como a Literatura, a Pintura, a Dança, a Representação (nas mais diversas vertentes) posicionaram-se no domínio da contemporaneidade, com novas visões dos clássicos e alterando os padrões. Curiosamente os “actores” destas artes afastam a música de Arte no domínio actual. Frequentemente se usam as obras eruditas do passado para acompanhar as intervenções do presente. Frequentemente questionam a intenção musical actual, referindo muitas vezes a ausência de “harmonia”, de “melodia”. Parece-me que nós próprios não defendemos quanto baste isso mesmo. Os padrões métricos, harmónicos e melódicos de um poema de Camões não existem num poema do Valter Hugo Mãe. Há transformações do processo, há evolução da linguagem em adaptação à época em que se insere. Discute-se e assume-se a validade de textos menos audazes. Também existe literatura de comércio, claro, mas esta não obscurece tanto a literatura erudita, enquanto que a música erudita actual é completamente obliterada pela amálgama de comercialização existente. E como disse, com apoio dos eruditos das restantes Artes.
Assim, vejo com algum receio o futuro da música de arte.

Eduardo Luís Patriarca, Julho de 2015
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