Em foco

Luís Tinoco


"Pense-se na música de Luís Tinoco como num quadro cheio de cor e movimento. A sua expressão gosta de desafios. Desenvolve conceitos e, se for preciso, subverte-os, perturba-os. Trabalha instrumentos como se encontrasse identidades. Os sons conversam, confrontam-se, expandem-se, contraem-se, sobrepõem-se, afastam-se. Se uma obra musical pudesse ter correspondência imediata numa pintura, seria com Luís Tinoco."[1]

Maria Augusta Gonçalves, Jornal de Letras, Março de 2006

Luís Tinoco nasceu em Lisboa em 1969 numa família de fortes tradições musicais – a sua avó, Maria Carlota Tinoco, era aluna de Vianna da Motta, pianista e professora de piano, que juntamente com o seu marido organizava a vida cultural e musical de Leiria. Por outro lado o seu pai, José Luís Tinoco, não tendo uma formação académica na área de música, é um músico autodidacta (a sua área é a da arquitectura e das artes plásticas), que, no entanto, acabou também por seguir uma carreira musical, essencialmente na área do jazz, tocando piano e contrabaixo, e fazendo parte do grupo que, nas décadas de 1950 e 1960, impulsionou a primeira geração de músicos de jazz em Portugal (Hot Club). "As minhas primeiras memórias musicais estão relacionadas com a minha avó, por um lado, e com o meu pai, por outro. Com a minha avó, porque foi com ela que comecei a aprender piano (…). Lembro-me de coisas como dormir debaixo do piano enquanto ela tocava, e de estudar com ela. (…) Da parte do meu pai, obviamente que houve uma influência fortíssima, e não só a nível de aquilo que sou hoje, como ouvinte de música. Foi com o meu pai que eu comecei também a experimentar a improvisação. O meu pai tocava muito ao piano sequências harmónicas, e eu e o meu irmão punhamo-nos ao colo dele, e depois improvisávamos melodias que tocávamos com ele a três mãos – ele duas e nós uma!"[2]

Luís Tinoco continuou os seus estudos clássicos de piano com a professora Elisa Lamas à qual foi encaminhado por motivação da sua avó, contudo, foi o universo de composição pelo qual se sentia mais atraído. "A composição apareceu porque, ao nível do ensino do piano clássico, havia imensas coisas que me aborreciam bastante: os estudos de Czerny, os Heller, os Hanon, e essa escola toda, que me irritava imenso! Tirando Bach, poucos eram os que me davam prazer em estudar mesmo a sério... e acabei por ter uma tendência para me sentar cada vez mais ao piano para tocar as minhas coisas..."[3]

Antes de começar a estudar composição, de uma maneira mais regular, Luís Tinoco andou dividido entre a música, as artes visuais e o cinema. "Andei a experimentar várias situações [cinema, artes plásticas, aulas de jazz com Mário Laginha] até que, a dada altura, achei que faltava fôlego à música que eu estava a fazer. (...). E senti que, se fizesse estudos convencionais de composição e estudasse orquestração, se estudasse composição de uma forma tradicional, isso talvez me trouxesse as ferramentas e o vocabulário para depois desenvolver aquilo que eu andava ali a experimentar mas de que ainda não tinha conseguido encontrar o caminho."[4] Luís Tinoco formou-se em Composição na Escola Superior de Música de Lisboa sob a orientação de António Pinho Vargas, Christopher Bochmann e José Carlos Bonaccorso e, posteriormente, com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian e do Centro Nacional de Cultura completou um Mestrado em Composição na Royal Academy of Music em Londres. Desta experiência enquanto compositor o mais importante foi, por um lado, “o sentido pragmático dos ingleses, nomeadamente do meu professor, Paul Patterson. (...). Por outro lado, eu vinha de Lisboa (...) daquela vida um pouco caótica a que já fiz referência – de andar um pouco por todo o lado (...). Acho que a grande riqueza, durante a minha estadia de dois anos em Londres, foi o poder escrever com uma grande regularidade e poder ouvir a minha música tocada belissimamente. De repente tinha entrado numa dimensão mais profissional da música."[5]

Luís Tinoco completou recentemente os seus estudos de Doutoramento na Universidade de York, exercendo, paralelamente à sua actividade enquanto compositor, funções docentes na Escola Superior de Música de Lisboa e em outras instituições de ensino. Enquanto programador e divulgador musical, destaca-se a sua colaboração com a Antena 2 da RTP, como autor e produtor de programas radiofónicos dedicados à nova música (“Geografia dos Sons” – um programa dedicado à música de actualidade do mundo inteiro) e assumindo a direcção artística do Prémio Jovens Músicos. A sua música tem sido programada por agrupamentos e orquestras nacionais e internacionais, tais como: Quarteto Arditti, Apollo Saxophone Quartet, Drumming Grupo de Percussão, Birmingham Contemporary Music Group, Grupo de Música Contemporânea de Lisboa, Ensemble Lontano, Seattle Chamber Players, Galliard Ensemble, Le Nouvel Ensemble Moderne, Remix Ensemble, Sond'Ar-te Electric Ensemble, Solistas da Orquestra Sinfónica de Chicago, OrchestrUtopica, Orquestra Metropolitana de Lisboa, Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, Orquestra Gulbenkian, Albany Symphony Orchestra, El Paso Symphony Orchestra, Orquestra Nacional de Montpellier, Royal Philharmonic Orchestra, entre outros.

Em Dezembro de 2010 na Culturgest em Lisboa Luís Tinoco estreou “Paint Me” (a crítica da ópera está disponível no Espaço Crítica para a Nova Música), uma ópera de câmara com libreto de Stephen Plaice, encenação de Rui Horta e direcção musical de Joana Carneiro. Recentemente, em Dezembro de 2011 a Casa da Música apresentou a estreia de “Os Passeios do Sonhador Solitário”, a partir do conto homónimo de Almeida Faria. A 28 de Abril no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém, o Coro de Câmara Filarmónico da Estónia, sob a direcção de Daniel Reuss, apresentou a estreia absoluta de "Descubro a Voz" – uma peça composta por Luís Tinoco a partir de um poema de José Luís Tinoco. Em Agosto, na 18.ª edição do Festival Europa Cantat que decorrerá em Torino, o compositor irá estrear uma nova peça para coro misto, "Ink Dance" sobre poema de Yvette K. Centeno. Entre os seus projectos presentes e futuros incluem-se a gravação, pela Orquestra Gulbenkian dirigida por David Alan Miller, do seu segundo CD que será editado em 2013 pela etiqueta Naxos e incluirá 4 das peças orquestrais escritas entre 2002 e 2011 (“Round Time”; “Search Songs”; “From the Depth of Distance”; e “Canções do Sonhador Solitário”) e também a composição de novas obras orquestrais encomendadas pela Orquestra Sinfónica de Seattle, como também pela Orquestra Filarmónica da Radio France – "Cercle Intérieur" para orquestra espacializada, cuja estreia absoluta decorrerá a 24 de Novembro na Cité de la Musique sob a direcção de Pascal Rophé.

As partituras de Luís Tinoco são publicadas no Reino Unido pela University of York Music Press.

Entre várias linguagens musicais

"O fenómeno da música é-nos dado com o único objectivo de estabelecer ordem nas coisas, incluindo, e em particular, a coordenação entre o ser humano [sic] e o tempo."[6]

Igor Stravinsky

A criação de Luís Tinoco evoca a música pós-minimalista de John Adams, não só nas estruturas harmónicas e repetitividade de certos motivos, mas também na elaboração “romântica” das linhas melódicas, tão característica nas suas peças mais recentes. No ponto de vista pós-moderno, a sua música, em que há uma ligação muito natural com a tradição, sobretudo, ao nível de harmonia e desenvolvimentos melódicos, "pode ser escutada como uma viagem pelas memórias que preenchem a paisagem sonora do século XX: Igor Stravinsky, György Ligeti, [Harrison Birtwistle, Louis Andriessen, Toru Takemitsu, György Kurtág, Magnus Lindberg], do jazz à música electrónica."[7]

O Quarteto de Cordas, uma das suas primeiras peças compostas no contexto académico e com a qual ganhou o Prémio de Composição Fernando Lopes-Graça, já apresenta o embrião das características, ao nível de textura, notação, ritmo e timbre, que Luís Tinoco irá desenvolver na sua criação mais à frente. No que diz respeito à construção formal o compositor costuma organizar o seu discurso através de painéis, num "políptico de situações, que eu pretendo que sejam bastante visuais e narrativas – que tenham uma linha, um ponto de partida, uma evolução e um ponto de chegada."[8] É de enfatizar que para Luís Tinoco os estímulos extramusicais, como imagens e textos de diferentes géneros, funcionam frequentemente como pontos de partida para a música.

Os compositores que mais o influenciam são aqueles que vinham dentro de uma linha que tem a ver com aquilo que ouvia durante a sua juventude: Maurice Ravel, Igor Stravinsky, Bela Bartók e Alban Berg, etc.; contudo depois começaram a surgir criadores como György Ligeti, Witold Lutoslawski, entre outros – muito pela via de serem herdeiros da música que ele também apreciava. "E, ao mesmo tempo, nunca deixei de ouvir Keith Jarrett, Bill Evans ou Herbie Hancock. Portanto, foi uma congestão de informação mais do que uma digestão. Estive sempre, mesmo que involuntariamente, a absorver coisas de fontes muito variadas. (... ) O jazz para mim é uma questão de digestão. A partir do momento em que é uma música que eu oiço muito regularmente, de vez em quando saem espontaneamente algumas coisas no meu discurso, mas que nem sequer consigo identificar como sendo música de jazz. Não acho que tenha essa veleidade, porque o jazz é uma música que depende essencialmente da improvisação, e eu sempre lidei com a composição numa perspectiva de escrita, nunca com a espontaneidade que muito admiro nos verdadeiros músicos de jazz – essa eu nunca a tive."[9]

Luís Tinoco recorre, com frequência, à literatura, todavia, não "enquanto uma questão de conteúdo programático, mas como um ponto de partida, de um gesto – uma noção que está muito presente na minha música – e, por vezes, o gesto surge como uma pequena frase de um poema"[10], de que são exemplos peças como "Verde Secreto" para piano e saxofone ou "A Way to Silence" para ensemble. Outra fonte de inspiração nasce do seu fascínio por culturas orientais e da ideia de circularidade no tempo explorada na sua peça para orquestra "Round Time". "Esta noção de ciclos que se repetem, e a nossa passagem efémera dentro destes ciclos, porque tudo é contínuo – esse tipo de posicionamento contemplativo, que tem a ver com os fenómenos da natureza, dos ciclos que se renovam, etc. – tudo isso me fascina. Fascina-me visualmente e, se quisermos, até caligraficamente. Há toda uma série de elementos visuais em culturas como a japonesa, a chinesa, que me atraem bastante. Quando pego no título «Tempo Redondo» («Round Time») estou, de facto, a fazer uma peça cheia de processos circulares, em que os pontos de partida voltam outra vez a ser recuperados e passam a ser pontos de chegada.”[11]

Mais um aspecto em que o Oriente serve como ponto de inspiração tem a ver, certamente, com as questões de instrumentação e orquestração, que na música de Luís Tinoco adquirem uma riqueza de cores, sombras e texturas, evocando, de certo modo a abordagem impressionista de Claude Debussy. "A orquestração é talvez dos aspectos que mais prazer me dá. A composição é extremamente cansativa, é algo de aborrecido, e que eu evito ao máximo até à altura em que o prazo de entrega da partitura da peça se começa a aproximar perigosamente. Depois de já lá estar dentro, não há saída possível, e, ao ter de resolver o problema, aquilo que me entretém bastante é realmente a cor. Nisso acho que o Oriente tem lições. Aliás, o Debussy já dizia na sala da Exposição Universal de Paris que a música do gamelão punha completamente a ridículo a percussão ocidental."[12] Neste contexto é preciso também enfatizar que o naipe da percussão desempenha um papel significante na maior parte das peças orquestrais, música de cena e em bastantes peças de câmara de Luís Tinoco.

E, last but not least, para dar o último toque de pincel à imagem da música de Luís Tinoco é preciso referir o humor e a ironia (provavelmente uma das influências de Igor Sravinsky e Louis Andriessen), que se destacam por um lado na escolha dos recursos extramusicais (por exemplo textos) referentes à nossa actualidade, mas por outro, na estética da própria música, cujos exemplos mais provocatórios constituem "Sundance Sequence" e "Spam!". A primeira é uma obra para a qual "o compositor fornecia um texto baseado num episódio verídico ocorrido nos arredores de Londres: a epopeia de um porco (Sundance), que fugiu de um matadouro e a sua captura. No meio das suas peripécias o porco tenta exorcizar os seus receios cantando fragmentos de «Rituel» de Boulez, harmonizados ao estilo de Hollywood e, no final, sonha com fragmentos de «Ritual» de Chick Corea, harmonizados ao estilo de Darmstadt!"[13] Por outro lado "Spam!" de 2009, a peça-prima de "Sundance Sequence", tem a ver com o fenómeno de spam com que todos os navegadores da internet são confrontados diariamente. "...ainda me recordo da primeira vez em que fui confrontado com este fenómeno, com e-mails de pessoas que me escreviam dos mais variados cantos do Mundo (...). No início, confesso, ficava um pouco embaraçado e procurava fazer delete com a maior rapidez possível. Depois, passei por uma fase de indiferença até que, finalmente, comecei a colocar a hipótese de usar esta «literatura» para efeitos musicais. Comecei, então, a juntar os e-mails que chegavam à minha caixa de correio electrónico com spam, links para vídeos no YouTube, PDFs de páginas de jornais com notícias impensáveis, etc., e a adicioná-los a uma pasta com recortes de jornais e revistas contendo notícias com valor jornalístico equivalente ao valor nutritivo do spam (Specially Processed American Meats, segundo os Monty Python). Este é, aliás, um processo infindável e, como tal, considero esta peça um work in progress que, com o decorrer do tempo, poderá resultar em versões mais longas, com novos andamentos."[14]

Site Oficial de Luís Tinoco University of York Music Press Luís Tinoco no YouTube --- 1 Site Oficial de Luís Tinoco: Imprensa 2 Entrevista a Luís Tinoco conduzida por Teresa Cascudo; mic.pt, 2003 3 Entrevista a Luís Tinoco em: Sérgio Azevedo, "A Invenção dos Sons. Uma Panorâmica da Composição em Portugal Hoje", Editorial Caminho, Lisboa 1998, p. 503 4 Entrevista a Luís Tinoco conduzida por Teresa Cascudo; mic.pt, 2003 5 ibidem 6 Citado em: DeLone et. al. (Eds.) (1975). “Aspects of Twentieth-Century Music”. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice-Hall. ISBN 0130493465, Ch. 3; de Igor Stravinsky: “Autobiography” (1962). New York: W.W. Norton & Co., Inc., p. 54; Tradução para português: Jakub Szczypa 7 Teresa Cascudo, “Contemporá/âneas”, 16 de Janeiro de 2007, disponível em: Site Oficial de Luís Tinoco - Imprensa 8 Entrevista a Luís Tinoco conduzida por Teresa Cascudo; mic.pt, 2003 9 ibidem 10 Entrevista a Luís Tinoco em: Sérgio Azevedo, op. cit., p. 507 11 Entrevista a Luís Tinoco conduzida por Teresa Cascudo; mic.pt, 2003 12 ibidem 13 Cristina Fernandes, Público, 24 de Março 1999, disponível em: Site Oficial de Luís Tinoco - Imprensa 14 Luís Tinoco nas notas de programa para a obra “Spam!”

 

 

 

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