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Abaixo do Exaltado
JELENA NOVAK
2012.11.21

O "Requiem" de António Pinho Vargas, encomendado pela Fundação Calouste Gulbenkian, estreou-se a 21 de Novembro no Grande Auditório da Fundação, no âmbito de mais um concerto comemorativo do Jubileu de 50 anos da Orquestra Gulbenkian. A segunda parte do concerto incluiu o "Adagio for Strings" (1936) de Samuel Barber e a "Sinfonia dos Salmos" (1930) de Igor Stravinsky. As peças foram interpretadas pelo Coro Gulbenkian e pela Orquestra conduzida por Joana Carneiro.

No capítulo introdutivo do programa, Pinho Vargas explica que o "Requiem" foi proposto por sua iniciativa ao Departamento de Música da Fundação Calouste Gulbenkian. Ele começou a pensar em escrever um "Requiem" depois de ter sido inspirado pelos concertos que incluíam o seu oratório "Judas", encomendado pelo Festival de Música Sacra de Viana do Castelo em 2004. Como Pinho Vargas explica, por um lado, quis responder à história de inúmeras peças do mesmo género já existentes na história da música. Por outro, o compositor mostra-se fascinado com o que chama de ciclo universal da humanidade – nascimento, vida e morte. Nesse sentido, o seu "Requiem" também deve ser entendido sob essa perspectiva, como um tratado musical contemplando a morte e o que vem depois dela.

Se eu quisesse situar este "Requiem" num amplo mapa de linguagens de música contemporânea, gostaria de, em primeiro lugar colocá-lo em relação com o que se apelida de "nova simplicidade" e "sagrado minimalismo", aludindo à música de autores como Henryk Mikolaj Górecki, Arvo Pärt e John Tavener que combinam convenções de diferentes tradições da música sacra com estruturas de música repetitiva e progressões harmónicas relativamente simples. Nas estruturas modais e linguagem harmónica simples deste “Requiem” há referências à música da Symphony of Sorrowful Songs por Henryk Mikolaj Górecki. Em algumas das combinações harmónicas e às vezes na orquestração, também encontro alusões ao "romantismo de Hollywood", muitas vezes usado na indústria do cinema comercial americano. Finalmente, no uso ocasional efectivo de intervalos de quinta e quarta sucessivos, ainda descubro referências distantes ao canto gregoriano.

A orquestra de Pinho Vargas é volumosa e o seu som por vezes excessivamente alto, chegando a “engolir” o ouvinte através da sua profundidade e simplicidade. A ilusão de profundidade, contudo, não é alcançada pela "saturação" harmónica, mas sim por meio da sobreposição de camadas modais e uníssonos. O uso eficaz de uníssonos que combinam instrumentos e vozes tem uma presença marcante, devido ao caráter afirmativo deste método. O papel do coro é dominante, e a parte orquestral parece estar lá principalmente para dar contexto às vozes cantadas. O compositor deu atenção especial à selecção dos textos, complementando as escolhas típicas com textos mais raros. Este "Requiem" é constituído por 10 partes: Introitus, Kyrie, Dies Irae, Fons pietatis, Confutatis maledictis, Lacrimosa, Offertorium, Sanctus, Agnus Dei e Libera me. O tratamento do texto é claro e simples, geralmente silábico, resultando na fácil percepção das palavras contadas em cada parte da peça. Além de António Pinho Vargas, os créditos também devem ir para Paulo Lourenço, o maestro do coro. O único problema de interpretação que encontrei, no que se refere ao coro, aconteceu no Confutatis maledictis, quando os sopranos tiveram alguma dificuldade em articular a sua parte.

Quando tento, através de "Requiem", entender a relação poética de António Pinho Vargas com a morte, surge-me a analogia com o poema de Edgar Allan Poe "A Cidade no Mar".

“No rays from the holy heaven come down
On the long night-time of that town;
But light from out the lurid sea
Streams up the turrets silently —
(...)
So blend the turrets and shadows there
That all seem pendulous in the air,
While from a proud tower in the town
Death looks gigantically down.”

E, de facto, a morte contemplada por António Pinho Vargas, através de seu "Requiem", parece estar noutro lugar, em algum lugar distante debaixo de nós. Não chega a ser sinistro, e não é exaltado. A sua dimensão mais importante é a contemplação, profunda, gigantesca e provocante. O artista não parece sugerir que a morte seja algo de que se deva ter medo, e também não é melancólico em relação a ela. Em vez disso, parece estar fascinado pelo abismo flutuante de pensamentos que ela provoca. Esta percepção transcendente da morte e da sua incorporação musical parece ser a resposta mais válida de Pinho Vargas à história dos Requiens que lhe deram o impulso inicial para escrever esta peça. O melancólico "Adagio" de Barber e a expressiva "Sinfonia dos Salmos" de Stravinsky, na interpretação directa de Joana Carneiro, traduziram-se em interlocutores dinâmicos para o "Requiem" naquela noite. A acessibilidade destas três peças para o público em geral e uma atmosfera animada na plateia fizeram deste concerto de música clássica um evento social vivo. Encontrando o sublime na simplicidade e acessibilidade Pinho Vargas respondeu à questão de como e se os Requiens devem ser escritos hoje em dia, e de como a morte ainda pode ser contemplada por meios musicais.

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