Data 2024/Mar/22
Intérpretes
Ricardo Cardoso (flauta)
Camerata Arquipélago
Hélio Soares (direção)
Entidade/Evento Jovens Solistas pela Igualdade
Local Aula Magna, Universidade dos Açores
Localidade Ponta Delgada
País Portugal
O título alude ao romance do escritor açoriano Vitorino Nemésio,
Mau Tempo no Canal.
A opção de Bomtempo em vez de bom tempo prende-se com o facto de João Domingos Bomtempo ser um patrono natural daquilo que sou e que faço na dupla qualidade de compositor e professor no Conservatório Nacional, por ele fundado em 1835-36, já lá vão quase 190 anos, na companhia de outros grandes da nossa memória: Almeida Garrett e Passos Manuel.
Keep good company.
A peça foi encomendada pela Associação Arquipélago Cromático que recebeu o apoio no âmbito do concurso “Criação” da Direcção Geral das Artes com vista a assinalar, com música em estreia, o dia contra a discriminação racial.
Foi composta para dois quintetos de sopro com vista a reunir vários jovens músicos espalhados pela região autónoma dos Açores, acolhendo um solista convidado, o flautista Ricardo Cardoso, que foi aluno da Orquestra Geração, um projecto com notável obra feita ao nível da educação e intervenção social pela arte em contexto escolar.
É por isso que esta obra em dois andamentos tem um viço celebratório, cheio de estamina vital, aproveitando as qualidades essenciais desse que é o mais ágil conjunto instrumental de entre todos os agrupamentos que a tradição nos legou: aerofones cheios de ganas para destacar, correr, discorrer, saltar, bombar no desafio ao mais ágil; mas também cantar da forma mais melíflua, assim lhe seja pedido, como acontece no início do 2º andamento, em que o solo da flauta nos embala no colo e sonho do seu timbre.
O 1º andamento,
Com brio, é furioso no seu tempo mui asinha e passa como uma seta, às vezes como uma bala, mesmo, à frente dos nossos olhos, como quem exclama vai ser tão bom, não foi?!
O 2º andamento,
Com delicadeza, o que começa com o tal solo da flauta pleno de espaço, desagua numa música grácil, cheia de gestos que nos sugerem a coreografia de uma dança imaginária, dada a sua articulação destacada, pontuada e caprichosa, com breves silêncios de estátua de onde renasce outra vez, grácil e ainda mais subtil. Bom astral, dir-se-ia. Esta empatia natural que nos significa dará lugar à reexposição do tema da flauta inicial, lento, agora harmonizado no abraço cheio de langor do tutti. Melancolia, se chama. Mas logo volta o pezinho de dança até que um monossílabo enxuto que encerra a peça, à guisa de curtinho sopapo, nos segreda ao ouvido “fim!”
Eurico Carrapatoso