Duo formado por Miguel e Paula Azguime, que se estreou há 40 anos, em 1985, e que continua a marcar a criação musical contemporânea - o Miso Ensemble está Em Foco no MIC.PT em abril.
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Peça integrada no espectáculo Cozido à Portuguesa do Ensemble JER.
Andamentos / Partes
01 - Kyrie
02 - Gloria
03 - Credo
04 - Sanctus
05 - Benedictus
06 - Agnus Dei I
07 - Agnus Dei II
Instrumentação Detalhada
Categoria Musical Outros
Arranjo
Instrumentação Sintética Instrumentos de Plástico
Notas Sobre a Obra
Trata-se mais de um problema de “culinária” musical do que de um problema de deglutição, e aqui começam a surgir ambiguidades das quais se pode tirar partido lúdico e poético. Cozer à portuguesa seria – portanto – compor ou fazer música à portuguesa, daí um programa exclusivamente constituído por obras de autores portugueses. Não nos esqueçamos que, para a maior parte dos sectores da sociedade portuguesa, a música erudita portuguesa, se não é completamente desconhecida ou ignorada, é quase um tabu. Para nós é totem, mas como a questão nacionalista em si não nos interessa mesmo nada, o que nos move é a questão intelectual e artística, ou melhor: o fetiche estético regional e as possibilidades semânticas, semióticas e semíticas do mesmo, na área do espectáculo cénico musical.
Deseja-se, assim, chamar a atenção para diversas obras-primas da música portuguesa, geralmente tão negligenciada, mesmo por sectores artísticos e intelectuais, e partilhar democraticamente, com o público actual, especializado ou não, a descoberta das suas belezas, da maneira como está cozinhada ou confeccionada, mesmo que seja através de meios tão “impuros” e tão pouco “canónicos” como são os instrumentos, os arranjos e as versões sui generis (tendenciosamente humorísticas) do Ensemble JER.
Daí a presença significativa no nosso programa de compositores da famosa “Escola de Évora” (Manuel Cardoso e Diogo Melgás, ambos compositores nascidos e formados no Alentejo quinhentista e seiscentista, e ambos representantes máximos dessa lendária escola de polifonistas). Mas também a reflexão fantasiosa sobre uma hipotética “Escola de Coimbra”, atravessando séculos, com a apresentação de obras primas de Carlos Seixas e a homenagem do Ensemble JER a Carlos Paredes.
De Seixas, talvez o nosso compositor barroco mais original, e o único que não foi bolseiro em Itália por patrocínio de D. João V (o que posiciona a escolaridade coimbrã como significativa – Seixas terá estudado com o pai, como mais tarde Paredes também), executamos a sua deliciosa Sinfonia em Si bemol e o célebre Concerto em Lá Maior para cravo.
Toda a gente já ouviu esta última obra sem querer – como fundo sonoro para dar cor local – em programas televisivos sobre a história ou a geografia de Portugal (tipo Universidade Aberta ou Prof. Hermano Saraiva). Uma tese, sustentada por muitas personalidades da música portuguesa, é a de que este Concerto em Lá Maior talvez seja o primeiro concerto para cravo da história da música universal (uma autêntica “revolução do cravo”). Também no seu andamento lento, há quem se tenha dedicado a descobrir antecipações do fado de Coimbra, sugeridas na melancolia melódica, nas harmonias acres e nos arpejos idiomáticos, que “lembram” a guitarra portuguesa e um quasi Carlos Paredes avant la lettre.
Outros paradigmas daquilo a que, geralmente, se chama o imaginário português, também são contemplados no nosso programa, como o fabuloso romance seiscentista Puestos Estan Frente a Frente, sobre a batalha de Alcácer-Quibir e D. Sebastião, composto logo a seguir à tragédia nacional, da autoria (a letra e talvez a música, os investigadores não têm a certeza) de Miguel Leitão de Andrade, que terá participado em pessoa – portanto uma testemunha privilegiada – no malogrado evento (uma peleja tipo o recente Mundial de Futebol), ou a Missa Philippina, de Frei Manuel Cardoso, dedicada ao rei Filipe IV de Espanha, quatro anos antes da “Restauração” (curiosamente, a mesma palavra significa a área profissional dos “restaurantes”!).
Estranha figura de artista, a de Frei Manuel Cardoso, carmelita calçado, amigo e professor de composição do futuro D. João IV, a aceitar uma encomenda vinda expressamente de Madrid, com cantus firmus previamente fornecido e de repetição obrigatória e que é constituído muito simplesmente por um tema musical em que a letra se resume a enunciar o nome do rei espanhol em latim: Philippus Quartus. Na elaboração da missa, e de acordo com a tradição já um pouco anacrónica para a época, o cantus firmus, uma espécie de viga melódica estruturante que sustenta o edifício polifónico, será constantemente apresentado na tónica, na sub-dominante ou na dominante (como em qualquer vulgar canção pop).
Na nossa versão, só o cantus firmus é cantado, o resto das partes vocais que enunciariam o texto litúrgico, e que disfarçariam o cantus firmus – era assim que se fazia na Europa desde a Ars Nova – foram transformadas em partes só instrumentais, o que torna a situação ainda mais absurda, porque omitindo o texto religioso, evidencia-se o que estava dissimulado, e que é a repetição obsessiva do nome do rei castelhano. É verdade que admiravam em Madrid o trabalho de Frei Manuel Cardoso e, também, naquela época, ele não se podia dar ao luxo de recusar uma hipótese de patrocínio para a edição das suas obras (de facto a Missa Philippina vem incluída no mais vasto volume Liber Tertius Missarum).
Mas para o Padre José Augusto Alegria, Frei Manuel Cardoso deixaria uma marca oculta da sua independência na missa encomendada. Vale a pena citar toda uma passagem sobre o assunto, no prefácio à primeira edição moderna (1973) do Terceiro Livro de Missas:
“Aproveitando a liberdade artística de escrever um segundo Agnus Dei com uma voz oculta, i. e., não grafada nas pautas, o compositor marcou a entrada dessa voz oculta com a indicação do texto que seria este: Ostende nobis patrem. Philippe qui videt me, videt et patrem, o que em português quer dizer: «Mostra-nos o Pai. Filipe, quem me vê a mim, vê também o Pai ». Ora, se a voz, no aspecto técnico, era oculta, mais oculta seria a significação exacta do texto proposto na Corte madrilena, o mesmo não acontecendo em Portugal, visto que tinha ficado célebre o sermão proferido pelo padre Luís Álvares em dia de S. Filipe, na presença de Filipe II. Neste sermão, o orador, servindo-se daquele texto latino, voltou-se para o Monarca, mostrando-lhe que a «representação era o direito que preferia a todo o outro, e que aquele que o ofendia tiranizava a justiça». De modo que Frei Manuel Cardoso, neste passo da missa, retira o nome do Rei e com o mesmo tema faz cantar sem interrupção aquelas palavras que são referência directa aos direitos dinásticos da casa de Bragança”.
Obviamente, não nos demitimos, na nossa versão, de revelar a enigmática voz oculta com que termina a missa! Concluindo, o bom, severo e estóico carmelita apenas funcionou como qualquer artista contemporâneo, um Arlecchino servidor de dois amos. Os grandes artistas são assim, e Manuel Cardoso, nascido em Fronteira, é de facto um grande compositor europeu. Hoje em dia, as suas obras são interpretadas um pouco por todo o mundo, pelos intérpretes mais conceituados. Só na Missa Philippina, uma pequena maravilha na linha do melhor Josquin (ainda que com cem anos de atraso), é que ninguém pegou; por isso, para prestar um serviço à nação, nós decidimos revelá-la ao público moderno.
Para terminar estas breves longas notas, apenas uma referência à parte mais contemporânea do nosso programa, pois, de facto, a fatia mais grossa do menu é música portuguesa dos séculos XVII e XVIII. O Ensemble JER já tem uma tradição regular de encomendar e estrear obras de compositores contemporâneos. Este ano convidou-se o Hugo Ribeiro (quase um compositor em residência no Ensemble, pois foi membro do grupo na temporada de 2004/2005) a presentear-nos com uma peça para a nossa formação, que ele conhece tão bem (além de pianista, o Hugo também se dedicou com carinho aos toy instruments). Este jovem compositor português está agora ausente em Londres, a fazer mestrado em composição com Simon Bainbridge, mas licenciou-se em composição na Escola Superior de Música de Lisboa, onde estudou com Luís Tinoco, Christopher Bochmann e António Pinho Vargas, entre outros, e já teve peças tocadas pela Orquestra Gulbenkian e outras formações de prestígio.
Em suma: música das escolas mais canónicas de composição em Portugal tocadas pelo Ensemble menos escolar e canónico da pátria de Camões. Um típico “Cozido à Portuguesa”. Divirtam-se.
José Eduardo Rocha
Circulação
Obra
Tipo
Data
Entidade/Evento
Local
Localidade
País
Intérpretes
Observações
Inv Row
Missa Philippina
Execução
2006/Jul/26
Festival Escrita na Paisagem
Centro de Artes
Sines
Portugal
Soprano Convidado: Ana Sacramento - superius
ENSEMBLE JER Os Plásticos de Lisboa:
José Eduardo Rocha: concertino (Melódica soprano Hohner I, violino Chicco I)
Nuno Morão: obbligato (carrilhão [Vibratones & sinos rústicos], caixa de rufo militar, melódica soprano Hohner II, trompete Bontempi, percussões I [bass drum, metalophone, sinos rústicos], violino Chicco II)
Susana Ribeiro: ripieno I (melódica alto, Clavinova, orgão Antonelli, percussões II [triângulo, vibratones, temple blocks, vibraslap, flexatone, sinos rústicos], wind chimes chineses)
Vasco Lourenço: ripieno II (orgão Antonelli, orgão Bontempi, Clavinova, Yamaha VSS-200, piano)
Paulo Guia: continuum (clarinete em Si bemol, clarinete baixo em Si bemol, wind chimes chineses)
Observações
Peça integrada no espectáculo Cozido à Portuguesa do Ensemble JER.
Peça integrada no espectáculo Cozido à Portuguesa do Ensemble JER.
Missa Philippina
Execução
2006/Sep/28
Teatro Nacional D. Maria II
Lisboa
Portugal
Soprano Convidado: Ana Sacramento - superius
ENSEMBLE JER Os Plásticos de Lisboa:
José Eduardo Rocha: concertino (Melódica soprano Hohner I, violino Chicco I)
Nuno Morão: obbligato (carrilhão [Vibratones & sinos rústicos], caixa de rufo militar, melódica soprano Hohner II, trompete Bontempi, percussões I [bass drum, metalophone, sinos rústicos], violino Chicco II)
Susana Ribeiro: ripieno I (melódica alto, Clavinova, orgão Antonelli, percussões II [triângulo, vibratones, temple blocks, vibraslap, flexatone, sinos rústicos], wind chimes chineses)
Vasco Lourenço: ripieno II (orgão Antonelli, orgão Bontempi, Clavinova, Yamaha VSS-200, piano)
Paulo Guia: continuum (clarinete em Si bemol, clarinete baixo em Si bemol, wind chimes chineses)
Observações
Peça integrada no espectáculo Cozido à Portuguesa do Ensemble JER.
Em cena nos dias 28, 29, 30 de Setembro, e 1, 6, 7 e 8 de Outubro de 2006.
Peça integrada no espectáculo Cozido à Portuguesa do Ensemble JER.
Em cena nos dias 28, 29, 30 de Setembro, e 1, 6, 7 e 8 de Outubro de 2006.