Compositor, investigador e Professor Associado na Universidade de Ciências Aplicadas de Mainz – Paulo Ferreira-Lopes está Em Foco no MIC.PT em maio, para assinalar seu 60.º aniversário.
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Música de câmara (de 2 a 8 instrumentos)
Música para teatro
Instrumentação Sintética
2008
30' 00"
Clarinete, Trombone Baixo e Percussão
Clarinete, Trombone Baixo e Percussão
Título do documento Auto da Festa
Data de Composição· 2008
Núm. Catálogo 70
Dedicatória
Para o Centro Dramático de Évora Cendrev
Instrumentação Detalhada
Categoria Musical Música de câmara (de 2 a 8 instrumentos)
Música para teatro
Instrumentação Sintética Clarinete, Trombone Baixo e Percussão
Notas Sobre a Obra
A música desta peça não procura recriar a música da época de Gil Vicente. Procurei ser fiel a uma linguagem musical contemporânea, contudo inspirada em alguns elementos da música da época e do seu universo literário.
A música profana renascentista recorria, desde Itália, França e a toda a Península Ibérica, a textos de uma literatura popular, alegre, satírica, irónica e mesmo erótica, com referências a todas as classes sociais e para as mais variadas funções como o teatro, comemorações, serenatas, reuniões de taberna e precisamente festas populares, o que se enquadra perfeitamente no universo literário de Gil Vicente.
Saber que Gil Vicente, como homem de teatro, além de dramaturgo, também terá desempenhado as funções de actor, encenador e mesmo músico, despertou-me uma enorme curiosidade e uma série de estímulos musicais.
Sendo a sua obra vista como um reflexo da passagem da Idade Média para o Renascimento e da mudança de tempos, imagino por isso a música que terá utilizado nas suas peças, mais próxima do fim da Idade Média - início da Renascença, do que da música renascentista portuguesa mais conhecida, como por exemplo a dos Cancioneiros de Elvas e de Belém, em que o seu conteúdo musical nos reporta para a segunda metade do séc. XVI, posterior a Gil Vicente.
O fio condutor da música que escrevi para esta peça é fundamentalmente instrumental, que transporta em si as influências de uma música que na época era predominantemente vocal.
Procurei criar um universo musical para cada personagem, indo ao encontro do lado satírico, irónico, por vezes grotesco e cheio de comicidade como se pode decorrer da escrita de Gil Vicente, com uma linguagem musical própria, harmonicamente muito afastada da linguagem da época, mas onde o forte pendor rítmico que imprimi, pode ser visto como uma influência da rítmica Medieval e Renascentista.
Do ponto de vista vocal é muito simples, tendo uma presença relativamente breve mas baseada nas curtas indicações deixadas por Gil Vicente, estruturadas quase sempre em duas frases em dois versos, o que corresponde de certa forma a um possível modelo da música profana renascentista. As fugazes passagens vocais procuram manter o lado grotesco e rude das personagens com influência directa no timbre vocal apresentado através das interpretações dos actores.
O ambiente festivo e por vezes grotesco no início da peça, relacionado com personagens como a Verdade, o Vilão, as Ciganas e o Parvo, tem como contraponto um ambiente mais dramático, algo enigmático, ligado à personagem do Ianafonso na parte central da peça. A cena do Parvo, da Velha e do Rascão fazem retornar musicalmente o ambiente festivo direccionado à folia final.
Assim, a música que criei para esta peça é também por vezes grotesca ou rude, algo “desarranjada”, muito rítmica, assumindo uma visão contemporânea do universo de Gil Vicente, não só pelo lado da própria escrita e dos gestos musicais utilizados, mas também pela própria instrumentação e pelo recurso a arquétipos da música popular de hoje, filtrados pela minha própria linguagem musical, o que aliás se pode relacionar com a plena actualidade do texto de Gil Vicente.
Carlos Marecos