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Escrita contemporânea
para Orquestra
Há aqui um problema do lado dos compositores... É um círculo
vicioso, no fundo... Talvez porque não exista hoje uma orquestra como
existia nos tempos da Emissora Nacional, nos anos 40 e 50, ou seja, uma orquestra
vocacionada para apresentar obras de compositores portugueses vivos. Os compositores
vivos portugueses primeiro claro. Mas na sua maioria não escrevem para
o “instrumento-orquestra" ou, quando escrevem, aproveitam-no de uma
forma individualista, em que não é a orquestra toda que se apresenta
em conjunto como formação. Ou seja, utilizam vários instrumentos
da orquestra… não utilizam uma formação sinfónica,
mas sim uma formação camarística e, talvez, de instrumentos
mais solistas. Eu, por exemplo, tenho reconhecido, como director da Orquestra
do Algarve e da Nova Filarmonia Portuguesa, que os compositores têm uma
grande relutância em escrever para a formação clássica
e depois precisam sempre de instrumentos extra, para isto, aquilo ou aqueloutro...
(...) Eu, pessoalmente, acho que hoje ainda se pode criar, com uma orquestra
de cordas, sem quaisquer instrumentos extra, sonoridades que ultrapassam tudo
quanto já foi feito; na minha cabeça, eu posso imaginar uma orquestra
de cordas a soar de uma forma como Pendereski não fez, como Bartok não
fez, como Tchaikovsky também não fez. A imaginação
não está limitada à necessidade de utilizar determinados
instrumentos... De modo que os compositores são, muitas vezes, os seus
próprios inimigos, ao dificultarem o trabalho do intérprete.
Depois, evidentemente, as orquestras funcionam de acordo com um certo regime
de trabalho e há normalmente 4, 5 ou 6 ensaios para um concerto. Quando
aparece uma obra que ultrapassa, em termos de dificuldade e em termos de técnica
de composição, o que os músicos podem dominar nesse espaço
de tempo, isso torna-se difícil sob o ponto de vista de execução.
Portanto, há, sem dúvida nenhuma, uma falta de contacto entre
compositores e orquestra. Os americanos inventaram um sistema de resident
composer, precisamente para criar no imaginário de um compositor
o conhecimento efectivo do trabalho de uma orquestra, no seu dia-a-dia, para
que ele, quando compuser a obra, saiba que instrumento e quais são as
limitações e as vicissitudes do "instrumento" específico,
que é a orquestra sinfónica. Isso é extremamente importante.
Depois, há efectivamente um excesso de número de compositores
perante a carência de “instrumentos” que são as orquestras.
Por exemplo, porque não existe em Lisboa uma orquestra que actuasse com
toda a regularidade exclusivamente para apresentar música do século
XX? Nem que seja para 200 ou 300 pessoas? A pouco e pouco, eu garanto, os compositores
começariam a escrever mais música para essas orquestras. Claro
que pode perguntar-se: justifica-se, para 200, 300, 400 pessoas, um “instrumento”
que custa “x”? É uma questão de perspectiva... Eu
também me pergunto: existe a necessidade de termos dois Estádios
de futebol, em termos de ocupação, um em frente ao outro, na segunda
circular, à distância de 2 quilómetros um do outro? Justifica-se?
O público futebolístico que responda... Eu acho que na área
da cultura justifica-se perfeitamente a existência de uma orquestra de
30 ou 40 músicos que, algures em Portugal, se dedicasse exclusivamente
a música contemporânea, por exemplo.
Eu acho que é obviamente uma questão que se deve pôr aos
responsáveis. Mas o grande problema que nós também temos
em Portugal é que cada vez que aparece um novo responsável na
área da cultura, muda toda uma filosofia referente às prioridades
nesta área. E tanto a Educação, como a Cultura, como outras
áreas, exigem continuidade. Ninguém se lembrou de deitar abaixo
a Ponte 25 de Abril (que antigamente se chamava Ponte Salazar) e criar uma nova
Ponte que se chamasse 25 de Abril. Mudou-se-lhe o nome, pura e simplesmente,
mas a Ponte é a mesma! Mas as orquestras da Radiodifusão não
sobreviveram a isso, foi necessário extingui-las..., foi necessário
extinguir a orquestra do Teatro Nacional de São Carlos! Ela tinha problemas,
certo. Mas ninguém se lembrou de enfrentar os problemas que foram criados
por uma gestão deficiente nos anos 1960, 1970 e 1980, sem dúvida
nenhuma. Também ninguém se lembrou de deitar a Torre de Belém
abaixo para a reconstruir! No entanto, em termos de orquestras, nós estamos,
ainda hoje, com aquele fantasma (eu, pelo menos, e tenho a certeza que muitos
músicos em Portugal), de que é possível uma orquestra ser
extinta a qualquer momento! Ainda este ano, há seis meses, extinguiu-se
a Orquestra das Beiras! Por consequência, nós estamos constantemente
a viver numa situação em que as prioridades políticas,
ou do Governo, ou das Autarquias, podem pôr em causa a sobrevivência
de uma instituição como uma orquestra. E enquanto se viver com
esta insegurança, nem as orquestras singram, nem os compositores escrevem
para elas, nem se cria público para elas.