Entrevista a Carlos Guedes / Interview with Carlos Guedes
2005/May/30
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Isto começa tudo muito cedo...
Eu tinha 5 anos, comecei a aprender piano, obrigado,
era até um pianista relativamente bom, segundo rezam as crónicas, mas cheguei
aos treze anos e decidi abandonar o estudo do piano. Era obrigado, não gostava,
a música era chata, essas coisas... Quando cheguei aos dezoito comecei a
estudar jazz, a estudar bateria na escola de jazz, e comecei-me a interessar
mesmo por fazer música outra vez; aliás tive uma pequena carreira como
baterista de jazz profissionalmente, que acabou em 94. Simultaneamente comecei
a fazer o curso de Física na Faculdade de Ciências. Estive lá um ano, comecei a
perceber que, de facto, aquilo não me interessava… que a fazer qualquer coisa
que me interessasse seria a música; então, decidi atirar-me de cabeça para a
música, para a composição, especificamente, porque sentia que tinha uma palavra
a dizer.
No meio disso tudo, o meu percurso foi assim um
bocado heterogéneo, pouco ortodoxo, porque entretanto vim aqui para a Escola do
Porto, que era extremamente conservadora, e isso fez-me um bocado de impressão
(quer dizer, fiz um bacharelato e não tive uma única obra tocada, que é uma coisa
que os meus alunos não podem dizer, graças a Deus), e assim a figura mesmo marcante nessa altura, foi uma coisa em
92 que eu vi: o Dienstag aus Licht, do Stockhausen, na Gulbenkian, em estreia
mundial, e fiquei fascinado com todo o aspecto multimédia e com a integração do
teatro e do movimento e do texto na música, e foi mais ou menos isso que me
despertou todo o interesse para trabalhar agora, por exemplo, em Dança, em
Teatro, em sistemas interactivos relacionados à Dança.
Entretanto, pessoas que me foram marcando ao longo
do tempo, foi o Fernando Lapa, foi
o meu primeiro professor de composição. É uma pessoa de uma generosidade como
há poucas, que me ensinou várias coisas. Depois, a seguir, foi mais ou menos
quando fui para os Estados Unidos, onde trabalhei com o Ken Valinsky, que era
um compositor que também era doutorado mas que tinha estudado com o
Stockhausen, mas que fazia música muito no género daquilo que se chama
“Downtown” em Nova Iorque, muito no género do John Zorn, Elliott Sharp, e todos
esses experimentalistas, e fiquei mesmo fascinado por aquilo, trabalhei com ele
durante algum tempo, depois trabalhei com o Mark Enssoli, um compositor
italiano naturalizado americano, Andrew Imbrie, que foi uma pessoa com quem eu
trabalhei seis meses, que teve um grande impacto na minha formação, porque
explicou-me coisas tão simples como música acerca de discurso e acerca de mais
nada. É daquelas coisas que uma pessoa enquanto não as ouvir não pensa muito
bem nelas, e foi mesmo iluminador, e depois, finalmente, assim a pessoa... foi
o Tristan Murail, se bem que a minha música tem muito pouco a ver com aquilo
que o Tristan faz, em termos de música espectral e essas coisas todas.
Neste momento o meu trabalho anda a passar assim uma
fase de rescaldo, até porque acabei de encerrar um período de dez anos, assim
louco, na minha vida, quer dizer, que coincidiu com a minha ida para os Estados
Unidos e depois para a Holanda, a trabalhar no Instituto de Sonologia, a fazer
investigação para a Tese.
A minha Tese de
Doutoramento, ou o trabalho que eu fiz no Doutoramento, é quase o começo de uma
fase na minha vida… que eu sempre trabalhei com Dança, sempre me chateou uma
série de coisas em Dança com música electrónica (tais como, por exemplo, o
bailarino nunca conseguir chegar a tempo numa determinada deixa,) e então
desenvolvi uma série de objectos para o Max, que, no fundo, fazem a medição do
ritmo musical em Dança; ou seja, extraem do movimento, em Dança, padrões que,
na sua duração e articulação, têm a ver com ritmos musicais e permitem ao
bailarino não só gerar estruturas rítmicas a partir do movimento corporal, ou
então controlar tempo musical em tempo real. Ou seja, o bailarino começa-se a
mexer mais depressa, a música anda mais depressa; o bailarino começa-se a mexer
mais devagar, a música anda mais devagar. Ou seja, a música segue o bailarino;
que é uma inversão do paradigma habitual na relação de música com a dança.
Quando comecei a fazer música, trabalhar com
computadores, trabalhar com tecnologia sempre me pareceu uma coisa extremamente
natural. E portanto, quer dizer, a minha vertente tecnológica tem a ver com esse interesse. Por outro lado,
a associação à Dança e ao Teatro é porque gosto mesmo de trabalhar com outras
formas de arte simultaneamente.
As minhas primeiras experiências de Teatro, por
acaso, foram marcantes nesse sentido, porque às vezes tens um encenador que diz
“ó pá, isto tem de ter menos 15 segundos!” E uma pessoa, obviamente, não pode
chegar lá e cortar 15 segundos à música, não é? É um problema musical, resolver
isso. E não consegues convencer o encenador do ponto de vista musical, porque o
encenador está a pensar em timings, está a pensar em tempo dramático.
Nunca me senti muito mal com isso; mas, por outro
lado, também já tive a sorte de trabalhar com gente muito boa, que me pediu
trabalho, que me pediu música que fosse a melhor música que eu pudesse fazer. O
último filme que eu fiz, com o Saguenail, que é um realizador francês que vive
aqui no Porto (já trabalhamos juntos para aí há dez anos), os dois últimos
projectos que eu fiz com ele foram mesmo marcantes; no penúltimo, ele
mostrou-me uma cena de dezassete minutos, e disse: “agora quero dezassete
minutos de música para aqui”, que deu origem a uma peça de música electrónica
que pus num daqueles CDs… chama-se
“Schizofrenic thoughts for solo violin”, que já uma vez te mandei para um
eventual Música Viva, e isso comecei por saber que tinha dezassete minutos,
preenchi esse tempo assim. O último projecto ainda foi mais aliciante e mais
louco, porque ele pediu-me um trecho musical, que foi para o “Mourir beaucoup –
entre Nova Iorque e Cabul”, que também tens aí nos CDs, que ele pediu uma peça
também, para aí de dezasseis ou dezoito minutos, onde ele depois montou o filme
todo em cima disso.
Creio que isso foi mesmo, de longe, o melhor
trabalho que nós os dois fizemos, é, talvez, dos melhores trabalhos,
musicalmente, que eu fiz, e quando encontras gente a trabalhar essa esfera, de
facto, há possibilidades que se abrem, nesses meios, que não se abrem
habitualmente na música. Por exemplo, a música do “Antes de Amanhã”, o filme,
aquele que deu origem ao “Schizofrenic thoughts”, eu “samplei” um violino e,
então, a primeira parte da peça parece que é um solo de violino, mas eu pedi a
um violinista para me desafinar um violino o mais possível, até quase não
conseguir tirar som das cordas de estarem tão lassas, e então um tipo assim não
dá mais do que três notas e eu fui gravando assim e depois, pacientemente, fui
montando aquilo tudo e criando uma peça, onde, de repente... aquilo soa-te a um
violino, mas depois desagrega-se completamente numa peça de música electrónica,
e fazer isso, por exemplo, como peça musical para apresentar ao vivo… não sei
se será a primeira motivação que uma pessoa terá para o fazer...
Por exemplo, a música para o “Mourir beaucoup”, o
trecho “Entre Nova Iorque e Cabul”, também começa com um quarteto –
contrabaixo, viola, violoncelo e saxofone soprano – que a meio desemboca numa
peça electrónica, ruído e coisas assim do género... e eu com o Saguenail gosto
muito de explorar esse tipo de impossibilidades, que outrora eram possíveis;
quer dizer, porque uma pessoa não vai fazer uma peça que, seis minutos é uma
peça instrumental, e que, de repente, se transforma numa peça electrónica e
depois de doze minutos, é de música electrónica.
Apresentar isso em público é um desafio! Por
exemplo, o “Schizofrenic thoughts” nunca apresentei, esta do “Mourir Beaucoup”,
também creio que nunca hei-de apresentar, porque para mim quase não faz sentido
uma apresentação pública disso, teres uns instrumentistas a tocarem seis
minutos uma música, depois vão ser doze minutos de música electrónica, onde, a
meio, te aparece ainda a música instrumental, mas completamente processada, e
coisas assim do género, e, por exemplo, nesse aspecto o Cinema tem sido um
veículo para mim, para eu experimentar, mesmo, coisas que musicalmente uma
pessoa… que não é essa a primeira ideia que tem quando está a fazer música
pura. Se bem que a peça é uma peça de música pura, porque o guião é
extremamente abstracto, essencialmente a sequência do filme são tudo imagens,
planos, atrás de planos... quer dizer, não há nenhuma história, não há nenhuma
narrativa concreta cinematográfica, e a própria narrativa musical foi uma coisa
que eu construí desde o princípio até ao fim, sem sequer estar a pensar no
guião do filme, foi uma coisa assim. Nesse aspecto, as experiências que eu
tenho tido, são mesmo interessantes.
A nível de Dança, também tenho tido a sorte de
trabalhar com coreógrafos que apreciam a minha música e que querem que eu faça
música como eu gosto, como eu quero e como me apetece para aquilo...
Por exemplo, com a Isabel Barros, já trabalhamos
também para aí há sete anos, e às vezes eu vejo-me a dar-lhe ideias de ordem
coreográfica, como ela me dá ideias de ordem musical, e as coisas crescem de
uma forma orgânica...
Agora estou a
regressar à música pura, praticamente, outra vez, porque durante muito tempo
sempre tive, por razões mesmo de ordem prática, por exemplo em Nova Iorque era
muito difícil arranjares músicos para trabalhar; quer dizer, é muito fácil
escreveres coisas que se lêem em duas horas ou em dois dias, mas quando queres
passar, quando queres extravasar esse tipo de trabalho, é extremamente difícil
conseguires arranjar pessoas para trabalhar, porque não há subsídios, toda a
gente trabalha muito profissionalmente, quer dizer: cada músico trabalha para
aí em 3 ou 4 ou 5 sítios diferentes e a mim sempre me interessou, também, um
lado especulativo e explorar coisas na música que, pelo menos fossem novas para
mim. E então, quer dizer, estar a escrever música que se pode ler facilmente,
quer dizer, que não há sequer uma mínima tentativa de abordagem das
possibilidades físicas ou acústicas do instrumento, uma coisa assim, não fazia
muito sentido. Então virei-me para a electrónica, fazia música electrónica
mesmo para peças de Teatro e peças de dança; mais recentemente, para Cinema
também.
Ultimamente tenho começado outra vez a trabalhar com
músicos e estou a começar a regressar outra vez à música pura; tive agora três
encomendas, uma dos Camerata Senza Misura, outra da Orquestra Utópica, outra da
Orquestra de Jazz de Matosinhos, que vão ser peças instrumentais, “tout court”,
sem outro tipo de referências, vai ser divertido.
E agora quando regressei outra vez a trabalhar com
instrumentistas, tem muita piada, porque as pessoas geralmente acham que as
minhas partituras são muito vazias de instruções, e eu não sei se isso é um
tique de alguém que trabalha com música electrónica, porque, quer dizer, uma
pessoa na música electrónica pode fazer tudo e prever tudo muito exactamente; e
eu agora na música instrumental interessa-me explorar coisas onde os próprios
músicos tenham coisas a dizer. Prefiro, por exemplo, não pôr tantas indicações
numa partitura e perguntar a um músico, mesmo: “Apodera-te disto! Apropria-te e
faz qualquer coisa!”.
Houve uma primeira fase da minha escrita, quando
estava aqui no Porto, com aquela escola toda modernista do Porto, cinquenta
indicações para cada notinha...
E agora faço coisas!...
Quando estás a trabalhar com músicos, principalmente
como os músicos com quem eu tenho tido a sorte de trabalhar ultimamente, que
são inteligentes e que te sabem ler a música e que te sabem interpretar a
música, acho que é extremamente interessante uma pessoa ter essa experiência,
também com outros músicos, que não seja só “Está aqui a partitura, toquem-me
isto!”
Há coisas que eu acho fundamentais na minha música.
Parece ser um pouco ridículo aquilo que vou dizer, mas detesto música chata;
então, faço tudo para que a minha música não seja chata. Ou seja, tenho uma
grande preocupação do discurso, na articulação do discurso do tempo e no timing com que as coisas se
passam.
Em relação ao estilo é um bocado diferente, porque a
minha música tem influências que vão desde o grunge, à música electrónica comercial,
dança, aliás, depois quando passares os ouvidos pelos discos que eu te arranjei
podes constatar isso; quer dizer, acima de tudo eu gosto de me sentir bem e
tenho de gostar de ouvir aquilo que estou a fazer, essa é a primeira premissa.
Depois, a partir daí, tudo depende do trabalho. Como eu ataco em várias
frentes, tenho mesmo uma preocupação com o discurso, com a articulação no
tempo, vou-me preocupando muito com toda a problemática do tempo e como é que o
tempo se expande na música, como é que o discurso musical é um veículo de
percepção temporal e das formas diferentes que nos faz sentir o tempo.
Por outro lado, em relação à musica electrónica e à
música instrumental, ou música com dança, eu creio (ou o pelo menos tento)
estar extremamente consciente do meio com que estou a trabalhar. Na música
electrónica, disseste muito bem, claro, uma pessoa pode “expremer” os
computadores até fazerem exactamente aquilo que um tipo quer. E eu tenho
utilizado muito isso, se bem que agora tenho estado um bocado mais fascinado
por processos algorítmicos e estocásticos, ou de coesão, onde o próprio
computador já possa ter uma palavra sobre aquilo que eu quero que ele faça;
quer dizer, dar-lhe uma pequena palavra, acho isso um processo extremamente
interessante. E isso é uma característica na outra música que eu faço. Quero dizer,
como disse há bocado, eu quando trabalho com instrumentistas prefiro muito mais
ocultar indicações na partitura e tentar perceber do instrumentista, quer
dizer, trabalhar com o instrumentista não como se fosse uma pessoa que vai
executar a minha peça rigorosamente, mas como alguém que é um músico, e logo
tem uma palavra a dar sobre a música. É a mesma coisa que um bailarino, quando
se vai mexer em frente à minha música, eu respeito o bailarino quase tanto ou
tanto mesmo como um músico que vai ser alguém que vai animar a minha música com
movimento, ou me vai dar uma interpretação sobre isso.
Isso para mim é muito importante, porque é do
bailarino, às vezes, de onde eu tiro ideias musicais e é ao bailarino que eu
quero fazer sentir a minha música, para ele a interpretar. A mesma coisa com
instrumentistas; quer dizer, eu prefiro retirar indicações, estar a falar com
um instrumentista e às vezes o instrumentista até me propor: “E se eu
tocasse esta nota aqui, em vez de...?” eu aceito tudo e mais alguma coisa, desde que
sejam, em princípio, indicações honestas e que tentem valorizar a música. E
tenho tido, como te disse, muita sorte com os instrumentistas que têm
trabalhado comigo recentemente, porque são tipos muito bons, e eu posso
transportar todo esse aspecto colaborativo a que eu me fui habituando, por
trabalhar tanto com teatro e com dança, transpô-lo para a prática musical pura,
no sentido de ser um processo interactivo… a forma como a peça cresce.
Uma das coisas que estou prestes a fazer é, eventualmente,
um pequeno Ensemble, com dois ou três músicos que gostam da minha música e de
quem eu também gosto muito, profissionalmente. E tentarmos desenvolver um
projecto colectivo de criação musical.
Mas por acaso eu há bocado ia falar
sobre isso, sobre “Gesamtkunstwerk”, que é uma palavra muito querida para mim,
porque eu acho, de facto, que hoje em dia, os computadores e os sistemas
digitais interactivos são um bom veículo para equilibrar essas coisas, ou para
repensar a actividade artística colaborativa, de várias artes, a outro nível.
Não vou dizer a um nível superior ou a um nível inferior, mas a um nível
diferente, se quiseres. A partir do momento (com aquilo que eu fiz) em que
consegues retirar, por exemplo, de um bailarino, em tempo real, elementos que
podem servir para gerar música, aí estás a dar ao bailarino um pequeno papel
musical, mas é um papel musical que eu creio que um bailarino se sente bem com
ele, porque não sente que está a tocar um instrumento, sente que aquilo que está
a fazer é relativamente orgânico, porque tem a ver com o corpo dele e com o
movimento dele, mas não estou a impor a um bailarino problemas do género de se
mexer de uma determinada forma, que era uma coisa que acontecia muito com
aqueles sistemas que têm sensores (e que os bailarinos não estão habituados a
ter sensores atados ao corpo); tendo um sistema, por exemplo, de câmara, tu
consegues dar uma liberdade ao bailarino que não seja aquela de teres de lhe
impingir o problema de estar a operar um interface com o corpo; e isso tem mais
a ver com dança do que propriamente estares a atar a um bailarino uma série de
sensores e dizeres “agora faz isto e disparas isto, faz aquilo e disparas
aquel’outro”.
Nesse aspecto, eu creio que se pode mesmo reformular (porque as coisas
tocam-se, e tu próprio também és poeta e sabes; quer dizer, talvez seja muito
fácil para ti falar da relação da Poesia com a Música); e agora teres sistemas
que te permitem criar traduções simultâneas entre mundos, eu acho que isso
abre, de facto, novas hipóteses para trabalhos colaborativos, abre novas
hipóteses para a tal obra de arte total (não sei se é assim uma coisa mega...),
mas acho que é uma hipótese de trabalho que me interessa, obviamente, e de
sobremaneira, explorar.
Em relação às instalações, aquilo que me agrada em
explorar nas instalações é a relação do público com a peça; nesse aspecto, as
últimas três: A primeira foi uma árvore de Natal, no Rivoli, foi feita com o
INESC Porto; agora as duas últimas, a da Casa da Música, onde fizemos aquela
Harpa sem cordas, com o Lali e o Kirk Wolford, e com a projecção de vídeo e
onde pensámos em toda uma instalação para um percurso dentro da Casa da
Música...
Quer dizer, eu
estou mais preocupado em perceber como é que tu consegues induzir alguém a
trabalhar com um objecto que está ali, e então planear modos de interacção, e
perceber como é que o computador – porque aí trabalho mesmo com tecnologia,
quer dizer, não faço instalações, ou nunca fiz, nem nunca pensei em instalações,
por exemplo, ambientais, onde as coisas estão mais ou menos instaladas e não há
nenhuma relação entre o público e, quer dizer, tu entras para um espaço e o
espaço está pré-determinado e não vai mudar em função do público – e a mim
interessa-me explorar situações onde o espectador consegue influir no resultado
que o objecto está a proporcionar nessa altura. E nesse aspecto, todas as
instalações que eu fiz até agora, uma pessoa queimou sempre as pestanas para
perceber como é que conseguiria planear toda essa secção, toda essa parte da
interacção do espectador com a peça.
Isso envolve geralmente detecção, e é com isso que
eu tenho trabalhado; com perceber, nomeadamente, no software da harpa, por
exemplo, conseguir perceber o tipo de gestos, de uma forma muito rudimentar, se
estavas a fazer gestos percussivos ou se estavas a fazer gestos mais suaves, e
a reagir em função disso.
Agora com esta, com o “Willower”, que estreámos em
Amesterdão, tinha a ver com a tua proximidade em relação à peça, quer dizer:
ires-te aproximando, os caracteres afastam-se de ti, mas depois, se ficares no
mesmo sítio, eles começam-se a aproximar de ti outra vez... Planear isso dá
muito trabalho, mas depois eu acho que é muito gratificante, e gosto e
interessa-me muito explorar esse tipo de relação. Como é que uma pessoa pode
estabelecer uma relação com qualquer coisa que está inanimada e como é que essa
comunicação se pode estabelecer, o que é um problema relativamente complexo...
Uma vez disse, numa entrevista, que
para mim, música séria era música feita com seriedade...
E aí, acho que tenho uma atitude
séria em relação àquilo que eu faço. Se bem que as coisas possam andar por todo
o lado, e muitas vezes andam, e eu estou perfeitamente á vontade com isso. Ou
seja, não sei se tenho um estilo definido, musical, nem estou muito preocupado
com isso, tenho o meu estilo de fazer as coisas, sim; esse aspecto, acho que é
o aspecto, pelo menos para mim, mais valioso de tudo aquilo que eu faço. Acima
de tudo, tentar ouvir aquilo de que eu gosto e tentar pôr no papel aquilo de
que eu gosto, já dá uma trabalheira dos diabos. Agora, uma pessoa estar a
pensar o que é que este, aquele, ou aquel’outro vão pensar...! Acima de tudo é
isso, e eu acho, nesse aspecto… o Clarence [Barlow] tinha-me alertado para
isso, uma vez ao dizer que desde 1990 – e ele até tem uma data, porque ele tem
a mania das datas - ao dizer: “Isto nos anos 80 estava uma porcaria, e foi
em 1994, parece que estávamos todos dentro de um Bar, cheio de fumo, e alguém
abriu uma janela... e as pessoas de facto começaram outra vez a fazer aquilo
que queriam!...” Creio que sim, creio que hoje em dia é um movimento geral das coisas,
as pessoas cada vez mais fazerem mesmo aquilo que querem; e acho que isso é uma
grande conquista do Pós-modernismo, se bem que eu não vá “à baila” com o
pós-modernismo, em tudo, acho que é mesmo as pessoas, de facto, terem perdido
um certo pretensiosismo naquilo que faziam, e começaram a fazer aquilo de que
gostavam; e não ter vergonha de mostrar isso em público... acho que é uma
grande conquista para o fim do Século XX na música europeia, ou na música
ocidental, se quiseres. Repara, tu hoje em dia tens gente no rock e na música
menos erudita que está a fazer trabalho muito sério, com muita qualidade, e eu
acho que os compositores começaram a perceber isso e começaram a perceber que
talvez uma forma legítima de ir é as pessoas fazerem aquilo que ouvem, aquilo
de que gostam e não terem muitos problemas em afirmar isso e em fazer isso.
Eu acho que estamos a
começar uma Era mesmo interessante, em termos de produção. Temos produção
musical! Não sei se leste o livro do Attali, um livro chamado Bruits...? É um
livro genial, porque é uma teoria económica baseada na história da música -
isto é em 1974.
O Jacques Attali foi
presidente do Banco mundial… eu por acaso, olha, tinha aqui uma tradução desse
livro em Inglês, que se chama: "Noise, the Economical Politics and Music”,
ainda consegues arranjar isso, a versão francesa é que acho que não...
Saiu em 74, e ele previa uma Era –
isto, em 1974, é fabuloso do ponto de vista dele – que ele chamava o regresso
dos Trovadores, onde as pessoas iam ter mecanismos e equipamento disponível
para fazerem a própria música deles em casa e então íamos regressar outra vez a
uma Nova Era de Trovadores, comparando com a Era dos “Troubadours et Trouvères” da Idade Média, do Século XIV, e pouco a pouco, quer
dizer, eu quando li isso – e já li isso para aí em 98 – disse assim: “Ah!
Mas o rapaz em 1974 previu isto?!” E, de facto, hoje estamos quase plenamente nessa
Era. Com a difusão, através do ITunes e do MP3, etc., toda a gente pode já
partilhar as coisas que faz, sem grandes problemas, e tens muita gente, muitos
“New Kids On The Block” que estão através da tecnologia, a fazer coisas muito
interessantes, musicalmente, e acho que isto é o começo, pelo menos, de uma Era
que eu acho que vai ser completamente diferente e que vai, provavelmente re-equacionar
completamente
a forma e a prática musical da nossa civilização, e acho que isso é
interessante.