Orquestra Nacional do Porto
Graeme Jenkins (direcção)
Local Casa da Música - Sala Suggia
Localidade Porto
País Portugal
Notas Sobre a Obra
Kontraste (contrastes) para orquestra (dividida em 3 grupos: um grupo central e dois grupos laterais) é uma homenagem a Schumann, encomenda da Casa da Música para as comemorações dos 150 anos da morte de Schumann. Nesta medida, interessou-me concentrar a composição musical num dos vários aspectos característicos da música de Schumann (nomeadamente numa grande parte da sua obra pianística): o contraste. Muitas das suas obras são constituídas pela concatenação de pequenas unidades formais simples (pequenas peças ou mesmo fragmentos) frequentemente contrastadas. O material musical é raramente “desenvolvido”, no sentido clássico do termo. Apesar da sua grande admiração por Beethoven, a música de Schumann não é caracterizada por um desenvolvimento longo e contínuo das ideias musicais. Deste ponto de vista poder-se-ia considerar Schumann como sendo um precursor da forma “mosaico”, retomada posteriormente por Stravinsky, e constituindo desde então um elemento importante na música do século XX.
A forma mosaico é portanto uma das características centrais na construção de Kontraste. É a sucessão de curtos acontecimentos musicais autónomos, de carácter contrastante, sem que cada um seja desenvolvido, e (aparentemente) sem continuidade nos seus encadeamentos. Os breves acontecimentos musicais têm na sua origem materiais diversificados e heterogéneos, reforçando assim o aspecto formal de carácter “fragmentário” e de oposições por contraste – por vezes com cortes abruptos. Às vezes há puro contraste, outras vezes as relações criadas nos encadeamentos de elementos e materiais diferentes sugerem tratar-se de um único desenvolvimento contínuo coerente, mas em ambos os casos há sempre um sentido na continuidade das sucessões. Por outro lado, e paradoxalmente, alguns desenvolvimentos contínuos são já em si constituídos por uma sucessão de contrastes, de modo que não parecem fazer parte da mesma coisa, mas sim constituir uma alternância de elementos diferentes.
Assim, a peça adquire também o carácter de uma sucessão de reminiscências, ou sugere, como num filme, súbitas mudanças de cena ou de planos – ou, no domínio da música, algo como o início abrupto do concerto para piano de Schumann, isto para dar apenas um exemplo.
Com os contrastes provocados por materiais originários de “mundos diferentes”, interrompendo o desenrolar musical “normal” – se é que se pode chamar a alguma coisa um “desenrolar normal” (a propósito, já alguém conseguiu adivinhar antecipadamente o que vai acontecer no próximo compasso de uma obra musical, por exemplo, de Mozart?) –, criam-se em Kontraste irrupções inesperadas de outras dimensões estranhas (“paranormais”) que reaparecem irregularmente (como na vida de Schumann, sobretudo na fase final da sua existência). Schumann também teve uma vida (emocional) plena de contrastes (para o melhor e para o pior).
Reminiscências da vida de Schumann? Passar em revista a vida de Schumann? Ou apenas uma estranha sucessão de acontecimentos inesperados e inusitados? Muitas perguntas em aberto; o que, no entanto, não altera em nada aquilo que a peça na realidade é.
João Rafael