1. Fanfares
2. ...Der Abschied
3. Fanfares – Notturno fantastico
A Banda Sinfónica Portuguesa encomendou-me esta obra em 2019, para ser estreada em 2020 no âmbito da minha colaboração com a orquestra como Compositor Residente desse ano. Com cerca de 23 minutos, é a peça mais longa que já escrevi para sopros e divide-se em três andamentos, sendo que o terceiro é a continuação do primeiro, que fica, por assim dizer, “incompleto”. Já havia usado esta estrutura dramática numa obra anterior:
Giochi di Uccelli – Concerto para flauta e orquestra, de 2017, cujo quinto e último andamento completa o primeiro, mantendo deste modo a tensão inerente a esse estado de óbvia incompletude. Também nesta obra para grande orquestra de sopros usei esse princípio, desta vez no âmbito dos três andamentos clássicos de um concerto: rápido-lento-rápido. No entanto, não quis escrever uma obra de exibição dos vários naipes e instrumentos, como é típico dos concertos para orquestra. O termo concerto, aqui, tem somente que ver com a forma geral, e o mais significativo no título é o mote “...o vento sopra onde quer...”.
Vento, metáfora para o Espírito Divino, que aparece onde quer e tantas vezes é ignorado. As fanfarras dos andamentos extremos, que rodeiam o “adagissimo” central, são como que um alerta que o peso desse andamento —inteiramente baseado num fragmento do “Adagio” da 9.ª Sinfonia e da última canção (“Der Abschied”) de
A Canção da Terra de Mahler (músicas do Fim, ambas escritas por volta de 1909, dois anos antes da morte de Mahler) —não consegue absorver. A Ceifeira está por todo o lado, e só o Espírito a poderá vencer. Num tempo de muros, de racismo, de ameaça climática, de crianças mortas que dão à costa porque as suas famílias fogem de cenários de horror, precisamos de repensar as nossas prioridades.
A música é apenas uma gota de água e nada resolve, mas mesmo a mais humilde nota de beleza no caos contribui para vencer o horror. Longe porém da apoteose, o final é súbito, deixando no ar uma sensação de devir perpétuo. Quando encontrará a Humanidade o seu Vento, o seu Espírito?
Sérgio Azevedo · Folha de Sala · Casa da Música · 2021.10.31