Esta mini-crónica de viagem foi concebida no quadro da filosofia de pequenas peças para jovens instrumentistas do projecto de Arte no Tempo, de Diana Ferreira. É uma memória da presença física do compositor na nascente do rio Sorgue, no sudeste de França, lugar paradisíaco do monte Vaucluse, onde viveu Petrarca, e onde escreveu os célebres poemas a Laura (já evocado na obra
Il Tempo dell’Acqua, para Harry Sparnaay [clarinete baixo] e para Stefano Scodanibbio [contrabaixo]).
A peça desenha, como metáfora, a tranquilidade daquelas águas azuis e as vicissitudes do seu deslizar ao longo daquele lugar. À margem desta intenção há ainda o papel de Laura, a adolescente anónima destinatária, na origem, desta música breve, que condicionou a própria essência dos materiais que a compõem. Ir ao encontro dos ouvidos da jovem insuflando, por isso, em momentos estilísticos contrastantes, áridos e abstractos alguns estereótipos melódicos e rítmicos foi também uma intenção do compositor. Estruturados por colagem, inundam esta minúscula partitura motivos rítmicos elementares ora lisos, ora pulsados, na procura de variedade e de acessibilidade técnica e auditiva, aliadas à vertente poética de um lugar. Esses motivos foram também imaginados, pelas suas virtualidades, como matéria prima para a parte electrónica, que envolveria e projectaria essa diversidade de intenções e de emoções subjacentes.
Breve história de um dia contada por música mista, o pensamento instrumental está indissoluvelmente ligado ao pensamento electrónico, não existindo um sem o outro. Desta compressão de ideias musicais e não musicais narradas num tão breve lapso de tempo de dois a três minutos, nasceu a necessidade irreprimível de as desenvolver numa obra mais longa, agora para violoncelo solo. Daí nasceram variações livres de maiores dimensões com o título de
TROPOS-Variações de Novembro, dedicada a Miguel Rocha, que havia gravado antes a parte de violoncelo de
LAURA-la fontaine de Vaucluse, fonte sonora do pequeno painel electrónico que haveria de completar este pequeno poema aquático, numa realização de estúdio que teve assistência técnica e musical da compositora Ângela Lopes. O título é uma lembrança para as várias«Lauras» de gerações da família do compositor e uma lembrança para as várias «Lauras» da aldeia da sua infância.
Cândido Lima, 4 de junho de 2021