Duo formado por Miguel e Paula Azguime, que se estreou há 40 anos, em 1985, e que continua a marcar a criação musical contemporânea - o Miso Ensemble está Em Foco no MIC.PT em abril.
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Música Electroacústica sobre suporte
Música para teatro
Instrumentação Sintética
2006
45' 00"
Electroacústica sobre suporte
Electroacústica sobre suporte
Título do documento O Eunuco de Inês de Castro
Data de Composição· 2006
Núm. Catálogo 67
Observações
Para o Centro Dramático de Évora Cendrev, para uma peça de Armando Nascimento Rosa, numa encenação de Paulo Lages
Instrumentação Detalhada
Categoria Musical Música Electroacústica sobre suporte
Música para teatro
Instrumentação Sintética Electroacústica sobre suporte
Estreia
Data 2006/Dec/01
Entidade/Evento CENDREV - Festival de Teatro Ibérico
Local Teatro Garcia de Resende
Localidade Évora
País Portugal
Notas Sobre a Obra
A música para esta peça surge, em primeiro lugar, do desejo do encenador Paulo Lages em ter música de cena como um dos elementos que, a par da cenografia e figurinos, se enquadrasse na sua proposta estética para toda a encenação.
Assim, quando comecei a pensar na música para este espectáculo e sabendo que nesta produção não poderia ter músicos ao vivo, tornou-se óbvio que teria que apresentar música gravada. Poderia ter optado por música instrumental gravada, mas para mim a música instrumental, mesmo para teatro ou dança, só resulta na sua plenitude se for tocada ao vivo. Deste modo, procurei um contexto em que a música fizesse sentido ser apresentada por uma gravação. A música electrónica seria a que melhor serviria este propósito, não só por ser uma ferramenta adequada, mas também porque desde cedo começaram surgir-me inúmeras ideias musicais para explorar as capacidades que este tipo de música poderia fornecer à peça de teatro e à criação musical em particular.
A música electrónica pode ser algumas vezes confundida com sonoplastia, por isso, neste caso, procurei criar uma música com discurso próprio, independente do discurso teatral, de modo a que o som difundido na sala fosse de facto escutado como música e fosse também empiricamente sentida a sua forma musical.
A música que acabei por escrever, teve mesmo assim, alguns elementos próximos da música instrumental, pois as principais fontes captadas para a realizar, foram instrumentos convencionais: o oboé, o violino, o piano (sobretudo tocado no interior) e a guitarra eléctrica. Procurei usar estes instrumentos como fonte de captação de diversos sons e gestos musicais para depois os transformar através manipulação electrónica em diversos objectos sonoros a utilizar na escrita de uma música não instrumental.
Mas, além de ter utilizado os instrumentos com os intuitos atrás referidos, escrevi ainda algumas passagens puramente instrumentais do ponto de vista convencional, mas mesmo essas passagens surgem manipuladas electronicamente de modo a que soem como parte integrante da música electrónica, com recursos que só a electrónica pode fornecer, como por exemplo a sobreposição de uma linha do violino com ele próprio um número quase ilimitado de vezes, criando texturas heterofónicas, com a realização de canons a um número muito alargado de linhas artificiais, ou a modificação do timbre dos instrumentos construindo no fundo instrumentos diferentes dos existentes.
Assim, toda a música se joga no equilíbrio entre a música instrumental e a música electrónica, dando uma especial atenção à instalação dos altifalantes na sala, de modo a que a sua disposição possa explorar a espacialização, proporcionando a viagem do som pela sala, a maior ou menor envolvência do público pelo som, a maior focalização ou dispersão sonora por determinados locais da sala, não só pelo palco mas também pela plateia, como por exemplo o tecto, o fundo do palco, as laterais, ou o fundo da plateia.
Para isso foram utilizados meios muito simples; dois leitores de CD com 4 saídas independentes, distribuídas para 8 altifalantes colocados em pontos diferentes da sala.
Quanto ao discurso musical procurei ter um discurso não propriamente independente do texto mas também que não o seguisse de uma forma muito linear. A música procura entrar em contraponto com o texto teatral. Em determinados momentos chave, a música toma uma maior preponderância e noutros momentos fornece quase como um “tapete” ao discurso teatral funcionando aí não tanto como um separador entre cenas, mas mais como um elemento pertencente ao espectáculo (como a luz ou a cenografia) que estabelece as transições entre as diversas cenas, procurando que essas secções musicais pertençam não só a um todo musical mas também ao todo que é o espectáculo.
Na canção provençal, cantado ao vivo pelos actores, com a música electrónica nos altifalantes, as vozes dos actores sobrepõem-se com outras linhas instrumentais existentes na música electrónica gravada, integrando assim uma simples canção no todo musical. Sendo este o único momento onde originalmente Armando Nascimento Rosa previa uma intervenção musical e sabendo que ele tinha criado uma melodia para esta canção, achei interessante poder utilizá-la, parafraseando-a, ou seja, filtrando-a no fundo pelo tipo de linguagem utilizada no resto da peça.
A canção acaba por funcionar, do ponto de vista formal, como um momento musicalmente importante, porque pode ser visto como um especial ponto de repouso ou de menor tensão, num discurso musical que contém sempre alguma tensão implícita.
Quanto à relação da música com as principais personagens, esta estabeleceu-se ao nível do timbre, na escolha dos instrumentos captados para posterior manipulação electrónica e da associação de determinadas sonoridades e gestos musicais às personagens principais. Assim a Inês está mais ligada à sonoridade do oboé, Pedro ao violino e a guitarra eléctrica a Afonso, o Eunuco, sendo o piano utilizado em conjunto com os outros instrumentos em situações relacionadas com as restantes personagens. Sendo estes instrumentos manipulados electronicamente esta associação às personagens nunca é muito linear podendo mesmo ser encontradas inúmeras situações onde o violino é usado conjuntamente com o oboé e o piano.
A associação da guitarra ao Eunuco é um pouco mais directa, no entanto, nunca são transportadas para a música linhas típicas de guitarra eléctrica; a sua presença faz-se mais notar pelo timbre e pela sua sonoridade, do que pelo gestos musicais tocados. Quanto à escolha da guitarra eléctrica surgiu mesmo por sugestão do encenador, sugestão à qual aderi de imediato pois o tipo de sonoridade é propício à manipulação electrónica e a todo o contexto em que a própria personagem surge, não esquecendo que, apesar de as personagens serem figuras históricas, esta peça é passada no tempo presente, no país dos mortos.
De referir ainda que o tipo de trabalho que tenho desenvolvido com esta equipa artística, nomeadamente encenador, cenógrafo e figurinista, tem-me permitido como músico e compositor, trabalhar de uma forma realmente interessante, com uma liberdade criativa que permite integrar a música como mais uma vertente do espectáculo, sem esta nunca deixar de ser uma criação própria dentro do todo.