JOÃO PEDRO OLIVEIRA: EM BUSCA DO MISTÉRIO
por Alexandre Delgado
Um dos paradoxos da criação musical na segunda metade do século XX foi a coexistência do cúmulo da liberdade e do cúmulo do constrangimento. Dois extremos que se tocam: o excesso de regras e a abolição de todas as regras são terapias de choque equivalentes. Depois do experimentalismo vanguardista, veio o caldo pós-moderno: chegado o século XXI, os tempos são de ressaca, em Portugal e não só.
Num tal contexto, um estilo próprio e coerente é coisa rara. Sem concessões, sem a preocupação de ver onde param as modas, João Pedro Oliveira criou um universo sonoro inconfundível, em que se exprime uma personalidade complexa e uma conjugação invulgar de tendências díspares.
A capacidade de teorização e de análise “científica” da estrutura musical coexiste nele com uma funda percepção do mistério divino. Nuno Barreiros via em João Pedro Oliveira “o nosso místico”, um herdeiro de Olivier Messiaen (organista como ele), capaz de conjugar extrema racionalidade e um verdadeiro sentimento religioso. Tal sentimento não surge por acréscimo, mas como razão de ser do próprio acto criativo: cada obra de João Pedro Oliveira é peça de um mosaico em cujo cerne se encontra o Livro do Apocalipse. Esse fôlego bíblico reflecte-se até na cadência metódica de uma produção fértil, que lembra a serena confiança do artista-artesão, inabalável na sua missão de buscar o divino, sem arrogância, falsa modéstia ou proselitismo.
Mergulhando na dimensão exploratória do som, o compositor produziu aquela que é, provavelmente, a mais bem sucedida fusão de meios acústicos e electrónicos da música portuguesa. Essa dupla matriz resulta de uma necessidade interior, de uma “visão” só materializável através da conjugação dos instrumentos tradicionais e dos meios facultados pelo computador. João Pedro Oliveira conseguiu encontrar uma zona franca onde os dois mundos se encontram e complementam, sem precisar de uma ostentação bizantina de meios matemáticos e tecnológicos.
Independentemente de preferências estéticas e técnicas, cada uma das suas obras tem uma força imperiosa que nos agarra por dentro, mesmo antes de nos seduzir. Mas o poder de sedução também lá está: aquele marulhar cósmico nos lembra sons de outras esferas, aquelas filigranas de sons voláteis que nos fogem por entre os dedos, aquelas pedais incantatórias cujo poder centrifugador mantém em órbita miríades de cromatismos e quartos de tom.
A música de João Pedro Oliveira tanto pode ser compreendida intuitivamente como analisada a fundo. A sua crescente apetência por polarizações tonais, trazendo ecos do oriente, desconcerta os ortodoxos e amplia-lhe o alcance, numa liberdade controlada mas sem constrangimentos. É disso que precisamos.