Untitled Document
Utilização de
tecnologias multimédia
Quase de certeza que na Rainha Louca vai haver, porque há vários
momentos que são totalmente oníricos, e que seriam impossíveis
de realizar de uma forma que não fosse ridícula. Por exemplo,
há um pequeno pormenor que eu posso adiantar – e esses é
dos toques mais poéticos do texto, que é maravilhoso – que
é a rainha, na sua cabeça, a grande obra da vida dela, a coisa
que ela mais adorava era a Basílica da Estrela e isso é uma coisa
histórica – aliás, todo o texto do Miguel Rovisco é
extremamente histórico. A personagem da rainha é fascinante, a
nossa D. Maria I tem sido tão denegrida, durante duzentos anos foi denegrida,
e quando se vai ver mesmo o que se conhece das cartas dela e do que ela era
como pessoa, era uma pessoa maravilhosa, era uma pessoa de uma poesia, de uma
sensibilidade às artes e à poesia, simplesmente não nasceu
para ser rainha, não queria ser rainha, depois era muito religiosa e
ficou totalmente torturada e devastada pelo facto das perseguições
à Igreja, feitas pelo Marquês de Pombal, e de a convencerem, à
viva força, que o seu pai estava a arder no inferno. Isso foi uma ideia
que ela não conseguiu tolerar e portanto foi completamente massacrada
e esmagada pelos seus confessores. Foi a sua grande tragédia. Depois
teve outras tragédias como o facto do seu filho, o primogénito,
que era um príncipe perfeito, maravilhoso - descrito por Beckford no
seu livro como um jovem extraordinário - ter morrido de varíola.
Já se estava a experimentar a vacina na época mas os padres não
autorizaram que se experimentasse nele a vacina, pois achavam que era ir contra
a vontade divina. E ele morreu, e isso foi outro argumento de peso. Um outro
factor que a fez enlouquecer foi a Revolução Francesa e o facto
da Maria Antonieta ser guilhotinada. Pode imaginar-se, o que é que seria
hoje, para uma rainha frágil, sensível, muito fechada no seu mundo,
saber que a rainha de França, a dauphine de França, tinha sido
guilhotinada. Isso foi a gota de água. Acho que foi, de certeza, nesse
momento que ela enlouqueceu definitivamente.
Esse lado onírico é porque ela fala da Basílica da Estrela,
ela naquele quarto, onde não há janelas, ela queria ter mil janelas
que dessem todas elas para a Basílica da Estrela. E depois, outro episódio,
outro momento muito poético, é quando ela conta a experiência
do aeróstato, que foi uma experiência que se fez em Portugal, muito
a la par, ao mesmo tempo que se fez no mundo inteiro. Pouquíssimo
tempo depois fez-se cá, um balão com ar, que se elevou no Palácio
da Ajuda, e ela teve a ideia, que não disse a ninguém, de pôr
dentro do balão um macaquinho a quem ela, secretamente, chamou Estrela.
Depois, enquanto o povo estava todo de cabeça no ar a ver o balão
elevar-se com o macaquinho, ela continha-se e gritava para dentro um grito,
esse sim verdadeiramente revolucionário , - porque toda a temática
da revolução está muito presente nas suas discussões
com a dama de companhia -, esse grito verdadeiramente revolucionário
que é “Foge Estrela, foge para longe desta miséria, para
um mundo melhor, longe dos cães e do lixo deste país”. Depois
no fim da peça, há um embate com o confessor e quando ela lhe
faz frente nós percebemos que o seu filho morreu por causa do confessor.
Aquilo que provocou a sua morte foi todo aquele torniquete horrendo que a Igreja
construiu à volta dela. Ela, depois de enfrentar o confessor, fica sozinha
em palco, e ouve estremecer ao lado, onde há assim uma espécie
de floresta, uma série de flores e de plantas que formam quase uma floresta
no canto, e pergunta: “Está aí alguém? És
tu?”. E, depois aparece o macaquinho que é a Estrela que a vem
levar. E ela sai levada pelo macaquinho, o fim da ópera é esse.
Este é o tipo de coisas que é impossível pôr em prática.
Lembro-me que no Nacional foi feito por uma criança a fazer de macaco.
Era grotesco. Com um macaco verdadeiro é absolutamente impensável,
portanto é o tipo de sequências que têm de ser em vídeo
projectado, projecções que tem de se conseguir criar esses momentos
oníricos. Eu sou um bocadinho alérgico ao multimédia, acho
que é um pouco um tique teatral da moda, é uma voragem que vai
passar, mas quando é usada assim criteriosamente, assim para coisas que
só o multimédia e o vídeo é que pode dar verdadeiramente
o efeito que se pretende, daí sim, porque não usar?