Entrevista a Daniel Schvetz / Interview with Daniel Schvetz
2004/Jun/30
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O percurso da Composição
Como começou a composição? Foi um desvio da minha
actividade básica que era tocar e estudar piano, mas a realidade é que, desde
muito pequeno tive fascínio pelo que podemos chamar de improvisação. Há muitas
formas de improvisar.
E portanto, sempre improvisei em simultâneo. É uma luta
grande! Eu não queria mesmo estudar porque já tocava o que tocava. Depois
percebi que o que eu tocava era muito pouca coisa mas foi complicado aceitar –
estou a falar de quando eu tinha 16 ou 17 anos –; estudei muito mas foi uma
luta aceitar que a pessoa vá com mestres, com professores e formar-se…
técnicas, escola: russa, francesa, enfim tudo aquilo!
Eu sabia, sempre percebi que produzir música era uma
actividade que se iria transformar em algo central, só que o que eu fiz
formalmente até aos meus 16, 17 anos era mesmo o estudo do piano, com
improvisações, com jazz, com bossa nova e com criações – eu nem quero saber o
que era aquilo; escrevi imensa
música, mas as criações não eram passadas para o papel, só quando fiz 16, 17
anos é que comecei mesmo a fazer tentativas no papel.
A atitude era mais de confessar-me: ”Pronto. O que é
compor? Compor é passar para o papel.” Estudar, estudar, o contexto de
disciplinas é que basicamente me serviu de preparação para ser compositor:
harmonia, contraponto, etc., começou a partir dos 16, 17 anos. Até lá era puro
piano.
Fiz um curso formal, fiz o curso de composição no
Conservatório Nacional, lá em Buenos Aires e o de piano. Fiz o curso geral –
não é exactamente igual aqui, mas – acabei os estudos de piano, não fiz a
última parte que é a capacitação – mestrado em piano, não? – e o de composição
fiz, mais ou menos. Grandes, grandes, grandes mestres foi fora do
Conservatório.
Improvisação e outras formas de composição
Basicamente, e se eu tivesse que explicar tecnicamente, a
música normalmente é dividida em tipos, música assim, música assado, erudita,
clássica, contemporânea, barroca, enfim, todas as que existem. Mas,
honestamente, eu não consigo sentir algum tipo de classificação. Quer dizer, a
classificação… é subjectiva esta definição; mas eu sempre improvisei e o
fascínio de subir a um palco com um bom piano à frente continua. Para mim é uma
coisa que não tem limites, quer dizer, é um fascínio. É o mesmo fascínio que eu
sinto quando estou perante uma folha em branco – ou agora um ecrã em branco, o
rato e o teclado, por assim dizer – vou compor e tenho a mesma sensação de quando vou improvisar ao piano,
seja para 30 instrumentos ou uma flauta.
É evidente que há um plano e há níveis – se se quiser –
de planificação. Quer dizer que se eu vou trabalhar sobre poemas, enfim, já há
um elemento anterior, se eu vou trabalhar para um quarteto de cordas, se eu vou
trabalhar para uma orquestra assim, para um grupo de percussões. Agora por
outro lado, a planificação fica sempre sujeita ao presente. Eu tenho imensos
discursos com planificações, digamos assim – planificação para utilizar uma
palavra, quer dizer, aquilo que era suposto eu utilizar para esta ou outra
secção da peça e cada vez tenho menos – nos últimos anos não tenho um lugar
onde eu planifique, ou seja, não prescindo totalmente de planificação mas.
Às vezes fico 3 ou 4 dias até começar a dar o pontapé
inicial… fico. Sento-me na janela, vou caminhar ao pé do mar. Quando aparece,
dou o pontapé inicial. Pode não aparecer rapidamente, não posso decidir. Mas
quando aparece vem mesmo de dentro.
E é como se a pessoa se transformasse num observador de
si próprio: não estou lá. Como a raposa, à espera do momento em que vai esticar
a garra para roubar o ovo… Seria o primeiro som, enfim, não sei, é um mistério…
Música erudita e Jazz
A um dado momento, tive uma grande revelação; foi aos 13
anos quando comecei o liceu. Na Argentina está dividido em 7 e 5 anos, seria o
9º ano aqui ou uma coisa assim. Fui assistir a um concerto no Teatro Colon –
equivalente ao S. Carlos – onde passava Britten, o guia orquestral para a
juventude e, na segunda parte, a 2ª sinfonia de Brahms. O Britten tem aquela
componente didáctica que todos conhecemos, mas o Brahms “partiu-me ao meio” e
não estava à espera! Fui lá como aluno da escola secundária.
Na minha casa paterna… O meu pai é amante de música,
também foi pianista, tem um estúdio de gravação. Há antecedentes, sem dúvida,
havia uma discoteca muito grande de jazz, bossa nova e música erudita/clássica.
Havia muita música, Bartok… enfim.
Mas para mim aquilo foi uma “pancada”! Quando voltei para
casa, fui à procura do Brahms e devo ter estado umas 2 ou 3 semanas a ouvir
Brahms diariamente. A 2ª sinfonia chamou a 1ª, a 3ª, a 4ª, o quinteto com
clarinete, enfim… A segunda revelação foi um bocadinho depois: a obra completa
de Ravel, que havia na casa dos meus pais em vinil. A partir daí, nunca mais
parou. E eu deixei algumas coisas da minha idade na altura: rock, isto ou
aquilo, porque o que me interessava era este reportório, esta estética,
chamemos erudita, e uma ligação muito forte com o Jazz, começando por Art
Tatum, Oscar Peterson, o grande pianista Earl Hines, Charlie Parker, John
Coltrane. É uma lista que nunca mais acaba, que todos conhecemos… E era
fascinado pelos grandes “arranjadores”. Eu não conseguia dividir… quando
escutava jazz era jazz, isto era isto, mas era uma coisa absolutamente
intuitiva, instintiva, animal.
Tango e Folclore
O jazz e a música contemporânea estavam interligados. E
eu cheguei a assistir a 3 concertos por dia; ia de tarde ver um grupo de jazz,
ia ao horário das 9 da noite ao Teatro Cólon para ver Mendelson, Grieg, Dvorak
e depois, de noite, outra vez jazz ou bossa nova ou o que houvesse. Existia
muita coisa chamada de vanguarda. Nós tínhamos lá o chamado Instituto Ditela –
ao qual eu cheguei já tarde, já tinha acabado – mas era mesmo um centro de
experimentação de peças, de tudo. Lembro-me de peças em que o pianista tocava
com os olhos vendados e tocava com o nariz, com o cotovelo… experimentação! A
música não sei se era sempre a convidada, mas estava curioso para ver o que os
outros pensavam, continuo um curioso, sempre! E era a música contemporânea e o
jazz.
Quando eu tinha 20/21 anos deu-se o golpe de Estado
militar, e acontece que, como havia repressão, enfim, não era possível fazer
certas coisas; a ligação com a música folclórica, a música telúrica era a forma
de estarmos ligados a algo mais genuíno. América do Sul, militares, toda aquela
história… De facto, quando foi o golpe de Estado isso sofreu um corte. A pessoa
sente que há um muro, e isso aproximou-me de outros assuntos. A Argentina
pertence à América do Sul, a Argentina não é Europa, Buenos Aires não é Europa,
é América do Sul, é terceiro mundo e pertencer ao terceiro mundo e à América do
Sul implica a relação com um tipo de expressão que cada país tem, podemos
chamar de folclore e que hoje é conhecida como música étnica. É a música que se
faz há 300, 500, 1000 anos, depende dos países. No meu país há 200 anos e tal,
não tem muito mais história. Mas o folclore foi um apelo, e do folclore veio
uma linha de expressão, digamos, chamada projecção folclórica que admitia pegar
no material folclórico e reelaborá-lo, arranjá-lo. Durante 3 ou 4 anos foi esta
projecção folclórica que me entreteve e daí eu um dia ter percebido que sou um
habitante de uma cidade, não sou habitante da montanha, não sou habitante do
campo. Daí fiz uma espécie de regresso a Buenos Aires, ao cimento, e
prontamente aceitei a possibilidade do tango como um recurso, digamos assim, um
caminho expressivo, que nunca abandonei. E de facto eu tinha um grande conteúdo
“tangueiro” porque sempre ouvi tango e a minha primeira relação e muito forte
com o tango foi mesmo o Piazzola, antes do tango tradicional.
Depois descobri que Piazzola é um bocadinho de uma coisa
muito maior. Piazzola, enfim, não vamos falar agora de estéticas, mas a
realidade é que quem vive em Buenos Aires e for noctívago como eu e como muitos
músicos, ouve imenso tango; eu andei por todos os bares, ouvi imensos “tangueiros”,
sem fazer nunca tango, e um dia comecei a fazer. Se calhar aprendi de ouvido,
por ter estado com os “tangueiros”. Não me considero um especialista, mas
pronto, toquei tango e toco e gosto muito de tango.
Não posso deixar de mencionar o líder, por assim dizer,
desta possibilidade de procurar materiais de uma fonte e reelaborá-los de
diferente forma para ir a outra fonte; estou a falar de Bela Bartok, que num
certo sentido teve seguidores no mundo inteiro, na sua altura: Alberto
Ginastera, Heitor Villalobos, Fernando Lopes-Graça. Em cada país há pelos menos
um compositor em que nós sentimos um neo-bartokianismo nos
anos 40, 50. É evidente, e graças a Deus, foi bom, porque tem um aspecto
cultural fascinante. Mas eu, com toda a honestidade, sou um grande apreciador
de muitas das expressões folclóricas. As que eu mais conheço são as do interior
da Argentina onde eu incluo o tango como um folclore urbano. Quer dizer, o
tango é mesmo uma matéria cultural, uma expressão de cidade, urbana, como pode
ser o rock ou o blues, e não consigo ver diferença entre isso e o que acontece
a 1000 Km ao norte de Buenos Aires, Chacarera,
Samba, folclore, enfim, as expressões de montanha ou da terra ou de campo ou do
mar. E de uma riqueza que nunca mais acaba! São precisas várias vidas para
poder usufruir… Mas mais do que uma influência, aquilo é um material que estou
constantemente a consultar para usufruir. Enfim, se calhar estou a fazer mal
mas valho-me daquilo…saboreio aquilo e utilizo.
Bartok falava num folclore natural, um folclore puro, um
folclore imaginário, ou mais ou menos assim. Eu sinto-me bastante perto disso.
Ou seja, há um material rítmico, melódico, harmónico… Neste momento eu não sou
um especialista; evidentemente que posso falar, escrever algumas coisas… E eu
aprecio um bombo, chama-se um “bombo legueiro”, porque ouve-se a uma légua,
aquele bombo que acompanha a guitarra e o cantor e tem o sabor de uma boa
comida! Ou uma dança verdadeira! E isso, para mim, é inspirador. Não saberia
explicar o que é a inspiração, o que eu sei é que para o artista, o pintor, o
escritor, há um momento em que no acto criativo, não há distância entre o
criador e aquilo que é criado e se calhar, para um psicólogo, é uma aproximação
a isto que será a inspiração ou “ter a veia”, não sei. Mas há um momento em que
não há distância, é quase directo.
Vinda para Portugal
Vim para Portugal em 1990, o que terá eventualmente
alterado uma certa estética…
Nos 3 a 4 anos anteriores eu havia criado ou inventado
este projecto El Borde na Argentina, mas devo confessar que
a situação do meu país - económica, social, a minha (pessoal), etc. - fez com
que eu sempre tivesse grupos: quartetos, quintetos. Mas grupos que estavam mais
relacionados com a música popular. Só que eu fazia arranjos tão complicados
para o folclore que quem visse de fora sentia, digamos, uma espécie de
demonstração da minha impotência para entrar pelos canais naturais. E então eu
torturava o músico para montar coisas que eram supostamente música popular,
folclore e tango. Os primeiros El Borde’s eram… enfim.
Para montar cada música, era uma tortura e eu consigo perceber porquê, mas não
aderiria novamente a uma forma de agir dessa natureza. Quando cheguei aqui
tinha “fresco” este assunto do El Borde, fiz algumas
tentativas. O tango foi uma parte da minha vida mas é uma parte relativamente
pequena, o que não impede que eu possa tocar bem um “tanguito” e desfrute ou dê
concertos de tango no piano ou improvise num piano. É uma parte que eu desfruto
muito na minha actividade como profissional mas é pequena, quer dizer, como
compositor escrevo, digamos assim, muito mais música.
Na Argentina, é evidente que, como músico profissional
era complicado porque tinha que aceitar um certo tipo de trabalhos como músico
porque não conseguia encaminhar-me da forma mais adequada, por assim dizer.
E em Portugal, depois de 2 ou 3 anos, consegui
“reacomodar” o que eu achava que era a forma que me interessava de agir como
músico. Enfim, o compositor, como todos sabemos, tem uma vida complexa, não é
fácil. Mas consegui recuperar um pouco a confiança em mim próprio. Depois a
partir de determinado momento (nos últimos 6 ou 7 anos) houve uma espécie de
florescimento, na minha óptica, no sentido de conseguir unir quantidade e
qualidade e, desde logo, evidentemente, ser muito mais fácil viajar. Cada vez
que consigo, tenho maiores possibilidades de contacto com outros compositores,
com outras estéticas.
La parábola del Tigre e del Espejo: o dramatismo na obra de Daniel
Schvetz
Como nasceu a parábola… Enfim, o processo não interessa;
basicamente havia uma ideia e tive hipótese de concretizar. Conseguimos ter uma
situação favorável em que eu me adaptei a um grupo instrumental que era
interessante: 2 quintetos de sopro, um quarteto de saxofones, 2 percussionistas
e um cantor, um recitante, enfim. O eixo são os poemas de Jorge Luís Borges e um poema de Fernando Pessoa que
era uma espécie de convidado de Borges.
Chama-se Um poema, é um poema
com uma riqueza sintáctica e sonora bestial. Parece um trocadilho sendo um
texto. Eu tenho fascínio pela sonoridade da palavra falada cujas consequências
me emocionam profundamente, fora do próprio sentido das palavras. Está bem
construído, é uma arquitectura fascinante! Esse como tantos outros poemas de
Pessoa e de outros portugueses. E digamos que o primeiro assunto foi a escolha
dos poemas. Como monto algo com coerência se só escolher os poemas que eu
gosto? Então tentei procurar grupos temáticos, por assim dizer, para tentar
montar algo: “Vamos lá, vou procurar 1 ou 2 poemas do Borges.” Metafísicos, o
Homem, o ser, enfim, a existência. Outro grupo de poemas era dedicado a D.
Quixote. Escolhi 2 ou 3 poemas. Outro dedicado ao animal ou grupo animal para
com o qual tinha, digamos assim, uma empatia especial, que são os felinos, e o
tigre em especial. Ele fala em panteras, em leões, mas há uma coisa particular
com o tigre porque há muitos poemas dedicados ao tigre, aliás faz parte do
título da peça. Depois há um grupo de poemas dedicados a personagens mesmo de
Buenos Aires: o cuchillero – que
é o homem que anda com a faca. Foram os primeiros, aqueles que foram o pontapé
inicial da figura do “tangueiro”, do guapo, do homem, do
macho… enfim. E com isso eu tentei montar uma peça que me levou a muitas
caminhadas aqui pelo mar no Verão de 2002. (Acabei de compor a peça no
princípio de 2003.) E então pensei: ”Como dar-lhe coerência?” Porque
preocupava-me a estrutura, eu não queria um grupo de canções ou de lieds sem…
enfim. Recorri a algo que me é muito caro, que é o elemento visual, digamos. A
peça tem momentos em que tocam tutti e tem
momentos em que, prontamente, tocam corne inglês, piccolo e os
2 percussionistas, outro momento em que tocam os 4 saxofones, em pé; outro
momento em que o director fica no palco, na beira do palco, e os
instrumentistas espalham-se pelo público, alguns pelo público e outros no
palco. Fica tudo desordenado, e então o cantor começa a falar sobre uma
gravação dele próprio, é o poema chamado El Otro (O Outro). O
cantor começa a falar sobre uma gravação dele com alguns efeitos – é uma gravação muito simples, não é uma tecnologia muito
sofisticada, mas é interessante a voz dele sobre ele próprio com ritmos, tudo
desfasado. Então o director dá algumas indicações e aparecem trémulos, vibratos, uns
são curtos, 3 são compridos, ou eu faço com os dedos, e dou uma ordem… Depois
noutro momento, acaba a peça, todos se põem em pé, tiram o casaco, tiram a
camisa põem um chapéu e começam a tocar um Rap – que é outro dos elementos que
meti, como o Jazz. O que mais me preocupou era não perder dramaticidade, mas
também, digamos, que não fosse exclusivamente dramático. Os textos são muito
densos.
Sinfonia Apocalíptica
Não sei se interessa contar o percurso e o porquê da Sinfonia
Apocalíptica, mas basicamente é uma peça sinfónica para um grupo
pequeno, mas interessa-me o conceito de sinfonia de obra total, por assim
dizer, de andamentos, de estrutura, e eu senti que era a terminologia que mais
se adequava. De facto é uma obra para 4, para um quarteto salomónico, quarteto
de cordas e percussão. Tem 4 andamentos standard no sentido de
que cada um tem as suas características. Esta parte foi combinada com o
director, porque deviam fazer com que aquilo funcionasse, enfim o espaço, os
tempos que vão fazer… Pegámos num tema com características celtas do compositor
Ian Anderson dos Jethro Tull, e a ideia era
que houvesse um outro instrumento fora dos 4 saxofones que tocasse aquela
melodia, mas que o público não percebesse quem é que tocava aquilo. Então
desenhámos o elemento visual que mais tem efeito: é o facto de no 4º andamento,
que se chama adaggissimo, cada instrumento tocar a solo,
portanto é a orquestra de cordas, com diferentes tipos de textura mas é um
solo: primeiro toca o saxofone tenor que acaba de tocar e imediatamente se põe
de pé e sai do palco.
Depois vem o saxo-alto e a mesma coisa: levanta-se e sai.
Já o público percebeu que cada um deles vai tocar e vai sair. O que o público
não prevê é que, acaba o 4º andamento e o director também sai atrás deles.
Enfim são uma série de receios – entre aspas – para ver o que acontece no meio;
temos 3 saxofonistas e começam a tocar com a orquestra, alcançam um pico muito
forte e de repente, do nada, surge uma melodia…free – sem tempo, ad
libitum – enfim, volta o 4º saxofonista e o saxo continua a
soar: “Quem toca o saxo? É uma gravação?” enfim… “Será o director que toca?” E
logo acaba a melodia, o saxofonista toca, o quarteto de saxo faz uma
harmonização para aquilo e depois vale a pena dizer que o 4º andamento é
dedicado a uma geração de quando eu era adolescente. Era a geração “peace
and love”, Woodstock, hippies, que depois
foram seguidos por Yuppies se calhar… É dedicada a Jimmy
Hendrix, a Jannis Joplin, e há citações pequenas de Beatles, de Jannis Joplin,
de Jimmy Hendrix, de Yan Anderson… é uma dedicatória. Por isso, o 4º andamento
é muito visual, evidentemente, a orquestra bate palmas, põe-se em pé, recita,
faz Rap…
Tonalidade/ Atonalidade?
A única coisa que eu nunca faria é defender o
indefensável, ou seja, não conseguiria dizer: a música é tonal, a música é
atonal, as texturas Ligetiana. Tudo é fonte inspiradora. Não vou prescindir de
um dó-mi-sol, não vou prescindir de uma relação tónica dominante, como não vou
prescindir de um som que durante 5 minutos muda o seu timbre ligeiramente – se
isso for necessário – e pronto, e se justifica. Ou seja, a informação que nós
temos é tão grande e eu sou amante do jazz, do rock, do rap, da música
folclórica em todas as vertentes. Uma pessoa vai caminhando pela rua e é tanta
a informação ou materiais que podemos utilizar. Como não utilizar o que aparece
numa rádio se é fonte para recriar? Claro que sim! Pelo menos é a forma como
actuam! Posso estar errado, pode estar mal… sinto que não posso ter um
compartimento estanque. Evidentemente que num período da minha vida – o
serialismo integral – pensava ter controlado tudo e eu sinto que a pessoa
consegue controlar ou ter materiais. Mas por outro lado, o controlo vem da
distância entre aquilo que eu pretendo fazer e eu próprio; ser razoavelmente objectivo
e fiel a mim próprio. Não sei se sou, mas faço a tentativa.
Honestamente, se me perguntarem: “Quando foi tonal?
Quando foi texturas esquisitas? Quando foi… não se percebe a percepção…” É
claro que agarro a partitura e faço uma descrição. Quando eu era pequeno,
sentia que o acto criativo tinha uma componente instintiva… o gesto criativo do
pintor, do poeta… esse impulso – que pode ser pequeno, pode ser grande, tem uma
componente animal – no melhor dos sentidos. Um animal tem uma cabeça, tem um
estômago, tem um corpo, e eu prefiro aceitar essa minha animalidade nesse
sentido. O instinto está! E a cabeça pode orientar o instinto.