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World New Music Days 2025
Sede de Mudança


>> World New Music Days 2025 (Lisboa–Porto) · Programa

por Miguel Azguime
25 de Abril de 2025


Tem sido uma longa viagem!

   Em 1999, a Miso Music Portugal passou a integrar a ISCM – International Society for Contemporary Music, como a nova Secção Portuguesa, após aprovação em Assembleia Geral realizada na Roménia. Este convite, feito pelo Comité Executivo da ISCM, surgiu na sequência da cessação de actividade da anterior secção nacional, em 1995, marcada pela perda irreparável de Jorge Peixinho, figura maior da criação musical em Portugal. Compositor visionário, pedagogo influente e incansável dinamizador cultural, o seu legado continua a inspirar gerações e merece o mais alto reconhecimento.

Com o desaparecimento de Jorge Peixinho, recaiu sobre uma nova geração de compositores – entre os quais os membros da Miso Music Portugal – a responsabilidade e o impulso para dar continuidade à abertura de Portugal à cena internacional da música contemporânea, seguindo o caminho que ele corajosamente desbravara.

Foi assim que, no ano 2000, a Miso Music Portugal participou, pela primeira vez, nos ISCM World New Music Days, no Luxemburgo. Desde então, mantivemos uma presença contínua e activa, representando Portugal, com a música de muitos compositores portugueses nas edições deste prestigiado festival internacional.

Ao longo destes 25 anos, várias vezes acalentámos o sonho de trazer o WNMD a Portugal. Houve tentativas, projectos, vontades partilhadas – mas também obstáculos, dificuldades e sucessivos compassos de espera. Contudo, como nos ensina o ditado: «só é vencido quem desiste de lutar», foi com perseverança, convicção e muito trabalho de fundo, que finalmente se reuniram as condições para acolher em Portugal esta celebração mundial da nova música.

Este momento reveste-se de um significado muito especial. A concretização deste sonho acontece num contexto de grande vitalidade artística no nosso país. A música contemporânea portuguesa tem vindo a afirmar-se, tanto pela qualidade como pela diversidade das suas propostas criativas. Isso deve-se, em grande parte, à extraordinária evolução do ensino da música em Portugal, ao aparecimento e profissionalização de numerosas orquestras, agrupamentos, solistas e compositores, e ao longo trabalho, passado e presente, de algumas instituições, que hoje posicionam Portugal como um dos polos emergentes da criação musical contemporânea na Europa.

Este festival é, por isso, mais do que uma conquista: é um ponto de encontro, uma janela para o mundo, e uma celebração da música de invenção e pesquisa como linguagem musical de futuro.

Organizar, pela primeira vez em Portugal, o Festival ISCM World New Music Days, representa para nós uma responsabilidade profundamente sentida. Este desafio foi assumido com o propósito claro de respeitar e promover a visão da ISCM, salvaguardar a sua missão histórica e celebrar o notável percurso desta organização centenária, que tem sido uma referência global na promoção da nova música.

Ao longo de décadas, a ISCM tem contribuído de forma decisiva para a circulação de ideias, a partilha entre culturas e a construção de pontes de respeito mútuo entre os povos através da música contemporânea. Dar continuidade a este legado, agora em solo português, é motivo de grande orgulho.

O programa que apresentamos em Portugal é, por conseguinte, o resultado de um processo longo, exigente e profundamente colaborativo. Envolve não só um compromisso artístico e a logística de dezenas de eventos, mas também um diálogo contínuo com criadores, intérpretes, parceiros institucionais e equipas artísticas e técnicas – todos movidos pela convicção de que a música tem um papel essencial na sociedade contemporânea.

É com esse espírito de abertura, escuta e celebração da diversidade artística que damos as boas-vindas a todos os que se juntam a nós neste festival – artistas, público, delegações internacionais, instituições culturais e educativas. Que esta edição do WNMD em Portugal seja não só um momento de excelência artística, mas também um espaço de encontro, reflexão e partilha.


Uma visão inclusiva e plural da criação musical contemporânea

   Desde o início, quisemos que este festival refletisse uma visão inclusiva e plural da criação musical contemporânea – uma programação que acolhesse a diversidade estética, a multiplicidade de linguagens e geografias, mas sempre com critérios de exigência e rigor, por mais subjectivo que o conceito de qualidade possa parecer quando falamos de arte. Procurámos um equilíbrio consciente entre pensamento e técnica, entre originalidade e profundidade musical.

Por isso mesmo, optámos por não concentrar a responsabilidade curatorial num único director artístico. Em vez disso, decidimos constituir um júri internacional alargado, composto por 18 personalidades de reconhecido mérito no panorama musical global, representando uma vasta gama de culturas, escolas e sensibilidades. Esta abordagem visou garantir não só a equidade e a representatividade, mas também a transparência e a integridade do processo de selecção.

Cada obra submetida no âmbito do Call for Works foi avaliada por, pelo menos, três membros do júri internacional, respeitando escrupulosamente o princípio de eliminação de conflitos de interesse. Ainda que muitos dos membros fossem compositores, assegurámos que nenhum tivesse acesso a obras com as quais pudesse ter qualquer ligação pessoal, institucional ou profissional.

E quero aqui expressar publicamente a minha gratidão a todos os membros do júri: Adrian Moore (Reino Unido), Ângela da Ponte (Portugal), Doina Rotaru (Roménia), Flo Menezes (Brasil), Franz Martin Olbrisch (Alemanha), Gilles Gobeil (Canadá), Guillaume Bourgogne (França), John McLachlan (Irlanda), Lorraine Vaillancourt (Canadá), Masataka Matsuo (Japão), Michal Rataj (Tchéquia), Miguel Azguime (Portugal), Peter Swinnen (Bélgica), Petter Sundkvist (Suécia), Ramón Souto (Espanha), Rozalie Hirs (Países Baixos), Rui Penha (Portugal) e Valerio Sannicandro (Itália).

O seu trabalho foi longo e exigente. Ainda assim, a generosidade, competência e entusiasmo com que abraçaram esta tarefa foram notáveis. Foram várias as ocasiões em que me transmitiram, com sincera exaltação, a qualidade e diversidade das obras recebidas – facto que só tornou o processo de selecção ainda mais difícil, e em certa medida, «doloroso». Se tivéssemos programado tudo o que merecia ser ouvido, este World New Music Days em Portugal iria durar um mês inteiro!

A esta selecção principal, somaram-se depois as propostas e preferências das direcções artísticas dos agrupamentos, orquestras, solistas e maestros convidados, bem como os condicionalismos inevitáveis da disponibilidade dos recursos. É sempre assim!

Nesse sentido, a minha função foi muito menos a de um «director artístico» tradicional e muito mais a de um coordenador de vontades e visões plurais – e ainda bem. A riqueza desta programação resulta precisamente dessa confluência de olhares, da convivência entre diferentes ideias sobre o que é – e pode ser – a nova música, hoje, como desde sempre!


Estratégias de programação

   A candidatura que a Miso Music Portugal apresentou em 2022 à Sociedade Internacional de Música Contemporânea para a realização do World New Music Days em Portugal continha já, de forma clara e consciente, todos os genes fundadores da nossa missão artística, informativa e cultural.

Desde logo, a constituição de um júri internacional alargado, capaz de garantir uma selecção rica, diversa e representativa de obras oriundas de todo o mundo, reflectia a nossa visão de um festival verdadeiramente plural e global – um espaço onde todas as vozes pudessem ser ouvidas, independentemente da geografia, da estética, do credo, do género ou da geração.

Defendemos também, desde o início, a presença dos músicos portugueses em todos os concertos, como afirmação clara das capacidades extraordinárias das novas gerações de intérpretes em Portugal. Gerações que se destacam não apenas pelo seu virtuosismo técnico e qualidades musicais, mas sobretudo pela abertura, criatividade e empenho com que abraçam os desafios colocados pelas novas linguagens musicais – marcando, assim, uma verdadeira mudança de paradigma na forma como a música contemporânea é interpretada, sentida e comunicada no nosso país.

Outro dos pilares da nossa proposta foi a integração dos recursos tecnológicos em todos os programas do festival. Este aspecto tornou-se incontornável face à crescente centralidade que os meios electrónicos, digitais e multimédia assumem na criação musical contemporânea. O festival World New Music Days em Portugal pretende, assim, ser não só um palco para a exploração estética da música, mas também do próprio som, da imagem e da interacção entre o acústico e o electrónico, entre o físico e o digital – respondendo ao apelo dos compositores e compositoras que trabalham na vanguarda da inovação musical.

Com igual importância, quisemos estimular e apoiar a presença física dos compositores e compositoras, facilitar a sua vinda a Portugal, favorecendo o encontro directo entre criadores e público. Este contacto é um dos grandes valores da ISCM e representa uma rara oportunidade para dar voz a quem escreve a música, para ouvir as histórias por detrás das partituras, e para humanizar a escuta – tornando o festival não apenas uma sequência de concertos, mas um encontro alargado de ideias, de culturas e de experiências criativas.

Por fim – e talvez o mais importante –, este projecto ambiciona criar relações duradouras entre compositores e intérpretes. Propusemo-nos proporcionar tempo, espaço e condições para que esse encontro se desse de forma real, orgânica, artística. Porque acreditamos que os melhores resultados não nascem apenas do domínio técnico, mas da colaboração, do diálogo e da cumplicidade criativa. O que aqui se planta são sementes de futuro, no solo fértil da arte musical e da escuta mútua.


Arte musical e consciência ecológica

   Para além da sua vocação enquanto espaço de celebração da criação musical contemporânea, o ISCM World New Music Days 2025 em Portugal integra uma dimensão ambiental e ecológica, assumida de forma explícita através do tema Sede de Mudança.

Esta temática propõe-se estabelecer um diálogo entre a política ecológica e a expressão artística, colocando em destaque o dilema fundamental que atravessa a contemporaneidade: crescimento ou vida?

Neste contexto, a água, enquanto elemento vital e vulnerável, ocupa um lugar central, particularmente em Portugal, onde os fenómenos de escassez se agravam e representam já uma ameaça concreta às comunidades.

O festival ISCM World New Music Days, com a sua história centenária e projecção internacional, constitui um palco privilegiado para estimular a reflexão e a consciencialização em torno destas questões. A edição de 2025 em Portugal oferece, assim, uma oportunidade única para dedicar espaço e tempo a uma agenda ecológica que se impõe cada vez mais como urgente e inadiável.

Compreendemos que a música, enquanto forma de arte, não se limita à dimensão estética do som e do silêncio: ela espelha o pulsar das sociedades, traduzindo preocupações, inquietações e esperanças colectivas.

A actual crise climática exige mais do que respostas políticas ou avanços tecnológicos; requer uma nova consciência emocional e colectiva, capaz de mobilizar, sensibilizar e transformar.

É precisamente neste terreno que a criação artística e musical podem desempenhar um papel decisivo: despertando sentidos, inspirando acções e forjando novos imaginários capazes de projectar futuros sustentáveis.

A programação privilegiou, quando pertinente, obras que exploram directamente estas temáticas e convocou um colóquio intitulado justamente Thirst for Change (Sede de Mudança) com a participação de pensadores e compositores convidados que permitirá aprofundar a reflexão sobre o papel da arte na construção de uma consciência ecológica.

O World New Music Days 2025 será, assim, uma plataforma artística que afirma que a música é também uma forma de agir e que a escuta é também uma forma de transformar!


Diálogo entre o global e o local

   No centro da programação está o Call for Works que lançámos no âmbito do World New Music Days 2025 e que foi cuidadosamente estruturado em torno de 14 categorias musicais distintas, contemplando uma ampla diversidade de formações e contextos performativos:
• Orquestra
• Ensemble de grande dimensão (Large Ensemble)
• Ensemble de média dimensão (Medium Ensemble)
• Ensemble de pequena dimensão (Small Ensemble)
• Orquestra de cordas
• Quarteto de cordas
• Trios
• Duos
• Ensemble de percussão
• Obras a solo (soprano, clarinete, saxofone, piano e violoncelo)
• Coro juvenil
• Guitarra portuguesa a solo
• Música electroacústica / acusmática
• Instalações audiovisuais
(Em todas estas categorias, foi prevista a integração de meios electrónicos e multimédia.)

Estas categorias não surgiram por acaso: reflectem desde o início as escolhas e compromissos artísticos assumidos pela equipa do festival, em articulação com os intérpretes portugueses e os ensembles e orquestras parceiros, com os quais estabelecemos uma colaboração sólida, de estima e de admiração.

Esses artistas e entidades – de diversas regiões do país e representando diferentes estéticas e trajectórias – aceitaram o desafio de co-construir connosco esta primeira edição em solo português de um dos mais prestigiados eventos internacionais da música contemporânea.

A definição destas categorias teve, portanto, como critério orientador a excelência da interpretação actualmente existente em Portugal, assegurando que cada obra seleccionada encontrasse intérpretes preparados, experientes e artisticamente comprometidos com o repertório contemporâneo.

Aliás, esse compromisso vai ainda mais longe. Todos os intérpretes envolvidos – desde os solistas às grandes formações orquestrais – contribuíram activamente para aquilo que poderíamos chamar de um «festival português dentro do World New Music Days». Não apenas pela presença e execução das obras resultantes do Call for Works, mas também pela inclusão de peças de compositores portugueses nos programas dos concertos, o que de alguma maneira é o surgimento do Festival Música Viva dentro do World New Music Days; Festival Música Viva que em 2025 deu lugar ao World New Music Days!

Estas escolhas reflectem a realidade viva do meio musical português, as afinidades estéticas e artísticas dos intérpretes com determinadas obras ou autores, bem como a vontade de dar voz à criação nacional no contexto de um palco verdadeiramente internacional.

Assim, cada concerto é mais do que um alinhamento programático: é um testemunho do diálogo entre o global e o local, entre a criação contemporânea internacional e a riqueza plural da música portuguesa dos nossos dias.

Em certos casos, os programas foram ainda enriquecidos por afinidades electivas – relações artísticas entre obras ou autores que surgiram de forma espontânea durante o processo de programação – ou pela vontade expressa de celebrar compositores de referência, cuja obra se impõe como ponto de contacto entre gerações ou como farol da criação actual.

O resultado traduz-se em 27 espectáculos e outras actividades paralelas ao longo de nove dias intensos de programação, com a apresentação de mais de 140 obras, em representação de 44 países distintos, sendo 40 delas assinadas por 40 compositores portugueses diferentes – um número que, por si só, evidencia a vitalidade e a diversidade da música contemporânea criada em Portugal.


Os Intérpretes e os Parceiros

   Para além de um percurso de desenvolvimento musical de décadas, ao qual já me referi neste texto, e que é devido a algumas instituições de grande relevo no panorama musical português e à acção de alguns indivíduos missionários e porventura visionários também, a possibilidade de realização deste festival não teria passado de uma mera ideia, se não fossem:

– Os numerosos parceiros que desde a primeira hora se juntaram à Miso Music Portugal (por ordem alfabética): Casa da Música, Centro Cultural de Belém, Culturgest, Fundação Calouste Gulbenkian, MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, Metropolitana, Mosteiro dos Jerónimos, Museu Nacional dos Coches, São Luiz Teatro Municipal.

– Os apoios das instituições que acreditam na importância desta realização (por ordem alfabética): BPI / Fundação “la Caixa”, Câmara Municipal de Lisboa, Câmara Municipal de Odemira, Câmara Municipal do Seixal, DGArtes, Fundação Calouste Gulbenkian.

– As competências musicais, entusiasmo e a cumplicidade das orquestras e ensembles que ao WNMD 2025 se associaram (por ordem alfabética): Camerata Alma Mater, Concrète [Lab] Ensemble, Coro Infantil e Juvenil da Universidade de Lisboa, Komorebi Duo, MPMP Património Musical Vivo, Nova Era Vocal Ensemble, Orquestra Gulbenkian, Orquestra Metropolitana de Lisboa, Orquestra Sinfónica do Porto, Quarteto de Solistas da Metropolitana, Remix Ensemble, Sond’Ar-te Electric Ensemble, Sond’Ar-te Trio.

– E os maestros e solistas de excepção que no WNMD 2025 participam (por ordem alfabética):Ana Pereira, Ana Paula Rodrigues, André Henriques, Andrea Conangla, Brad Lubman, Camila Mandillo, Elsa Silva, Emily Hindrichs, Erica Mandillo, Filipe Quaresma, Frederic Cardoso, Gonçalo Pinto, Henrique Portovedo, Hugo Vasco Reis, Ilan Volkov, Jade Mandillo, Joana Cipriano, Joana Negrão, João Barros, João Casimiro de Almeida, João Quinteiro, José Eduardo Gomes, José Pedro Ribeiro, José Pereira, Miguel Amaral, Mrika Sefa, Nuno Abreu, Nuno Pinto, Nuno Rodrigues, Pedro Carneiro, Pedro Neves, Raúl da Costa, Rita Castro Blanco, Rui Silva, Vítor Vieira.

A todos eles, pessoas e instituições, é devido um imenso agradecimento pela sua cumplicidade e entusiasmo.

E finalmente, antes de tudo e de todos, há uma gratidão que permanecerá inesquecível à equipa da Miso Music Portugal que há quatro anos se dedica sem limites à preparação deste evento sem precedentes para todos nós em Portugal!

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