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António Ferreira


Ouçam também a entrevista e a música de António Ferreira em:
Arte Eletroacústica, 31 de Março de 2012, Antena 2


Questionário / Entrevista

Como começou para si a música? Onde identifica as suas raízes musicais? Que caminhos o levaram à composição?

Eu nunca pensei em ser compositor. Ou, melhor, o dedicar a minha vida ou grande parte dela à pratica musical, seja composição, seja interpretação, seja até aquilo a que designa por "tocar numa banda" não esteve nas minhas intenções. Na minha família, próxima ou longínqua, passada ou presente, ninguém se interessava por estes aspectos. A minha família têm outras valências. Assim, tudo apontava que eu seguiria a carreira do progenitor, ou seja uma engenharia qualquer. A música seria então mais um hobby, escutada talvez com prazer mas nada mais de especial. Que se passou então?

A música começa na minha modesta história, do mesmo modo que começa com muitos adolescentes: as bandas rock, concertos e agrupamentos do momento (anos 70). A amizade com um colega de liceu que tocava piano e que fundou um grupo de rock estimulou-me a curiosidade. Em 1977, lembro-me de escutarmos o LP dos Kraftwerk "Trans Europa Express". Em retrospectiva, sei agora que foi a sonoridade "estranha" da instrumentação electrónica que nos atraiu. Como esse meu amigo dispunha de alguns meios financeiros, adquiriu um sintetizador analógico. Para mim, a minha confrontação com o Korg Ms-20 foi o inicio de uma longa aprendizagem e do caminho que ainda não acabou.

Em 1981, já com alguma pratica musical autodidacta, faço um inter-rail pela Europa. Numa loja de discos em Amsterdam, ao examinar a secção de música contemporânea deparo-me com um disco que me intriga: "De Natura Sonorum" de um tal Bernard Parmeginani. A capa do LP (que ainda possuo) apresentava um senhor com ar concentrado a manipular um gravador. E os instrumentos "normais"? Nada era dito na contra capa. Quando em Portugal, escutei o disco foi um choque! Não percebi nada! Senti-me provocado: isto era música? Com audições sucessivas (o disco está actualmente arruinado!) lá surgiu um esboço de estrutura. Mas foi este o ponto em que eu despertei para composição. Queria perceber, fazer, conseguir compor assim para os sons e com os sons pela escuta e para a escuta. Assim e segundo os meus pais lá me desgracei. Desisto da Engenharia Química, trabalho na industria pesada de modo a ter meios para entrar no Conservatório Real de Haia (em 1986) onde residia então o Instituto de Sonologia de Utrech. O resto é história: decidi dedicar-me ao som em todos os seus aspectos: musicais sim mas também filosóficos, históricos, e acústicos - este ultimo revelou-se uma boa alternativa profissional visto eu não querer leccionar!

Que referências assume na sua prática composicional? Quais as obras da história de música e da actualidade mais marcantes para si?

O meu "instrumento" principal é a prática da escuta. Sendo assim, as minhas referências musicais estão ligadas a momentos e experiências que eu sinto que forma relevantes. Estas experiências tanto foram devidas a concertos como a audições de gravações quer de interpretações quer de obras que existem sob suporte. E também de algumas personalidades.

Durante a minha estadia na Holanda, houve vários eventos fortuitos que me marcaram. O conservatório teve como compositor residente Olivier Messiaen. Durante vários vezes pude escutar a integral das suas obras e assistir a inúmeras palestras do próprio. Também foi o ano em que a ICMC 1986 (International Computer Music Conference) foi ali realizada. Foi uma autêntica cornucópia de concertos, eventos e informação. Aqui, marcaram-me especialmente as estreias da peça electroacustica "Sud" de Jean Claude Risset, apresentada pelo próprio e da peça mista "lichtbogen" da Kaija Saariaho, com electrónica em tempo real controlada pela compositora. Desta minha estadia, também ficou muito presente na minha memoria a audição de uma das (longas) peças de piano do compositor Morton Feldmann, "Triadic Memories" e a serie de concertos dedicados aos minimalistas americanos.

A minha escuta é eclética e abrangente. Oiço com prazer desde Monteverdi à electroacustica mais recente. Tenho uma predilecção pelo canto barroco e pelas delicadas peças de piano de Debussy - os "Preludes" são autênticas peças de síntese sonora feitas com acordes e ritmo. Peças como o "Pli selon Pli" de Pierre Boulez que me atraem pela sonoridade cintilante mas que só "compreendi" quando estudei a respectiva partitura. A micropolifonia de Ligeti e em especial a músca produzida por aquilo que se designou a escola espectral com destaque para Gérard Grisey e os seu ciclo "Les Espaces Acoustiques" O campo da electroacústica é vasto mas destaco as composições feitas em Inglaterra nas ultimas décadas: "agarraram" a acusmatica francesa e deram-lhe uma complexidade e clareza que ainda me surpreende. Nomes? São vários: Dennis Smalley, Jonty Harrison, Andrew Lewis, Natasha Barrett, etc. Mas também escuto produção não conotada com meios mais académicos: Ryoji Ikeda, Carl Stone, Tetsu Inoue, Autechre, Oval... De facto e sempre, o som em todos os seus "sabores"!

A oposição entre “a ocupação” e “a vocação” constitui uma das questões na definição da abordagem artística do compositor. Onde, na escala entre o emotivo (inspiração e vocação) e o pragmático (ocupação), se localiza a sua maneira de trabalhar e a sua postura enquanto compositor? Podia descrever o processo subjacente à sua prática composicional?

Na minha opinião, dicotomias e oposições entre termos e conceitos são úteis para articulação do discurso escrito e falado. Na pratica das nossas vidas, aquelas esbatem-se e tendem a desaparecer. Assim, todo o meu percurso tem sido uma busca da possibilidade em juntar a ocupação com a vocação, para empregar estes termos. Há aspectos pragmáticos, do foro financeiro pessoal que tem de ser atendidos: assim a sociedade está organizada. Mas, e resgatando a palavra trabalho que tende a apresentar conotações negativas, a minha prática composicional é o meu verdadeiro trabalho, o que dá sentido à minha via. Outros terão outras soluções e o mundo é rico porque variado.

A vontade de compor está sempre presente: a escuta é o meu instrumento e está sempre a ser praticada. Agora a concretização dependerá de factores concretos da minha situação. Posso dedicar-me vários meses ao trabalho de composição sem interrupções de maior ? Ou tenho que arranjar financiamento para libertar o meu tempo ? Aqui entra a minha prática profissional como engenheiro acústico: tem relação com o som mas é suficientemente distante, em termo conceptuais, para não perturbar a minha pratica de composição. Não digo que seja fácil ou que seja sempre exequível. Mas a composição em electroacústica exige bastante tempo e paciência - tal como toda a composição mas com uma diferença: os "instrumentos", gestos e acções têm de ser todos construídos de raiz. Não há separação de tarefas entre interpretes com o seu saber e compositores que transcrevem o seu saber em instruções "normalizadas" numa pauta. Não quero com isto hierarquizar modos de composição. Mas a modalidade de escuta e as possibilidades potenciais são diferentes. No entanto, a circulação entre estas praticas tem vindo a enriquecer, na minha opinião, a música das ultimas décadas.

Há quem diga que a música, devido à sua natureza, é essencialmente incapaz de exprimir qualquer coisa, qualquer sentimento, atitude mental, disposição psicológica ou fenómeno da natureza. Se a música parece exprimir algo, é apenas uma ilusão e não realidade. Podia definir, neste contexto, a sua postura estética?

Esta é uma questão antiga, discutida no pensamento ocidental talvez desde Platão. Digo já: se a música é "ilusão" no sentido aludido, é uma belíssima ilusão! Mais, por favor! Brincadeiras à parte, deixem-me elaborar algumas reflexões.

Temos, indubitavelmente, o fenómeno acústico: vibrações mecânicas na matéria, estudada pela física clássica e pela mecânica dos fluidos. O conceito de vibração implica que exista algo que vibre. A discrição e quantificação desta vibração, em termos de fonte, energia e modos de propagação é o campo da acústica. Esta vibração pode actuar à distância: uma acção mecânica à distância. Ao encontrar um receptor apropriado, este vibra por resultado da referida acção. Se este receptor for o ouvido humano temos aquilo que nós designamos por som. Pela percepção, o fenómeno acústico passa a fenómeno sonoro. A fisiologia do ouvido evoluiu com a produção da fala humana, factor muito importante na coordenação social dos seres humanos. O fenómeno musical, por assim dizer, utiliza os meios e as realidades dos anteriores fenómenos. De facto e devido à natureza física diferenciada das vibrações, a modalidade da audição tem uma diferença perceptual em relação à visão: o tempo. É da exploração do tempo que surge a música, tal como a comummente definimos. Repetição e iteração de eventos acústicos, em escalas temporais diferentes. Se tivermos acentuações ou recorrências poderemos ter métricas e escalas musicais. A composição entra então com o jogo da memoria e dos conceitos que nós vamos recolhendo da nossa existência.

O fenómeno sonoro dá-nos muita informação: sobre a qualidade dos espaços, sobre as características das fontes sonoras, o seu posicionamento no espaço. Com a ajuda de códigos culturais, o fenómeno sonoro produz também a linguagem humana. Ora, a predisposição para a aprendizagem da linguagem humana é, ao que parece, inata. A enorme importância que esta tem na articulação social bem como o seu aspecto primordial faz com que se utilizem analogias semelhantes para a descrição do fenómeno musical. Este não "comunica" da mesma maneira que o discurso falado. Nem "precisa" pois para tal...temos o discurso falado. Mas comunica tudo aquilo que o fenómeno sonoro comunica numa organização temporal que nós percebemos como não arbitrária. Ou seja, transcende o fenómeno acústico e sonoro, ligando-nos quando partilhamos a mesma base cultural. É uma realidade cognitiva e emotiva, diferente/paralela da fala, mas sempre realidade.

Existem algumas fontes extramusicais que de uma maneira significante influenciem a sua música?

Sem querer parecer pedante, o facto é que a minha pratica composicional tem sido sempre a "captura" de fontes extramusicais (fenómenos sonoros) e a sua transformação em elementos de uma composição. Esta é uma interpretação restrita da pergunta.

Numa interpretação mais lata, direi que a decisão sobre o sucesso dessa transformação é feita com o recurso à memoria e à emoção sentida no corpo - aquilo a que António Damásio chamou de marcadores somáticos. Tenho como intenção deliberada a tentativa de "educar" os meus marcadores somáticos com recurso ao que experimento noutros campos: o que vejo, o que leio, o que penso, o que vivo. Assim, a leitura, poesia e prosa, filosófica, cientifica, literária tem uma grande presença na minha existência. Pode ser por puro prazer: alguma coisa fica que mais tarde "uso" ainda que de um a maneira não consciente.

Por exemplo, tenho lido ultimamente alguma reflexão teórica em torno da pratica da Arquitectura. O conceito da transformação do sitio físico em lugar habitável por meio de um acção tectónica (de construção) é interessante. Assim como a caracterização do lugar, natural ou edificado, em função da nossa experiencia primordial do plano do céu e da terra e como o lugar, em função do seu carácter, "pede" um determinado tipo de arquitectura. Por analogias e metáforas, conceitos como estes acabam por mais tarde guiarem-me na avaliação do fenómeno sonoro indiferenciado, tornando-o "habitável" musicalmente.

Como caracteriza a sua linguagem musical?

É curioso como, neste pergunta, podemos observar a utilização da metáfora da linguagem humana a que aludi anteriormente. É uma ferramenta conceptual jeitosa...mas deixando a minha presunção, a minha produção musical tem-se centrado na electroacústica. Hesito em dizer música electroacústica: aqui junta-se um conceito sobre o qual todos tem uma noção mais ou menos definida com um substantivo transformado em adjectivo. De facto, a electro acústica é uma técnica que trata de transdutores (micros e altifalantes), cadeias de amplificação e processamento por meio da electrónica e da electricidade. Toda a produção contemporânea musical, seja ela qual for, acaba por ser "tocada" por esta electroacústica. Mas aqui falo da pratica de "compor com os sons", no dizer de Leigh Landy. A electroacústica é simultaneamente um meio, uma possibilidade e a expressão deste tipo de composição.

"Compor com os sons" parece ser um pleonasmo. Não é toda a música feita a partir do fenómeno sonoro ? Mas aqui não se parte de um elemento conceptual como " a nota" ou a"semi-colcheia". Parte-se dos sons em si, do próprio fenómeno sonoro. É claro que tal só é exequível devido à tecnologia electroacústica. Agora, a acção sobre fenómeno sonoro "em bruto" é muito variada e tem a haver com a historia pessoal de cada compositor e da sua intenção. Para compor a partir deste material, eu utilizo metáforas e analogias. Crio uma "história" à qual se retiram as palavras e ficam só as emoções da "leitura". É uma pratica que não perdoa: se a composição não é boa não há a "muleta" da sonoridade dos instrumentos acústicos para ajudar. Uma má composição electroacústica é má de uma maneira muito obvia. Por outro lado, como resultado da manipulação intima do fenómeno sonoro, ganha-se uma profundidade de leitura do universo musical mais "comum" que eu acho extraordinária.

No contexto da sua prática enquanto compositor como podia definir as relações entre a ciência (física, acústica, matemática) e a música?

Em relação à minha pratica, não posso dizer que a ciência, em si, tenha alguma preponderância. É verdade que a electroacústica faz grande uso de tecnologia que algures na sua história se baseou em alguma ciência. Mas fora umas pesquisas que fiz há já alguns anos sobre a espacialização em formato Ambisonics não têm existido muito "dialogo". Mas é claro que estou familiarizado quer com ferramentas cientificas quer com a sua metodologia.

Há, evidentemente, bastante literatura e pesquisa em acústica musical. Em Portugal, o ênfase têm sido a acústica de salas, factor muito importante mas talvez mais afastado de preocupações composicionais. No entanto, a música continua a despertar curiosidade e existem inúmeras aproximações do ponto de vista da psicologia cognitiva, neurofisiologia, linguística, matemática, etc. Esta última tem sido sempre um campo de eleição pois os elementos conceptuais da música de pratica comum prestam-se à representação numérica. Daí a aplicar muitas das metodologias e ferramentas conceptuais da matemática (teoria de grupos, probabilidade, grafos, topologia, combinatória, etc) de modo a tentar desvendar uma qualquer estrutura oculta é um passo simples.

Por outro lado, existem várias obras e compositores que de algum modo se inspiram na ciência ou pelo menos assim o dizem. Muito acaba por ser uma espécie de sonificação de conceitos ou até dos dados brutos obtidos em várias disciplinas cientificas. Por exemplo, durante a minha estadia na Holanda, na disciplina de sistemas digitais e composição, efectuou-se uma sonificação (em MIDI) das várias funções de distribuição de probabilidades (Cauchy, Normal, Beta, Exponencial, Weibull, etc.) para escutar resultados. Há vezes estes eram surpreendentes e já se sabe, em composição tudo pode ser útil. Mas os resultados transcendem as veleidades cientificas dos compositores. Este é, para mim, o caso do compositor Iannis Xenakis. As suas composições são muito "melhores" do que os seus escritos com pendor matemático (por vezes pouco rigoroso) levam a imaginar.

Quais as suas obras que constituem pontos de viragem no seu percurso enquanto compositor?

Em 1988, já em Portugal, editei um disco na editora Ama Romanta do João Peste. Nele estavam peças que fiz durante a minha estadia na Holanda, todas com sistemas em tempo real, inspiradas nos processos interactivos simples de improvisação do músico de jazz George Lewis - que foi um dos nossos mentores. E outras que fiz para a ocasião. Esta edição, Música de Baixa Fidelidade (titulo retirado da classificação das paisagens sonoras por Murray Schaffer) foi importante pois abriu-me as portas aos mais variados contactos, especialmente aqui em Portugal. Mas sendo o pais o que é, o élan perdeu-se um pouco em breve tive me dedicar à acústica por questões de saneamento económico.

A partir de 2000 e beneficiando do acesso a meios informáticos comecei a compor de uma forma mais dedica e intensiva. A peça "A Horizontal do Vento" de 2001 foi importante: serviu de "template" às minhas peças consequentes, foi finalista no Concurso de Bourges e finalista no Prix Ton Bruynel - juntamente com uma composição do Bernard Parmeginani! Senti que um ciclo da minha vida se completava. A peça de 2009 "Les Barricades Mystérieuses" marca outra volta: consegui transcender o meu método de secções justapostas para uma organização muito mais fluida e orgânica. Pelo meio, tive a oportunidade de compor uma das peças que mais prazer me deu: "A Nova Música do Rei", encomenda da Miso Music para teatro electroacústico para crianças. Além do desafio estimulante, foi uma daquelas composições em que tudo "surgiu" naturalmente. Uma vivência que contribuiu para dar sentido a vida que eu escolhi.

O que acha sobre a situação actual da música portuguesa? Como poderia definir o papel de compositor hoje em dia?

As duas perguntas fundem-se: os compositores não vivem num vácuo social e as condições do contexto determinam, em parte, o sucesso da pratica composicional. Se vamos qualificar a música em termos de uma cultura, neste caso, a portuguesa, então temos que ter em conta dois aspectos: um aspecto local, a música que surge da sociedade portuguesa e um aspecto global, a música que surge da interacção de personalidades com um ambiente cosmopolita além fronteiras geográficas. A minha história identifica-se com este segundo aspecto mas poderia ter sido de outra maneira (podia ser, sei lá, um compositor/interprete de fado ou de música alternativa...).

Olhando para a nossa história musical cosmopolita, é talvez possível ver um padrão que se repete na actualidade: por patrocínio privado, publico ou estatal surgem excelentes compositores que aproveitam as possibilidades económicas e de circulação das ideias. O problema é quase sempre, quando estamos quase "lá" acontece uma qualquer desgraça histórica ao país. É um problema de continuidade, uma cultura musical não se improvisa num dia nem se cria por decreto.

Aqui estamos nós: existem excelentes compositores e interpretes mas de português só podem, infelizmente, utilizar o nome. A realização continuada de projectos, a existência de encomendas, de projectos inter-artes esbarra sempre com a descontinuidade do projecto socioeconómico do país. Era o que afirmava Emmanuel Nunes quando dizia que ele não tinha abandonado Portugal mas sim que Portugal o tinha abandonado a ele. Assim recentemente partiram compositores como Tomás Henrique ou o João Pedro de Oliveira. Para todos nós que aqui estamos, a palavra é resistência e manter vivo um acervo de composições que se vai enriquecendo continuamente. A música, portuguesa ou outra, só vive enquanto for "alimentada".

Como vê o futuro da música de arte?.

Mas que questão portentosa! Eu não sei... mas vou tentar especular. No que respeita à forma, sonoridades, estética é uma incógnita: provavelmente, material do passado será reciclado e rejuvenescido. Creio que sempre assim foi. No caso da electroacustica, eu estou pessimista e o ter sido recentemente juri do Concurso de elctroacustica patrocinado pela Miso Music Portugal só acentuou tal impressão - pela falta de qualidade geral das peças.

Como já afirmei. esta pratica é difícil: de compor, de apresentar, de escutar. Se calhar não é música no sentido primordial da palavra mas outra coisa que ainda não captamos. A música instrumental, mesmo aquela que se considera "difícil" é tão mais acessível - pelo menos é que pessoas não ligadas à música me dizem.

Por outro lado, falar do âmbito mais alargado da "música de Arte" é também falar das condições que esta necessita e que encontra. As organizações que permitem a sua existência estão sempre a viver no limite do precipício financeiro. Do ponto de vista dos economistas, com a sua limitada sabedoria, o elemento mais importante prende-se com produtividade. Esta não pode ser incrementada pois um concerto para 15 instrumentistas concebido no século XVIII necessita de 15 instrumentistas no século XXI. Do ponto de vista económico, o processo é então classificado como ineficiente e ruinoso. É verdade que a tecnologia e a portabilidade aumentou o publico potencial. Mas o dilema mantém-se: alguma forma de subsidio ou patrocínio (suporte estatal, incentivos fiscais) é requerido para manter a actividade da "música de Arte" (e de outras actividades performativas). É necessário manter o capital cultural tangível (edifícios, salas) e incentivar o capital cultural intangível (praticas, ideias, valores). Caro? Sem dúvida mas provavelmente muito menos do que aquilo que se gasta a manter agentes de um certo "financialismo", este verdadeiramente ruinoso.

 

 

 

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