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Armando José Fernandes (1906-83)


Nascido em Lisboa, no dia 26 de Julho de 1906, Armando José Fernandes começou por seguir o curso de Engenharia, só decidindo consagrar-se à música em 1924, apesar de se sentir atraído por esta arte desde cedo. Iniciou os seus estudos no Conservatório Nacional de Lisboa em 1927, tendo tido como professores Alexandre Rey Colaço e Varela Cid (Piano), Luís de Freitas Branco (Ciências Musicais) e António Eduardo da Costa Ferreira (Composição). Completou o curso em 1931, obtendo o 1º prémio de piano e o prémio Rodrigo da Fonseca. Tendo-lhe sido atribuída uma bolsa pela Junta Nacional de Educação, aprofundou, entre 1934 e 1937, os estudos de piano e composição em Paris com Alfred Cortot, Nadia Boulanger, Paul Dukas e Igor Stravinsky. Os seus estudos no estrangeiro incluíram ainda a pesquisa sobre a música dos contrapontistas portugueses, a que viria a dedicar parte da sua actividade.

Grupo dos Quatro

Ainda aluno do Conservatório Nacional, Armando José Fernandes integrou um grupo de jovens unidos no esforço pela valorização da música em Portugal. Conhecido como o “Grupo dos Quatro” era constituído por Pedro do Prado, Fernando Lopes-Graça e Jorge Croner de Vasconcelos, com o qual Armando José Fernandes manteria uma amizade até ao fim da vida.[1] Entre as iniciativas deste grupo distinguiram-se por um lado a organização de concertos para a apresentação das suas obras e, por outro, a publicação de uma revista chamada “De Música: Revista da Associação Académica do Conservatório Nacional de Música”, em que eram analisadas obras contemporâneas de autores nacionais e estrangeiros, assim como vários aspectos e problemas da música portuguesa.[2]

Pianista e compositor

De meados dos anos 20 e 30 do século XX datam-se as primeiras obras para piano de Armando José Fernandes, dedicadas aos seus professores, nomeadamente os “Cinco prelúdios” (1928) e “Scherzino” (1930). De 1940 a 1942 foi professor de Piano e Composição na Academia de Amadores de Música. Em 1942 foi convidado a integrar o recém-criado Gabinete de Estudos Musicais na Emissora Nacional, tendo-se dedicado exclusivamente à composição. Em 1953, entrou como professor de Composição no Conservatório Nacional de Lisboa, cargo de que se jubilou ao completar 70 anos (1976).[3]
Armando José Fernandes foi compositor e pianista de mérito reconhecido, preferindo o recital a solo e a música de câmara. Às obras da juventude e amadurecimento, até ao inicio dos anos 40, seguiu-se a fase de maior produtividade, a que corresponde também um maior experimentalismo no plano da instrumentação, com obras para diversos instrumentos e piano, ou para instrumentos solistas com orquestra. Durante os anos em que esteve ligado ao ensino a sua produção foi reduzida, e é nela que se inscreve o seu interesse pela música portuguesa para instrumentos de tecla do século XVIII. Já reformado do ensino, compôs ainda duas obras por encomenda.[4]

Armando José Fernandes foi galardoado com os prémios de composição: Moreira de Sá (Porto, Orpheon Portuense, 1944) pela Sonata em ré menor para violoncelo e piano; e o prémio do Círculo de Cultura Musical (Lisboa, 1946) pelo conjunto da sua obra. Na maioria, as obras do compositor são dedicadas quer aos seus mestres, quer aos mais destacados intérpretes da sua época.

Armando José Fernandes morreu há 30 anos, em 1983, em Lisboa.

A linguagem

Embora a linguagem de Armando José Fernandes, harmonicamente cromática na cor e formalmente neoclássica no espírito, traduza um carácter cosmopolita, permeável quer à sensibilidade de Fauré ou Ravel quer ao construtivismo de Hindemith, não é isenta de inspiração portuguesa graças à eventual motivação em temas populares portugueses. Como escreveu Alexandre Delgado em 2006 por ocasião do centenário do compositor: “Num estilo neoclássico de grande elegância, Armando José Fernandes cultivou um refinamento harmónico descendente de Fauré e Ravel, em que a sensualidade se combina com um geometrismo algures entre a Art Déco e o cubismo, fortalecido pela aprendizagem com Nadia Boulanger e refrescado pelo exemplo de Stravinsky.”[5]

O piano, a solo, com orquestra ou em pequenos grupos de câmara, está presente em quase toda o obra do compositor. Tendo sido descrito como "seguidor de um caminho neoclássico mais convencional, embora com grande subtileza”[6], a ideia da personalidade intimista de Armando José Fernandes reflecte-se na sua predilecção pela música de câmara. “Foi na música de câmara e na música concertante [por exemplo na Suite Concertante para cravo e orquestra de câmara, encomendada pela Fundação Calouste Gulbenkian em 1967] que se concentrou o melhor do talento de Armando José Fernandes, porventura o compositor português que mais se aproximou de um ideal de música «pura», isenta de sugestões extramusicais”[7], enfatiza Alexandre Delgado.
Entre 1944 e 1946 Armando José Fernandes compôs três sonatas para violoncelo, violeta e violino, todas com acompanhamento de piano. "Captando muito da personalidade de cada instrumento, esse conjunto atinge porventura o ponto mais elevado no Larghetto da sonata para violino, uma das inspirações mais pessoais do compositor (...).”[8] As três sonatas foram escritas em resposta à encomenda do Gabinete de Estudos Musicais da Emissora Nacional, onde Armando José Fernandes ingressou em 1942 e para o qual compôs ainda obras como o Concerto para violino (1948), a Suite para cordas (1950), o Concerto para piano e orquestra de cordas (1951; versão para orquestra sinfónica de 1966) e o Quinteto para piano e cordas (1953), mais tarde convertido em Quarteto com piano (1956).[9]

No âmbito da música “pura”, ao qual há que acrescentar as obras para piano solo, surgem como excepções o bailado “O Homem do Cravo na Boca” (1941) e o poema sinfónico “O Terramoto de Lisboa” (1961), ambas encomendas oficiais, “das quais a primeira merece atenção por partilhar alguma da costela balética dos compositores do século XX que Fernandes mais admirava.”[10]

A vertente “nacional” ou folclórica na sua obra manifesta-se em várias peças como as “Três canções populares” (1942) ou na “Fantasia sobre temas populares portugueses” (1945), a par das harmonizações de canções populares. Nesse contexto utilizou motivos próximos da música tradicional portuguesa criando uma simbiose entre o popular e o cosmopolitismo que o influenciou durante a sua estadia em França, conjugando o cromatismo e a dissonância, sem abandono da tonalidade e recorrendo com frequência aos modos antigos assim como às formas do passado dentro da corrente neoclássica.

Como nos diz Nuno Barreiros: “Armando José Fernandes permaneceu igual a si próprio, não se aventurou por caminhos que podiam convir menos ao seu temperamento (...). Manteve-se numa atitude de coerência e de fidelidade ao seu mundo psicológico. A sua obra apresenta assim, desde as primeiras às últimas obras, uma homogeneidade exemplar.”[11]

Armando José Fernandes no YouTube

Prelúdios nos. 1-3 (1928)
Samuel Lercher – piano

Quarteto com piano - Adagio cantabile (1956)
Nella Maissa – piano
Manuel Villuendas – violino
Clélia Vital – violoncelo
Barbara Friedhoff – viola

Suite concertante para cravo e orquestra de câmara (1967)
José Carlos Araújo – cravo
Orquestra do Conservatório Nacional
Rui Pinheiro – direcção
1. Prelúdio
2. Fughetta
3. Scherzo
4. Elegia
5. Eco e Rondo

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1 Catarina Latino, “Fernandes, Armando José” em: Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX; direcção: Salwa Castelo-Branco; Lisboa 2010, p. 471
2 ibidem
3 José Carlos Picoto e Adriana Latino. "Fernandes, Armando José." Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Acessado em 12 de Março de 2013 http://www.oxfordmusiconline.com/subscriber/article/grove/music/09490
4 Catarina Latino, op. cit., p. 471-72 5 Alexandre Delgado, “Neoclassicismo sem Bafio”, Fundação Calouste Gulbenkian (Gulbenkian Música), “Not@s Soltas - Pontos de vista”, Lisboa 2006
6 Ivan Moody, "Mensagens: Portuguese Music in the 20th Century". Tempo. New Series, 198 (1996). p. 4. Disponível em JSTOR
7 Alexandre Delgado, op. cit.
8 ibidem
9 ibidem
10 ibidem
11 Nuno Barreiros citado em: Alexandre Delgado, op. cit.

 

 

 

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