Em foco

Miso Music Portugal


A arte que se faz aqui e agora é uma aposta para o futuro, sendo, juntamente com a investigação científica, um dos garantes da nossa identidade e da nossa capacidade para dar resposta aos desafios do presente.[1]

Miguel Azguime

A Associação Cultural Miso Music Portugal, à qual em 2013 foi atribuído o estatuto de Instituição de Utilidade Pública, e em 2014 o estatuto de Associação Juvenil, nasceu como uma extensão do Miso Ensemble, para desenvolver e promover a criação musical contemporânea em Portugal e além fronteiras. Os seus fundadores e directores, Paula e Miguel Azguime, compositores, intérpretes e artistas pluridisciplinares, desenvolvem há quase 30 anos um trabalho pioneiro e incansável no campo da nova música, contribuindo de uma maneira activa para a expansão da arte contemporânea e para a valorização adequada do património musical português. "Se há acontecimentos de relevo na história da música portuguesa”, diz o compositor Cândido Lima, “um desses acontecimentos é o aparecimento da Miso Music Portugal (...). (...) atingiu (…) a cena internacional numa projecção poucas vezes antes vista, granjeando o respeito de individualidades e de instituições das mais proeminentes, que os músicos e as instituições portuguesas e de inúmeros países têm vindo a testemunhar. O pais dispõe, com a Miso Music Portugal, de um dos instrumentos culturais mais relevantes da música portuguesa dos tempos modernos."[2]
A partir do final de Outubro grande parte das actividades desenvolvidas pela Miso Music Portugal passarão a ser acolhidas no O’culto da Ajuda em Lisboa, sendo que a inauguração deste novo espaço para a Arte livre constituirá um dos primeiros acontecimentos para assinalar os 30 anos de actividade desta associação, aniversário que se irá celebrando ao longo de 2015. É neste contexto que no mês de Outubro a secção Em Foco do MIC.PT é dedicada à Miso Music Portugal.

A sua filosofia muito própria de pensar e de fazer reflecte-se no nome – miso, um ingrediente tradicional da culinária japonesa feito a partir da fermentação de cereais, soja e sal, cujo simbolismo vai ao encontro de um ideal de vida, pessoal, comunitário e solidário. O miso criado segundo os processos tradicionais japoneses com uma fermentação lenta e natural, respeitando o desenvolvimento ecológico e sustentável, materializa-se simbolicamente como um sinal de contínuo crescimento e amadurecimento, de busca de um estado de equilíbrio. Este simbolismo propaga-se às iniciativas integradas e complementares que desde cedo e até hoje, Paula e Miguel Azguime têm vindo a edificar e desenvolver, primeiro em nome pessoal e depois no seio da Miso Music Portugal.

Do Miso Ensemble à Miso Music Portugal

O caminho do Miso Ensemble é um dos mais difíceis, quando vivemos num mundo onde tudo se encontra compartimentado e etiquetado. É a isso mesmo que eles escapam e com uma grande qualidade.[3]

Constança Capdeville

Criado em 1985, o Miso Ensemble construiu um percurso singular que se evidencia pela originalidade dos programas apresentados em concerto e pela diversidade das obras criadas, reflectindo uma abordagem que assenta na múltipla vertente dos seus criadores: compositores, instrumentistas, improvisadores, performers, encenadores e escritores. Tem assim este duo afirmado uma nova forma de fazer música, assumindo uma multidisciplinaridade que articula de maneira consequente meios de expressão distintos para criar obras musicais plurais, onde a utilização da tecnologia informática aliada ao som e à imagem constitui um extensão intrínseca da sua arte. O ponto de partida do Miso Ensemble foi a constituição de um duo de flauta e percussão com electrónica em tempo real, com o qual Paula e Miguel Azguime alargaram o repertório para este tipo de formação, e a partir do qual estabeleceram relações com vários músicos, apresentando-se regularmente em Portugal e no estrangeiro em mais de 700 espectáculos. Os anos 90 trouxeram uma transição gradual no que diz respeito à colaboração artística no seio do duo, conjuntura esta que propiciou a afirmação de Miguel Azguime enquanto compositor e de Paula Azguime como encenadora. Hoje em dia as criações deste Künstlerpaar configuram uma nova forma de projectar e assumir um percurso inovador para a ópera no século XXI, cujos exemplos mais recentes são as obras Itinerário do Sal (2003/06), A Menina Gotinha de Água (2011) e A Laugh to Cry (2013).

Com a evolução da linguagem e a crescente projecção internacional do Miso Ensemble surgiu a urgência de responder à necessidade de produzir e executar acções de difusão, de edição, acções pedagógicas e de fomento da criação, assim como acções de promoção e valorização do nosso património musical, tanto ao nível nacional como internacional. Neste sentido as ramificações institucionais da Associação Cultural Miso Music Portugal, acolheram não só as criações próprias de Paula e Miguel Azguime, mas sobretudo abarcaram um número importante de outros criadores em numerosas vertentes. Entre estes numerosos projectos poderíamos destacar a editora Miso Records (fundada em 1988), dedicada quase exclusivamente à criação contemporânea portuguesa, o Miso Studio (fundado em 1995), um estúdio independente para a criação, produção e difusão musicais, investigação e desenvolvimento da música electrónica e outras criações pluridisciplinares assistidas por computador, que também deu origem à primeira Orquestra de Altifalantes em Portugal, o Festival Música Viva, os Concursos de Composição, as Residências de Criação, ... entre tantos outros projectos realizados até hoje pela Miso Music Portugal. "Para mim, participar ou trabalhar directamente nas actividades [desta Associação] tem sido de enorme importância para o meu desenvolvimento artístico e intelectual", enfatiza o compositor Bruno Gabirro; "é uma instituição que desenvolve um trabalho ímpar (...) no meio musical português, e que para além disso percebe quais os problemas que se nos deparam e que, em vez de cruzar os braços, trabalha e pensa em soluções, soluções essas que aplica, tornando-as realidade."[4]

Uma janela bem aberta para o mundo da música contemporânea

A missão da Miso Music Portugal é desde sempre um desafio e um questionamento, mostrando novos fenómenos artísticos, apresentando a riqueza do mundo musical moderno (não há apenas uma música contemporânea!), mas é mesmo esta convergência entre várias estéticas que a torna tão fascinante. Hoje em dia esta Associação Cultural sem fins lucrativos constitui um Centro Nacional para a criação, desenvolvimento e promoção da música de invenção, fomentando a circulação nacional e internacional de ideias e valores, assim como de criações e espectáculos musicais e pluridisciplinares, que estimulam e promovem a arte criada aqui e agora. "A Miso Music Portugal”, testemunha a compositora Patrícia Sucena de Almeida, “tem tido um papel fundamental na divulgação da [nova] música. (...) em dois aspectos importantes: na interpretação e na composição, quer com a realização de performances, concertos e outros eventos, quer com a encomenda de obras, nomeadamente a jovens compositores portugueses. E estas actividades não se confinam só a Portugal, estendem-se pelo estrangeiro."[5]

As infra-estruturas da Miso Music Portugal foram-se desenvolvendo ao longo dos anos, muitas delas com carácter de serviço público e têm vindo a possibilitar um número vasto de iniciativas e a estabelecer estratégias fundamentais para a preservação, a investigação, a criação, a produção e a divulgação da música portuguesa.
Através do Centro de Investigação & Informação da Música Portuguesa, cujo Conselho Científico é constituído pela Profª. Dra. Isabel Soveral, pelo Prof. Dr. Paulo Ferreira-Lopes, pelo Prof. Dr. Rui Vieira Nery, pelo Prof. Dr. António de Sousa Dias, pelo 
Prof. Dr. Tomás Henriques e pelo Prof. Dr. Pedro Rebelo, a Miso Music Portugal incentiva, promove e efectua a preservação, digital e material, do património e da edição na área da música portuguesa. Este projecto de interesse nacional tem uma projecção internacional na divulgação e circulação da música portuguesa a nível mundial. O portal MIC.PT é diariamente actualizado com materiais e informações relevantes sobre os compositores portugueses, ou residentes em Portugal, com destaque para a criação musical dos séculos XX e XXI, incluindo os intérpretes regulares de música portuguesa dos séculos XX e XXI. Neste contexto é preciso destacar a edição de partituras pelo MIC.PT que tem como objectivo a distribuição de partituras de obras de compositores portugueses à escala global, tornando acessível a sua consulta on-line e download gratuito, fomentando e promovendo assim o conhecimento e a escolha de obras portuguesas por parte de instrumentistas, programadores ou o seu estudo musicológico. A edição e distribuição de partituras pelo MIC.PT é um serviço gratuito prestado aos criadores e que assegura que a propriedade total das obras permanece dos compositores. Presentemente o Catálogo de Partituras do MIC.PT, disponível online, inclui mais de 850 obras de 50 compositores portugueses.
Entre as suas várias actividades, e para além dos agrupamentos de música e teatro electroacústico que fundou, a Miso Music Portugal concebe e produz concertos e espectáculos – no âmbito da Temporada que tem consistido em ciclos de eventos ao longo do ano com programas de carácter diversificado, ou no contexto do Festival Música Viva, espaço-tempo da música portuguesa contemporânea, da afirmação da sua vitalidade, e plataforma de circulação e confronto de ideias e de estéticas, que em 2014 completa a sua 20.ª edição a ter lugar entre 21 e 30 de Novembro. Na estratégia de organização de eventos e promoção de nova música é preciso também salientar as actividades pedagógicas da Miso Music Portugal destinadas a crianças e adultos, tais como os Contos Contados Com Som, oficinas, cursos, e workshops (por exemplo o projecto internacional Compor Com Sons); assim como os programas de rádio na Antena 2, nomeadamente Arte Eletroacústica e Música Hoje, sendo o segundo dedicado sobretudo à música de várias gerações de criadores portugueses, desde os “clássicos” do século XX até aos mais jovens do século XXI. Adicionalmente, desde 2013 a Associação organiza mensalmente o ciclo das Quintas Abertas – um espaço de debate e discussão sobre a arte que se faz aqui e agora e sobre a sua condição na sociedade contemporânea.
No contexto do fomento da criação de novas obras a Miso Music Portugal desenvolve desde 2001 um intenso programa de encomendas no âmbito do qual realizou até hoje mais de 120 encomendas a compositores de diferentes correntes estéticas, destacando os criadores portugueses. É também de salientar a importância na sua estrutura do programa de residências no âmbito do Laboratório Electroacústico de Criação (LEC), assim como da parceria com o Centro para Compositores VICC-Visby (Suécia), enquanto membro da International Society for Contemporary Music (ISCM). Desde 2005 a Miso Music Portugal acolheu no LEC 17 compositores portugueses e estrangeiros, tendo também candidatado criadores portugueses para o estúdio na Suécia, contribuindo assim não só para a criação de novas obras, mas também para a projecção mundial da arte sonora made in Portugal.
A música é só por si um mundo em constante expansão, especialmente hoje, graças a certos benefícios da globalização que servem o seu propósito de comunicação universal. De entre as estratégias de promoção da criação musical, a Internacionalização da Música Portuguesa é uma componente indispensável no que diz respeito ao reconhecimento mundial da música de arte portuguesa na era de globalização. Neste sentido a Miso Music Portugal constitui um porta-voz proeminente da vitalidade que a música portuguesa tem sabido demonstrar[6], contribuindo para o seu fomento mundial em forma de concertos, edições, eventos dedicados à educação pela arte ou incentivando a sua investigação. Todas estas iniciativas são desenvolvidas no contexto da integração em redes e instituições internacionais associadas à criação musical contemporânea. Se tomarmos apenas dois exemplos a ter lugar brevemente, da acção da Miso Music Portugal no seio das redes internacionais que integra, poderíamos referir-nos à sua condição de Secção Portuguesa da ISCM, assegurando neste sentido a presença da música portuguesa nos festivais World Music Days desde 2000, um momento de eleição no calendário internacional dos eventos dedicados à nova música (este ano duas obras portuguesas integram as programações do World Music Days 2014 em Wroclaw na Polónia e do encontro IAMIC 2014 que acompanha este Festival, nomeadamente, All-in-one de Carlos Caires e Momentos-Memórias II de Cândido Lima); ou ainda à condição da Miso Music Portugal enquanto membro da Confédération Internationale de Musique Electroacoustique no âmbito da qual irá promover nos próximos dias na Universidade de Denton no Texas, EUA a realização de um concerto com obras electroacústicas de 9 compositores portugueses de várias gerações, mais exactamente de Carlos Alberto Augusto, André Castro, Simão Costa, Carlos Guedes, Filipe Lopes, Carlos Marecos, Pedro Patrício, Rui Penha e Duarte Dinis Silva. Estes são apenas dois, de vários exemplos da contribuição para a projecção internacional da música portuguesa, tornada realidade graças às numerosas filiações internacionais da Miso Music Portugal.
E finalmente, não ficaria a imagem da Miso Music Portugal completa, sem sublinhar alguns valores fundamentais por detrás de todas as suas actividades, nomeadamente, a investigação e a experimentação, processos imprescindíveis no que diz respeito à criação e ao desenvolvimento de novas linguagens e novas formas artísticas, particularmente hoje em dia quando a arte tem uma ligação cada vez mais forte à evolução científica e tecnológica das sociedades modernas. Respondendo a esta necessidade a Miso Music Portugal contribui de uma forma activa para a "descoberta" de novas linguagens no âmbito da arte sonora, promovendo a pesquisa, assim como potenciando a apresentação de obras com electrónica em tempo real ou electroacústica sobre suporte. Contudo, os valores de investigação, experimentação e, consequentemente, de abertura não se limitam apenas a descobertas sonoras, pois abrangem todas as actividades da Associação, desde as pesquisas musicológicas no MIC.PT até à produção de eventos no sentido de enfrentar e conciliar as necessidades dos criadores, por um lado e do público, por outro. "(...) não se vislumbra, tanto ao nível privado como ao nível estatal, qualquer instituição que, em termos de música contemporânea portuguesa, tenha produzido tanto, com tanta qualidade, (...)", enfatiza o compositor Tiago Cutileiro. E continua: "...o trabalho da Miso Music Portugal tem sido responsável pelo surgimento de novos compositores e novos públicos com uma formação sem paralelo na nossa história recente. É um incentivo à produção e à fruição das estéticas mais recentes estimulando os criadores, (...), a realizar e apresentar o resultado do seu trabalho, das suas pesquisas e das suas preocupações estéticas."[7]

Ao longo de 2015 a Miso Music Portugal vai celebrar os 30 anos da sua contínua actividade. Desde o inicio que os seus projectos nascem da convergência entre os vários mundos, das artes, da ciência, da tecnologia e das culturas, dando um contributo indelével para o fomento da criação musical, propagando o conhecimento de uma música que merece ser melhor identificada e fruída, uma música que se faz aqui e agora, e cuja invenção reflecte o homem contemporâneo na sua capacidade de evolução. A partir do final de Outubro muitas das actividades da Miso Music Portugal passarão a ser acolhidas no novo espaço lisboeta para a arte livre e partilha entre artistas e público, e que se designará O’culto da Ajuda. Como asseguram Paula e Miguel Azguime, os projectos que decorrerão neste novo local serão não apenas uma continuação, mas sobretudo um reforço dos ideais que desde o inicio marcam todas as nossas actividades, e que dizem respeito à solidariedade, sustentabilidade e liberdade de criação. Aqui passarão também a figurar vários novos eventos e projectos, vibrantes de criatividade, e, como sempre, surpreendentes no conteúdo artístico.
A inauguração do novo espaço vai decorrer nos dias 30 e 31 de Outubro, durante dois concertos com criações próprias de Paula e Miguel Azguime e que incluirão a participação dos Solistas do Sond’Ar-te Electric Ensemble. Todos os detalhes da programação do O’culto da Ajuda deste final de Outubro já se encontram disponíveis no site da Miso Music Portugal em www.misomusic.com.

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1 Fragmento de um artigo de Miguel Azguime, Arte, Tecnologia e o Futuro de Portugal, apresentado no Warm Up do Festival In em Lisboa a 30 de Maio de 2013
2 Cândido Lima em Testemunhos disponíveis no site da Miso Music Portugal
3 Constança Capdeville em O Diário, citação disponível no site da Miso Music Portugal
4 Bruno Gabirro em Testemunhos disponíveis no site da Miso Music Portugal
5 Patrícia Sucena de Almeida em Testemunhos disponíveis no site da Miso Music Portugal
6 É de referir aqui o termo introduzido por Virgílio Melo no texto da sua autoria, Quatro estreias, três compositores, duas gerações (10 de Dezembro de 2012, Espaço Crítica par a Nova Música), para descrever este fenómeno, nomeadamente, "o segundo Renascimento de composição em Portugal"
7 Tiago Cutileiro em Testemunhos disponíveis no site da Miso Music Portugal

 

 

 

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