Em foco

João Madureira


Entre a música e o texto

“Encaro a música contemporânea como parte integrante de toda uma evolução da música ocidental, e penso que, muito habitualmente, é exagerada a importância dos momentos de ruptura e diminuído o papel dos momentos de integração dessas rupturas num todo mais vasto” [1]

Dados Biográficos[2]

João Madureira nasceu em Lisboa em 1971 e no mundo da música contemporânea portuguesa tem uma posição de destaque. Além da composição, é também activo na área do ensino na Escola Superior de Música de Lisboa. A sua obra inclui composições para grupo de câmara, orquestra sinfónica, instrumento solo com electrónica, música vocal e lírico-dramática e também música para teatro. Após os estudos de Composição em Portugal, na Escola Superior de Música de Lisboa, com António Pinho Vargas e Christopher Bochmann, estudou também com Franco Donatoni em Siena, com York Höller na Escola Superior de Música de Colónia (com o apoio do Centro Nacional de Cultura), e com Ivan Fedele em Estrasburgo. Frequentou cursos e seminários de composição de Emmanuel Nunes, György Ligeti, Jonathan Harvey, Michael Jarrell e Magnus Lindberg. A Universidade de Aveiro reconheceu os seus estudos de Composição em Colónia com o grau de Mestre (2007), encontrando-se presentemente a preparar a sua dissertação de doutoramento em Ciências Musicais Históricas na Universidade Nova de Lisboa, com Paula Gomes Ribeiro. As suas composições têm sido regularmente apresentadas em Portugal, França, Itália, Alemanha, Inglaterra, Croácia e Espanha. Em 2003, João Madureira foi compositor residente da OrchestrUtopica. Desde 2009 preside à Comissão Instaladora da Arquipélago, Associação de Compositores de Portugal.

Linguagem Musical

“[O espectralismo]… integrou coisas físicas como a respiração…”[3]

Através do vector da música espectral, João Madureira desenvolveu uma linguagem musical que reinterpreta e desconstrói a tradição do alto modernismo na música – alguns investigadores chamam pós-espectralismo a esta tendência. “No sentido mais amplo o compositor pertence ao grupo de autores do pós-modernismo tardio para os quais o modernismo ou mesmo o pós-modernismo inicial é tão poeticamente distante como as outras práticas artísticas.”[4] Para João Madureira o espectralismo tem dois lados – o lado da libertação em relação à escrita da música serial, e o lado do “desenvolvimento de uma série de ferramentas que permitem perceber a música.”[5] O espectralismo devolveu à música o respeito pela harmonia – “esse respeito pelo lado físico dos homens e também essa honestidade de haver maior harmonicidade e menor harmonicidade… creio que tudo isso são elementos chave, são conceitos base da música muito importantes. (…) [O espectralismo é] uma linguagem que não se isola das outras, mas que se mantém num convívio, que pode ser amistoso ou conflituoso. Isso parece-me muito importante e nós hoje em dia estamos numa fase talvez pós-espectral…”[6]

“Acho imensa piada a este fenómeno duma música que é capaz de falar de outras. O que tem a ver com o facto de que toda a linguagem é metalinguagem!"[7]

O exemplo mais recente, na obra de João Madureira, de uma “alusão” muito directa à música do passado é a “Missa de Pentecostes” encomendada pela Capela do Rato, em Lisboa. A gravação da Missa foi lançada no dia 25 de Novembro do ano passado no CD intitulado “Vento” e com a interpretação do “Sete Lágrimas”. A missa constitui uma redescoberta do património musical religioso “confrontando-o com outros lugares culturais e vivências”. Na missa “convivem, várias e plurais, músicas diversas: integra-se a tradição gregoriana do Ordinário da Missa num espaço mais vasto, em que testemunhos de diferentes escritores se abraçam.”[8] “[A peça] é um repositório de diferentes expressões e citações musicais e, mais do que isso, o fruto de cruzamentos vários entre a minha expressão musical e os materiais que citei.”[9] A missa não é uma excepção na obra de João Madureira, mas um lado, se calhar mais explícito, da sua relação com a tradição.

“A música é essencialmente texto (…) e o texto tem, essencialmente, a ver com a música."[10]

Quase metade da obra de João Madureira está escrita para instrumentos e voz, quer a voz esteja a recitar ou a cantar. Outras obras, compostas para um conjunto de instrumentos diferentes, também têm uma estrutura metalinguística. A atracção pela literatura e poesia é, de facto, uma das características mais significantes da sua obra. A música tem a capacidade de agir como um grupo de sinais, e embora os seus significantes sejam os mesmos, o significado muda de pessoa em pessoa – é muito subjectivo.[11] “O próprio texto, para mim, é sempre completamente dúplice. (…) quando dizemos uma coisa, dizemos imediatamente com determinado tom e de uma determinada forma. E essa forma até pode trair o significado daquilo que nós aparentemente estamos a tentar dizer. E a partir daqui cria-se um labirinto de significações que o texto tem; porque o texto é música.” [12]

Obras Marcantes

“O Sono Que Desce Sobre Mim” (1997) – uma canção, a primeira peça em que João Madureira sentiu a vertigem de texto e música. “Poemúsica” (1998) – a peça que fica entre as instituições da poesia e da música. “Encontro” (2000) – é uma peça em que dois instrumentos, flauta e piano, estabelecem um diálogo entre diferentes interpretações de um mesmo material, diferentes possibilidades discursivas entre diferentes atitudes instrumentais. “Glosa” (2001) – o começo duma linguagem musical mais influenciada pelo espectralismo. “Três Momentos para Ana Hatherly” (2003) – a música como metalinguagem, que se insere num todo cultural. “Fulgor” (2004) – uma música de longos instantes, uma lenta evolução, subitamente convertível num instante. “Metanoite” (2007) – uma ópera que, mais do que reflectir de forma exaustiva sobre o estado do mundo, procura mostrar como ele se espelha neste microclima que é o meio artístico erudito dos nossos dias. “Lira” (2008) – surgiu da intenção de homenagear três grandes poetas portugueses: Sophia de Mello Breyner, Miguel Torga e Ana Hatherly. “ECO – A Arte da Fuga ou Bach em Pessoa” (2009) – uma interpretação composta da “Arte da Fuga” e uma revelação de Fernando Pessoa pela mão de Bach. “Missa de Pentecostes” (2010) – por um lado a tradição do Ordinário da Missa cruza-se com as técnicas contemporâneas e, por outro, as práticas da nova música são encaradas a partir da tradição medieval.

A situação da composição em Portugal

“Nada nos garante que sejamos ouvidos apesar de querermos estar completamente inseridos na sociedade."[13]

Segundo João Madureira, no mundo da música contemporânea portuguesa existe uma variedade e movimento a nível de valores individuais que infelizmente não tem reflexo a outro nível – o de apoios e estruturas dinamizadoras. É preciso fazer mais para criar uma maior unidade entre as pessoas envolvidas na composição. “As pessoas devem começar a deixar de confundir diferenças estéticas com diferenças de qualidade. Há boa música em Portugal, mas gostava que houvesse mais união.”[14] Lista de Obra Entrevista mic.pt Partituras mic.pt João Madureira no YouTube “Glosa” | Pedro Carneiro – marimba | Remix Ensemble | Sarah Ioannides “Rumor” para quinteto de metais "Noite" de João Madureira | Grupo de Música Contemporânea de Lisboa | Jean-Sébastien Béreau – direcção | Centro Cultural de Belém 1 João Madureira, “Cantos da voz: Sobre a minha Missa de Pentecostes”, “Glosas” nº 3, Lisboa 2011 2 www.joaomadureira.pt, mic.pt 3 Entrevista a João Madureira conduzida por Miguel Azguime disponível em mic.pt (Parede 2003) 4 Jelena Novak, “Metalingual Mouth of Music”, Centro de Investigação & Informação da Música Portuguesa, Parede 2006, p. 2, disponível em mic.pt 5 Entrevista a João Madureira conduzida por Miguel Azguime disponível em mic.pt (Parede 2003) 6 Ibidem 7 Ibidem 8 João Madureira no booklet do CD “Vento”, Arte das Musas / MU Records (MU0108), Lisboa 2010 9 João Madureira, “Cantos da voz: Sobre a minha Missa de Pentecostes”, “Glosas” nº 3, Lisboa 2011 10 Entrevista a João Madureira conduzida por Miguel Azguime disponível em mic.pt (Parede 2003) 11 Jelena Novak, op. cit., p. 4 12 Entrevista a João Madureira conduzida por Miguel Azguime disponível em mic.pt (Parede 2003) 13 Ibidem 14 Sérgio Azevedo, “A Invenção dos Sons. Uma Panorâmica da Composição em Portugal Hoje”, Editorial Caminho, Lisboa 1998, p. 517

 

 

 

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