Em foco

Pedro Amaral


…sê inteiro: nada / Teu exagera ou exclui. / Sê tudo em cada coisa. Põe quanto és / No mínimo que fazes.

Ricardo Reis

Nascido em Lisboa em 1972, Pedro Amaral é um dos mais activos músicos da sua geração. Iniciou os seus estudos em composição como aluno privado de Fernando Lopes-Graça a partir de 1986, ao mesmo tempo que prosseguia a sua formação musical geral no Instituto Gregoriano. Ingressou depois na Escola Superior de Música de Lisboa (1991/94) onde concluiu o curso de composição na classe de Christopher Bochmann, cujo ensino influenciou essencialmente o desenvolvimento e a consolidação da sua técnica composicional. A seguir Pedro Amaral instalou-se em Paris onde estudou com Emmanuel Nunes no Conservatório Superior de Paris (CNSM). Quatro anos mais tarde graduou-se com o "Primeiro Prémio em Composição" por unanimidade do júri. Estudou ainda direcção de orquestra com Peter Eötvös (Eötvös Institute) e Emilio Pomarico (Scuola Civica de Milão). “Na minha aprendizagem há que referir, antes de mais, o meu contacto com Emmanuel Nunes – com tudo o que, para mim, representa a sua obra e a sua pedagogia pessoal. «Pessoal» (...) por ele ser o único a praticá-la: um sistema directamente ligado a determinada concepção platónica que consiste em «despertar», no aluno, aquilo que este já traz em si mesmo («recordar» o que já sabe num estado não consciente...?), em «iluminar» o que é ainda embrionário no seu trabalho e, mesmo, na sua existência íntima, ajudando a uma lucidez sobre si próprio (como frente a um espelho) que, por si só, abre espaço a um desenvolvimento fecundo do seu ser enquanto compositor.”[1] Paralelamente à sua formação musical prática, Pedro Amaral prosseguiu estudos universitários na École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris, obtendo um Mestrado em musicologia contemporânea com uma tese sobre “Gruppen” de Karlheinz Stockhausen (1998) e um Doutoramento com uma tese sobre “Momente” e a problemática da forma na música serial (2003). Acerca desta sua vasta análise, Karlheinz Stockhausen declarou ao Le Monde de la Musique (Setembro 2003): "Trata-se de uma obra excelente com a qual muito aprendi"; o que o levou a convidar Pedro Amaral como seu assistente em diversos projectos. Pedro Amaral desenvolve actualmente uma actividade permanente no campo da musicologia, escrevendo artigos, dando conferências, participando em colóquios, apresentando workshops e master-classes. Desde o ano lectivo de 2007/2008 é Professor Auxiliar da Universidade de Évora. Por um lado a análise de “Gruppen”, uma das obras que leva mais longe a ideia de sistema no contexto da linguagem serial, marcou-o enquanto músico e estudioso, mas não propriamente do ponto de vista técnico: “...ajudou-me, na minha meditação histórica, a enquadrar a minha própria linguagem, mas não integrei de modo nenhum as soluções concretas que Stockhausen propõe. A influência, quando é profunda, ultrapassa em muito o quadro puramente formal, circunstancial, das obras.”[2] Por outro lado a tese sobre “Momente”, que implicou a investigação profunda da peça, permitiu-lhe identificar e reforçar algumas das suas próprias reflexões no domínio da forma. Segundo Pedro Amaral “Momente”, cuja técnica e construção formal é irrepetível, contribuiu de uma maneira significante para a inversão do fenómeno da linguagem serial predominante na música a partir dos anos 50, induzindo também o aparecimento de uma nova tipologia formal. “A conquista dessa nova tipologia formal vai aniquilar o universo linguístico que lhe deu origem. Esta pequena observação fascinou-me, e a análise de «Momente» foi levada tão longe que acabou por constituir o tema único do meu Doutoramento.”[3] Durante a sua primeira estadia no IRCAM em 1998/99, Pedro Amaral compôs “Transmutations” para piano e electrónica em tempo real, estreada em Paris em 1999. A obra foi em seguida escolhida para representar Portugal na Tribuna Internacional de Compositores da UNESCO, na sequência da qual foi transmitida por estações de rádio em todo o mundo. No fim de 2001 a mesma obra representaria ainda Portugal no Festival World Music Days no Japão. Nesse mesmo ano a cidade do Porto, Capital Europeia da Cultura 2001, encomendou-lhe “Organa” para ensemble e electrónica em tempo real ad libitum, cuja parte electroacústica foi também desenvolvida nos estúdios do IRCAM. Na margem de 2003 e 2004 Pedro Amaral regressou pela terceira vez ao Instituto como compositeur en recherche. Compôs então a sua longa obra “Script”, para percussão e electrónica em tempo real. “Penso sempre a forma como «coisa em si»”, sublinha Pedro Amaral. “Nesse sentido, há uma diferença fundamental entre as minhas ideias e as de Emmanuel Nunes. A forma nas suas obras é um resultado directo, praticamente, da articulação dos conteúdos que se encadeiam, não uma dimensão trabalhada em si mesma.”[4] Tal como foi mencionado acima a lição de Karlheinz Stockhausen permitiu-lhe identificar algumas ideias relativamente às questões da forma musical, contudo há também outros autores e obras que o influenciaram de uma maneira não menos profunda, nomeadamente Marcel Proust, que constrói frases, por vezes longuíssimas, obrigando os leitores a uma abordagem em várias etapas. “Este tipo de pensamento influenciou-me muito, não só para a minha própria construção da frase, em termos musicais, como para a indução de uma forma global coerente com ela. O que, aliás, segue de perto o exemplo de Proust, onde a «frase» , a «parte» e o «todo» do romance seguem exactamente os mesmos princípios labirínticos de construção.”[5] No final da peça “Script” existe uma parte, “Post Scriptum”, que é um estudo sobre a frase e a forma nesse sentido através de uma série de parêntesis de vários formatos. “O músico começa a ler a partitura, de início, tocando apenas o que não está dentro dos parêntesis – faz uma leitura, chega ao momento do parêntesis e salta-o, ignora-o, passa à frente, até chegar ao fim da partitura. Quando chega ao fim, recomeça e integra o primeiro nível de parêntesis.”[6] A linguagem musical de Pedro Amaral desenvolve-se através da expansão permanente dos elementos no espaço melódico e harmónico – a forma evolui através destas zonas de expansão, enquanto que o material submete-se à transformação no tempo. “Esta é a ideia no fundo de «Spirales»: começo com um núcleo minúsculo de acordes, núcleo esse que é de cada vez reinterpretado, transformado, alargado e multiplicado. Todas as novas etapas de transformação correspondem a uma nova secção na forma, em que experimento as novas e diferentes incarnações do mesmo material abstracto. Isto é obviamente paráfrase, mas ao nível fundamental e genérico, não apenas um comentário ao material existente; pode-se pensar nisto como no ADN elementar a ser progressivamente transformado através das alterações que implicam um padrão concreto de expansão e desenvolvimento formal.”[7] Em 2007, a editora Gulbenkian/UK lançou o primeiro CD monográfico de Pedro Amaral, com quatro das suas obras – “Textos”, “Spirales”, “Organa”, “Paraphrase” – interpretadas pela London Sinfonietta sob a sua direcção. O quarteto de cordas com electrónica em tempo real "Pagina Postica" foi gravado pelo Smith Quartet na sequência de uma série de concertos no âmbito do projecto “Circuitos”, e editado pela Miso Records. As gravações de Pedro Amaral como intérprete incluem obras de autores portugueses com o Sond'Ar-te Electric Ensemble (Miso Records), bem como um CD monográfico dedicado à compositora americana nascida na Alemanha, Ursula Mamlok, com o ensemble musikFabrik. No dia 25 de Abril de 2010, Pedro Amaral estreou em Londres (no Robin Howard Dance Theatre, mais conhecido como The Place) a sua primeira ópera "O Sonho", a partir de um drama inacabado de Fernando Pessoa e com a encenação de Fernanda Lapa. A obra foi interpretada por um prestigioso elenco de cantores portugueses acompanhados pela London Sinfonietta sob a direcção do compositor, tendo sido sucessivamente apresentada em Lisboa (a estreia portuguesa decorreu a 3 de Maio de 2010 no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenikan). “Em 1913 Fernando Pessoa transformou Salomé numa personagem que cria a realidade através do sonho. Na sua primeira ópera, Pedro Amaral transforma a mítica figura bíblica num espelho dos heterónimos do poeta”[8], escreveu Cristina Fernandes nas páginas do jornal Público. “O Sonho” constitui o primeiro passo do compositor no projecto de criar uma obra sobre Fernando Pessoa enquanto personagem. “De certo modo criei o meu próprio libreto, mas não acrescentei uma palavra [às do poeta]. Quis deixar o mais clara possível a ideia dramatúrgica que Fernando Pessoa segue para a composição da sua peça; e só há um ponto em que eu saio dessa clarificação, que é quando a Salomé deixa de ser a história tal como Pessoa no-la conta e passa a ser, num breve manuscrito seu (que não sabemos se queria ou não incorporar na peça), a Salomé tal como aparece no Novo Testamento.”[9] A versão da história da Salomé de Fernando Pessoa constitui um labirinto de sonhos. Para a sua ópera Pedro Amaral escolheu recursos musicais que projectam no plano instrumental determinadas ideias-chave da peça, criando uma espécie de “dédoublement”[10] – três sopranos (Salomé divide-se em três personagens pelo que o compositor resolveu incluir três cantoras de vozes semelhantes), três barítonos e um conjunto heterodoxo de dezassete instrumentos (três flautas, duas trompas, três percussionistas, uma harpa, cinco violoncelos e um contrabaixo). “A nível instrumental, o mundo de Salomé é um mundo cintilante, dado por uma série de percussões e pela harpa. Quando Salomé se divide em três, há três flautas que são como que a sua sombra”[11], revelou Pedro Amaral ao jornal Público. A criação desta opera permitiu-lhe “redescobrir que há uma lógica dramática que é mais geral e permite maiores avanços musicais que a lógica sintáctica da música. (…) «O Sonho» é uma opera onde o drama passou para a orquestra.”[12] Enquanto intérprete, Pedro Amaral foi maestro titular da Orquestra do Conservatório Nacional (2008/09) e do Sond'Ar-Te Electric Ensemble (2007/10). No seu repertório avultam as obras de música mista (ensemble instrumental e meios electrónicos), a ópera contemporânea e, em particular, a música de Karlheinz Stockhausen, cujas obras dirigiu com numerosas orquestras em diversos países da Europa e América do Sul. Como maestro assistente de Peter Eötvös, Pedro Amaral participou também em diversas produções. Desde 1989 Pedro Amaral tem produzido e realizado regularmente séries de programas para a rádio (Antena 2) de estética, análise e história da música – “Formas musicais do século XX” (1989), “Sons e estruturas” (1991), “A origem da obra musical” (1993), “Poética musical” (2004), "Boulez/Berio: 1925/2005" (2005), "Dualidades" (2006) e o mais recente o “Véu Diáfano”, uma história temática da música ocidental, que em 2012 vai incluir programas sobre Oliver Knussen, Cristóbal Halfter, Pascal Dusapin, a música americana (Leonard Bernstein, John Adams, Elliot Carter) e a obra de Peter Eötvös. “Eu cultivo a reflexão teórica porque (...) para mim o acto de composição é sempre acompanhado pelo pensamento. Sou um bocado como Pessoa (...) – componho e ao mesmo tempo observo-me a mim próprio a compor, pois tenho uma tendência quase instintiva de reflectir sobre a matéria das coisas. Com muita naturalidade, quando penso na minha música coloco-a na relação com a história e com os meus antecessores.”[13] A 19 e 20 de Abril na Fundação Calouste Gulbenkian decorrerão as primeiras audições mundiais da obra de Pedro Amaral composta em 2007 e encomendada pela Cidade de Matosinhos, “Transmutations pour Orchestre” (Nº 5.3). Os concertos serão interpretados pela Orquestra Gulbenkian dirigida pelo jovem maestro francês Lionel Bringuier. Site oficial de Pedro Amaral "O Sonho" - Abril / Maio de 2010 (Londres) London Sinfonietta dirigida pelo compositor Encenação de Fernanda Lapa Solistas: Carla Caramujo, Ângela Alves, Sara Braga Simões, Jorge Vaz de Carvalho, Mário Redondo, Armando Possante

Uma encomenda da Fundação Calouste Gulbenkian "O Sonho" - I. Incipit; II. Monólogo de Salomé (início) "O Sonho" - II. Monólogo de Salomé (fim) "O Sonho" - III. Desdobramento (início) "O Sonho" - III. Desdobramento (fim) "O Sonho" - IV. O Sonho (início) "O Sonho" - IV. O Sonho (fim); V. Epifania e morte (início) "O Sonho" - V. Epifania e morte (fim) "O Sonho" - VI. Largo desolato (início) "O Sonho" - VI. Largo desolato (fim); VII Analepse (início) "O Sonho" - VII. Analepse (fim) "O Sonho" - VIII. Epílogo --- 1 Entrevista a Pedro Amaral em: Sérgio Azevedo, "A Invenção dos Sons. Uma Panorâmica da Composição em Portugal Hoje", Editorial Caminho, Lisboa 1998, p. 537 2 Entrevista a Pedro Amaral conduzida por Luisa Prado e Castro na Miso Music Portugal; mic.pt, 1 de Junho de 2005 3 ibidem 4 ibidem 5 ibidem 6 ibidem 7 Entrevista a Pedro Amaral conduzida por Alain Boiteau publicada no booklet do CD, “Pedro Amaral – Works for Ensemble”, com a London Sinfonietta dirigida pelo compositor, editado em 2007 pela Fundaçao Calouste Gulbenkian em Londres (CGFCD1001) 8 Cristina Fernandes, “Pedro Amaral no labirinto dos sonhos”, Público, 3 de Maio de 2010 9 Entrevista a Pedro Amaral em: Manuela Paraíso, “O sonho dentro do sonho”, Jornal de Letras, 21 de Abril a 4 de Maio de 2010 10 Anne Ozorio, “O Sonho”, Espaço Crítica para a Nova Música e Classical Iconoclast, 26 de Abril de 2010 11 Cristina Fernandes, op. cit. 12 Jorge Calado, “Pedro Amaral”, Expresso #1957, 1 de Maio de 2010, p. 10 13 Entrevista a Pedro Amaral conduzida por Alain Boiteau, op. cit.

 

 

 

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