Anotando o imprevisível[4]
A música de Pedro Rebelo constitui um campo de investigação e experimentação no que diz respeito à relação da arte com as novas tecnologias e também à pluridisciplinaridade. O compositor mantém colaborações com artistas plásticos, desenvolvendo uma notação gráfica que possui também um forte aspecto estético. As peças com partituras gráficas são estruturadas como “composições normais” mas anotadas de uma maneira bivalente. “(...) não é uma notação que tivesse uma referência tradicional”[5], salienta Pedro Rebelo. Esse tipo de investigação o compositor desenvolveu a nível de mestrado e doutoramento com o objectivo de criar instalações que envolvem diferentes tipos de improvisação e notação, tentando sair, o mais possível, da tradição da música acusmática e também explorar, através das várias peças, “noções de Design e noções de Arquitectura, e qual a relação destas noções face à Música, o espaço em relação à Música e as novas tecnologias em relação à Música.”[6]Improvisação – a liberdade de erro
A “música que acontece ao vivo” é uma situação frágil no espaço e no tempo, que, segundo Pedro Rebelo, não deve ser apenas uma repetição da música já existente na imaginação do compositor ou numa partitura, contendo em si uma possibilidade de erro. Os sistemas situados entre a composição e a improvisação incluem esse “perigo de errar” na música, de maneira em que a execução não se torne apenas uma forma de exprimir a partitura mas seja antes uma forma de exprimir o “perigo”. “É às vezes, na extensão disso ou de ir contra isso que culturas musicais interessantes acontecem”[7], enfatiza Pedro Rebelo. É, por exemplo, o caso das extended techniques, de todos os barulhos ou “sons indesejados” que os instrumentos podem produzir e que vieram a fazer parte da linguagem da música contemporânea. O que interessa Pedro Rebelo não é só o barulho em si, mas é o facto de ele ser feito com um violino ou com uma flauta, com um instrumento tradicional, criando, desta maneira, uma outra qualidade, para a qual o instrumento não foi desenhado. “[Para mim] a improvisação começou seriamente talvez antes de ir para Edimburgo e ainda nos primeiros anos em Viseu, quando comecei a tocar free jazz (...). [Nestas formações] criam-se as condições para que um determinado tipo de música aconteça, mas não se criam, necessariamente, os materiais específicos que vão acontecer. E, em termos de método, acho que isso ficou. Quando comecei a fazer composições mais formais, de uma forma mais séria, tentei sempre incluir essa vertente que dá liberdade na performance, que tem mais a ver com criar as condições para que a música aconteça de uma forma que não seja ler o que está escrito, nem executar o que já foi executado antes.”[8]Músicos no mundo das máquinas
No contexto do duo l a u t, fundado junto com a saxofonista Franziska Schroeder, Pedro Rebelo, enquanto intérprete de sistemas electrónicos, explora vários tipos de composição e improvisação, desenvolvendo peças com estruturas formais variadas. Além da música do próprio compositor o duo tem também obras escritas por outros compositores especialmente para o projecto. Esta experiência revela os aspectos interpretativos do “computador no palco”, já que este, sendo um sistema generalizado, não foi feito para a música. “Uma coisa que eu tenho tentado fazer recentemente”, fala Pedro Rebelo, “é (...) esquecer a ideia de que o computador é uma máquina universal que pode ter uma orquestra de sons dentro e tentar fazer o contrário: fazer coisas em termos sonoros muito mais simples mas que me dêem a opção, como executante e como uma pessoa em palco com um computador, de reagir a um sistema específico.”[9] Enquanto investigador, intérprete e compositor Pedro Rebelo interessa-se pela interacção entre os músicos que tocam instrumentos tradicionais, a nível de troca de gestos, e os intérpretes de “alguma forma de nova tecnologia”[10] analisando, neste contexto, a situação de performance. “Oscillation” (2003) é uma das peças que explora precisamente este problema, em que o compositor empregou um sistema de motion capture utilizado em animações de computador. “Um instrumento (...) vem com uma tradição de determinados gestos, mas se uma pessoa levantar as mãos em frente de um piano há uma certa expectativa de que alguma coisa diferente vai acontecer em termos de som. Num computador nem sempre é esse o caso, não é necessário fazer um grande gesto para que saia um grande som. Acho isso uma situação interessante, o facto de termos a possibilidade de fazer o mesmo que num instrumento tradicional: ampliar o gesto e criar um sistema, talvez de redundância, mas de qualquer forma assumir que há uma certa importância no gesto. Ou então fazer o contrário: ter um sistema em que o gesto é mínimo mas que em termos de som tem grandes variantes.”[11] As obras de Pedro Rebelo podem ser divididas em vários grupos, no contexto das quais o compositor explora diferentes questões de natureza composicional e de implementação de novos meios tecnológicos – música electroacústica “mais tradicional”, composta e manipulada através de fontes sonoras de vários tipos, e que inclui também a improvisação, como por exemplo “3 Shorts About Noise and Rhythm” (1998) ou “4 More Shor(t)s” (1999); peças instrumentais com electrónica que têm como ponto de partida determinados lugares arquitectónicos e espaços, cujo conjunto de ressonâncias e de frequências cria o espectro harmónico da música (“Águas Liberas” de 2001, “x\Hailes” de 2001); projectos das “próteses musicais”, cujos exemplos são as três peças “Music for Prosthetic Congas” (2004), “Prosthetic Oil” (2005) e “Shadow Quartet” (2007), que põem os músicos numa situação em que têm que reagir a um sistema estético, “um sistema de prótese que cria uma alteração ao sistema acústico que pode ser de substituição.” “Se se tiver uma prótese de braço, tem como função substituir o braço natural, mas o corpo pode reagir a essa prótese de várias formas: pode não a aceitar, ou pode haver reacções que são mais interessantes que a simples substituição.”[12] Mais recentemente Pedro Rebelo tem explorado também o conceito da dramaturgia na rede virtual (network) enquanto um novo meio de performance, do ponto de vista de colaboração, autoria, presença e ambiente[13] [por exemplo em “Disparate Bodies” (2007-08), “Netrooms: The Long Feedback” (2008) e “Netgraph” (2010)]. “A performatividade da rede e a noção da comunidade são particularmente expostos na música, enquanto uma prática intrinsecamente social. Fazer música oferece perspectivas cruciais e críticas no discurso da condição performativa da rede e pode contribuir para dar resposta à questão da performatividade da rede no contexto mais amplo. (...) Quando se considera a rede como um meio para a execução da música é-se frequentemente enganado pela metáfora falível do ilimitado, do infinito e global. O âmbito para pensar em fazer música costuma ser condicionado pela promessa falsa das condições lisas e infinitas da rede, seduzindo os intérpretes na expectativa de acesso ininterrupto ao infinito.”[14] Ultimamente Pedro Rebelo, juntamente com Rui Chaves, Matilde Meireles e Aonghus McEvoy realizou um projecto comunitário e exibição, “Sound of the City”, encomendado pelo Metropolitan Arts Centre (MAC) e conduzido pelos artistas do Sonic Arts Research Centre (SARC), Queen’s University Belfast. O projecto explora a relação entre o som e a comunidade, revelando os sons do dia-a-dia na paisagem sonora de Belfast em constante mutação. Durante quatro meses, os artistas do SARC trabalharam em Belfast com dois grupos de várias gerações para capturar as qualidades únicas sonoras de lugares, eventos e histórias da cidade. O projecto ganhou vida através de cinco instalações sonoras que podem ser ouvidas no MAC. As instalações exploram o quotidiano de Belfast, do património industrial até às casas de famílias, através da identidade e memória. Site oficial do compositor SOUNDCLOUD