Figurinos: Ilda Castro
Câmara: Paulo Abreu
Som: Pedro Alçada
Cenografia: Rui Chafes
Coreografia: Ana e João Galante
01 - Abertura
02 - Bel Canto (1ª Cena)
03 - Música Cereal (2ª Cena)
04 - Glissandos & Vibratos (3ª Cena)
05 - Negativo & Positivo (4ª Cena)
06 - Minimalismo & Pósmodernismo (5ª Cena)
07 - Espectro Espectral (6ª Cena)
08 - A Ária (7ª Cena)
09 - Final
Título do Poema ou Texto Uma Vaca Flatterzunge
Letra LIBRETO
cena 1
(Vaquíria Lewinsky, Pedro Lunático, Dr. Fuinha)
PL- “Porque estamos assim a cantar desta forma ridícula? “, diz aborrecido virando-se para a VL.
VL- “Parece que esta é a maneira correcta de cantar. “, responde, olhando o público, não muito segura da sua resposta, DF- “Seu ignorante! isto é o Bel Canto. “, afirma empertigado, virando-se para PL.
Coro- “É o Bel Canto! é o Bel Canto! “
DF- “É uma forma de se cantar, que enfatiza a beleza do som,...”, começa a explicação em tom coloquial...
VL + PL- “AHHHH”, exclamam...
DF- “...num um tom regular em toda a extensão da tessitura...”, continua...
VL + PL- “AHHHHHHHHH”, exclamam atónitos...
DF- “...e um requintado fraseado legato,...”, pára para pensar e continua...
VL + PL- “AHHHHHHHHHHHHHHH”, exclamam super atónitos...
DF- “...dependente é claro, de uma mestria no controle da respiração. “, termina finalmente com aplausos frenéticos da Vaquíria.
Coro- “Ahhh, Ahhh, Ahhh, Ahhh” (respirações ofegantes), cansados de ouvir a definição do Dr. Fuinha.
cena 2
(Vaquíria, Lunático, Fuinha)
DF- “Porque és tão serial a cantar? “, pergunta o Fuinha ao Lunático.
PL- “Sempre é melhor que esse teu mau Cantochão! ”
VL- “Que atrasados vocês são! “ com desprezo e continua... “Nem um flatte (rrrrrrr) zunge sabem fazer. “ e ri-se a olhar para eles “Ah, Ah, Ah”
DF- “Ai, a descarada da mulher! ” com ar simultaneamente espantado e empertigado, virado para o público.
PL- “Não ligues mais a essa vaca” com desprezo, virado para o DF
DF + PL- “Ela é uma grande vaca! ” troçando.
Coro- “Uma vaca! Uma vaca! Ela é uma vaca!, Muuuuuuuuuuuu”
VL- “Vocês têm é inveja...”, virada para eles os dois e continua olhando para o público: “...da minha faringe versátil muscularmente...” (aqui o PL, virado para o público, deita a língua de fora e fá-la tremer como uma serpente); entretanto VL continua: “...do meu espaço temporo-mandibular amplo...” (é agora a vez do DF se virar para o público e abrir exageradamente a boca e introduzir repetidamente o dedo médio, simulando um felatio); sem se deixar interromper, VL termina a sua vaidosa exaltação à sua voz: “...e da minha boa ventilação pulmonar.” (aqui são os dois, DF e PL, olhando um para o outro, com gestos com as mãos, mimavam com ironia os seios enormes de VL).
DF + PL- “Ah, Ah, Ah, Ah” saiem a rir-se.
cena 3
(entra O-Homem-Que-Ri, DF, PL)
(Devido aos insultos do DF e do PL, VL começa a sentir-se nervosa e doente: contorce-se como se estivesse a ter um ataque e mete as mãos à cabeça e de seguida pelo corpo todo)
VL- “Não sei o que se passa comigo...”, em glissandos e desmaia.
OHQR- “Está a entrar em glissandi”, virando-se para o DF e o PL e continua “Depressa! tragam um copo de água”, e o DF sai a correr para buscar um copo de água. Entretanto o compositor e o PL estão à volta da Vaquíria.
PL- “Que havemos de fazer? “, pergunta virando-se para o compositor e pondo as mãos em volta do pescoço da VL.
OHQR- “Resta-nos esperar”, responde dando bofetadinhas nas bochechas da VL.
(Entretanto VL recupera os sentidos e vê a cara do PL e fica horrorizada por reparar que ele tem os braços no seu pescoço e a cara muito perto da sua)
VL- “Mas que é isto?”, “Que faz este parvo com as mãos no meu esbelto e sensual corpo? “, pergunta ela virando-se para o compositor.
(magoado, PL afasta-se, atira um olhar de superioridade à VL)
PL- “Olha”, diz olhando primeiro para ela e depois para o público e de novo olhando para ela, diz: “Faz-me um vibrato”, diz apontando para o seu sexo.
(Ela, ouvindo aquilo, dá a ideia de ir ter outro ataque e solta um grito de espanto com molto vibrato)
VL- “AHHHHHHHHHHhhhhHHHHhhhhhhHHHHH” exclama quase desmaiando.
(entretanto entra o DF, apressado, com o copo de água...) DF- “O vibrato, é um fenómeno de baixa frequência, de 6 a 7 vibrações por segundo” diz muito empenhado e continua...
(todos olham muito espantados para ele, inclusive a VL que parece ter-se recomposto)
DF- “E que consiste num jogo de tensão- distensão dos músculos da língua...” diz pondo a língua de for a o que o obriga a cantar mal, e continua: “...do véu do palato” e desta vez põe o dedo fálico na boca apontando para o céu da boca, e continua: “...e da faringe”, conclui.
cena 4
(DF, PL, VL, OHQR, estão reunidos a ouvir uma música muito “chata” de “vanguarda”, interpretada pelo quarteto de cordas, imbuída de clichés de certa música contemporânea: slaps, tapping, batidas no corpo do instrumento, etc.; gera-se uma discussão...)
PL- “mas que música horrível é esta?”, exclama, pondo as mãos nos ouvidos.
OHQR- “é Helmut Lachenmann, o da música negativa”
DF- “é melhor por uma coisa mais positiva”, graceja.
Coro- “mais positiva, mais positiva”
PL- “mas que voz tão fininha a deste”, interrogando-se.
VL- “deve ser um castrato!”
(OHQR, PL,DF, horrorizados, põem as mãos “protegendo” o sexo; repetem o gesto sempre que as palavras “castrati”, “castrato”, “castração”, são pronunciadas)
DF- iniciando uma aborrecida dissertação sobre os castrati: “a castração...”, (PL, OHQR, protegem o sexo com as mãos; VL leva as mãos aos seios); “...era uma operação realizada antes da mudança de voz...”, continua perante uma cada vez mais horrorizada plateia (OHQR, PL, VL, continuam a apertar as mãos no sexo, mas agora começando a contorcerem-se, como se estivessem a ser fustigados por uma agonizante dor); DF prossegue: “...permitindo conservar no adulto a sua voz branca e infantil.”, termina para gáudio de todos de todos.
Coro- “Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhh”, exclamam aliviados.
VL- “o meu gato, é então um castrato!”
Coro- “miaaaauuuuuu, miaaaaaaauuuuu”, com vozes fininhas esganiçadas.
PL- “o Doutor Fuinha também deve ser”, graceja virado para o OHQR e VL; DF irritado.
OHQR, VL- “Ah, Ah, Ah, Ah”, riem-se
( de repente caiem centenas de bolas de ping-pong do tecto sobre o proscénio, produzindo movimento e som)
PL- “são os berlindes do Fuinha”, graceja de novo; DF enfurecido corre atrás do PL, OHQR, VL, que fogem correndo às voltas no palco, rindo-se.
OHQR, VL, PL- “Ah, Ah, Ah”
( a cena termina com os OHQR, PL, VL, saindo do palco correndo, perseguidos pelo DF) cena 5
(OHQR, PL, DF, VL; os instrumentistas tocam uma música minimal repetitiva: piano, saxofone, trombone e cordas)
PL- “esta música é sempre igual...”, exclama olhando para o compositor; vira-se depois para o público: “...mas que coisa chata!”
Coro- “coisa chata, coisa chata”
OHQR- “isto é música minimal”, explica.
Coro- “minimal, minimal, música minimal”
PL- “música minimal?”, interroga-se; “o que é isso de música minimal?”
DF- “a música minimal é..., a música minimal é..., a música minimal é..., a música minimal é..., a música minimal é..., a música minimal é...”, repete esta frase acompanhado do som de um disco riscado; o compositor dá-lhe uma pancada nas costas e DF prossegue: “...uma música não linear,...”, DF é interrompido por uma snifadela do compositor, como se estivesse a cheirar uma linha de coca, que apercebendo-se dos olhares reprovadores de todos, tenta disfarçar; DF continua, de novo com os olhares atentos de todos: “...sem progressão, ou qualquer desejo de cadência...”, aqui DF faz uma pausa e aproxima-se da VL inflamado de paixão, colocando as mãos como se lhe fosse apalpar os seios; esta afasta-o violentamente; triste DF conclui: “...ou mesmo sem intenção de atingir um clímax.”, vira-se entristecido para o público e acende um cigarro como no fim de uma relação sexual.
Coro- “Ohhhhhhhhhhhh”, tristes como DF.
OHQR- “isso é uma análise reaccionária!”, virando-se para DF violentamente.
Coro- “o minimalismo unido, jamais será repetido!, o minimalismo unido, jamais será repetido!”, gritam com o punho erguido, como num comício.
OHQR- virado para DF: “quando se torna aparente, que numa determinada música, nada acontece...”, vira-se para o público: “...no sentido tradicional, é claro...”, vira-se de novo para DF: “...então descobrimos novas maneiras de escutar essa mesma música.”
Coro- “tragédia dell`ascoltatore!”, tragicamente, sussurrando pianíssimo.
VL- “o minimalismo é então...”, pausa para pensar e termina virada para o compositor: “uma pescadinha de rabo na boca.”
PL, DF- “Ah, Ah, Ah”, riem-se.
(chateado pela incompreensão e falta de cultura demonstrada, OHQR abandona o palco)
cena 6
(DF, PL, VL estão em cena; subitamente surge ou do tecto ou do chão, envolto em fumos o compositor travestido de Doktor Spektrum (personagem da BD); luzes tétricas (roxos, violetas)
PL- “Wer ist Da? “, interroga.
VL- “Es ist der musikspektrum”, histericamente.
Coro- “Doktor Spektrum, Doktor Spektrum”, corrige VL.
VL- “Mir gefällt ihr Anzug sehr gut”, apaixonada.
DF- “Ich habe geglaubt daß er größer wäre”, pouco impressionado com a aparição.
PL- “Haben sie feuer?”, pede lume empunhando um charro.
VL- “Dites moi quelque chose sur la musique spectrale “, sexymamente virada para o Doktor Spektrum.
OHQR aliás DS- “la musique spectral cèst une musique don’t tout le matériau est dérivé des propriétés acoustiques du son”, sprechgesang.
Coro, DF, PL, VL- “OHMMmmmmmmmmmmmmmm”, em poses de Yoga.
OHQR aliás DS- “Elle extériorise son ordre constitutif et rend son unité manifeste”, Sprechgesang.
Coro, DF, PL, VL- “OHMMmmmmmmmmmmmmmmmm”, mais Yoga, posições mais absurdas.
(Doktor Spektrum parte, usando o mesmo processo com que entrou)
Coro, DF, PL, VL- “Doktor Spektrum, Doktor Spektrum”, sussurro espectral.
Tradução:
PL- “Quem vem lá?”
VL- “É o espectro musical
Coro- “Doutor Espectro, Doutor Espectro”
VL- “Gosto muito do seu fato”
DF- “Pensava que fosse mais alto”
PL- “Dá-me lume?”
VL- “Fale-me da música espectral”
OHQR- “A música espectral é uma música na qual todo o material deriva das propriedades acústicas do som”, “exterioriza a sua ordem constitutiva e manifesta a sua unidade”
cena 7
(VL ensaiando a Ária, sob a presença do DF (de pé virado para o público) e do OHQR (que está sentado, escutando)
Em simultâneo (VL & DF):
VL- “Este é o momento em que eu canto a minha Ária, que é um trecho de música vocal de carácter melodioso”, virada para o público.
DF- “a Ária, era na época clássica (mormente na italiana), por assim dizer, o seu pretexto máximo” parlando.
OHQR- zangado, assistia sentado ao ensaio e levanta-se para proferir estas palavras: “Esta idiota estragou a minha tão bela canção finale, que era uma..., desfragmentarização..., fractal..., de uma ária..., pósmoderna.”, a música é a mesma da VL, só que aqui surge desfragmentada no ritmo e no timbre.
Em simultâneo (todos):
Lá ri lá lá ri lá ri... etc.