Compositor, investigador, artista multimédia e docente/ coordenador do curso de Música Eletrónica e Produção Musical da ESART - Rui Dias está Em Foco no MIC.PT no mês de novembro.
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Coro de Câmara Gulbenkian
Fernando Eldoro (direcção)
Local Paços do Concelho
Localidade Matosinhos
País Portugal
Texto
Autor do Texto António Nobre
Título do Poema ou Texto ... meu país de marinheiros
Notas Sobre a Obra
Pedem-se-me gentilmente algumas palavras sobre a sorte da pequena cantata da minha autoria que é ... meu país de marinheiros, baseada no segundo dos três poemas de António Nobre que formam a famosa trilogia de Lusitânia no Bairro Latino.
Ora eu não sei dizer, nem nunca soube dizer nada sobre as minhas composições musicais, isto baseado no princípio que adoptei de que, se a obra musical (minha ou de quem quer que seja) vive e respira de si própria, isso lhe basta; e que, se não vive e não respira naturalmente, não há glosa ou comentário que a faça levantar do seu nada. Escrevi sempre a minha música partindo da ideia de que o seu destinatário, o seu fruidor, situado à esquerda ou à direita de qualquer estrato social ou intelectual que seja, não necessita que lha demonstremos à vista, que lha dissequemos em coração, cabeça e tripas. Com toda a vénia pela alta personalidade musical que foi Alban Berg, peço licença para fazer minhas as palavras que ele empregou a respeito da sua obra-prima, e obra-prima da música deste século, que é a ópera Wozzeck. Escreveu ele: "Por muito que se conheça da multiplicidade das formas musicais desta ópera, do rigor e da lógica com que elas foram elaboradas, da perícia combinatória posta nos seus mais ínfimos pormenores, a partir do subir do pano até ao momento em que ele desce pela última vez, não deve haver ninguém no público que se encontre consciente de qualquer destas diversas fugas e invenções, suites e sonatas, variações e passacalhas, ninguém que se deva absorver em nada que não seja ideia da ópera, que transcende o destino individual de Wozzeck." Evidentemente que de Wozzeck à minha pequena cantata vai um abismo intransponível; mas a verdade, a lógica dos conceitos tanto é aplicável aos infinitamente grandes como aos infinitamente pequenos.
Que mais direi? Pouquíssimo - apenas relatar em meia dúzia de palavras as circunstâncias em que a obra surgiu e os dois ou três problemas que me pôs. Resultou ela de uma honrosa encomenda do pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Matosinhos, que me propunha a composição de uma obra coral sobre aquele mesmo poema de Nobre. Devo dizer que hesitei durante algum tempo sobre a possibilidade de musicar coralmente uma poesia marcada pelo consabido lirismo subjectivo e individual do Poeta. Recomendava-se-me também que na composição interviessem possivelmente alguns instrumentos "acompanhantes". Decidi-me finalmente por uma obra de câmara onde tentasse conciliar a expressão individual com a expressão coral, com a intervenção de um recitador e o instrumental reduzido a uma flauta e duas guitarras. Consegui qualquer coisa artisticamente aceitável? Não me compete a mim dizê-lo.
Fernando Lopes-Graça