Categoria Musical Coro (a cappella)/Conjunto Vocal
Instrumentação Sintética 3 Coros Mistos
Estreia
Data 1987/Dec/12
Intérpretes
Coro de Câmara Gulbenkian
Fernando Eldoro (direcção)
Local Paços do Concelho de Matosinhos - Salão Nobre
Localidade Matosinhos
País Portugal
Texto
Autor do Texto António Nobre
Título do Poema ou Texto Georges! Anda Ver Meu País de Marinheiros
Notas Sobre a Obra
Na composição desta obra, um problema agudo se me deparou, envolvendo questões estéticas e situações culturais muito divergentes: por um lado, a poesia de António Nobre, com os seus laivos de decadentismo "fin-de-siècle" temperado por um regionalismo populista e pré-saudosista; por outro, a minha própria expressão criadora, a via que, mais ou menos empiricamente, fui desenvolvendo ao longo de duas décadas de actividade.
Como conciliar trajectórias e situações tão radical e essencialmente diferentes sem trair, quer o universo poético de Nobre, quer a livre expressão da minha visão específica (pensada e sentida) do fenómeno criador?
No ponto de vista prático, poderia ter optado pela "atomização" do texto poético, dissecando-o e fragmentando-o (lembremo-nos de Luigi Nono na sua primeira fase). Porém, António Nobre não é Pavese nem Ungaretti, e a quinta essência do seu universo poético não seria sublimada numa opção desse tipo, bem pelo contrário.
Decidi-me então pela situação oposta, ou seja, como se diria na gíria popular, por "pegar o touro pelos cornos". Estudei o poema "Georges! anda ver meu país de marinheiros" e elaborei uma arquitectura musical que iria seguir, passo a passo, a estrutura formal daquele. E isto, não só no seu aspecto "horizontal" (o desenrolar temporal do poema), mas também noutros planos "geométricos" de incidência analítica: os vários tipos de discurso, as imprecações, os plebeísmos, as invocações religiosas, as alusões históricas, etc., bem como os valores fonéticos e semânticos, os distintos níveis retóricos. Os próprios "espaços" gráficos do poema, os versos em itálico, etc., sugeriram tratamentos diferentes: um "tempo" virtual, ou seja, um ritmo específico, com as suas relações variáveis de metro e rima e os planos distintos em que o discurso se articula.
A obra é escrita para três coros "a cappella", cada um deles formado por três vozes femininas e duas masculinas, num total de quinze vozes (partes) reais. No ponto de vista técnico, devo realçar vários aspectos de particular importância: a utilização de diferentes tipos de escrita vocal, desde o "parlato" até aos vocalistas aleatórios, passando pelo "sprechgesang", o canto silábico, o canto melismático, os vocalizos controlados, os vários portamentos, etc., e os seus graus intermédios. Toda uma estrutura baseada numa nova técnica de glosas e tropos, articulada em simultaneidade temporal e em projecção espacial envolve o desenrolar do poema, ora declamado, ora cantado, ora projectado (ou desenrolado) em níveis de escrita diferentes.
Ao nível "gramatical", a obra alicerça-se numa estrutura de base muito rigorosa de campos harmónicos, que contribuem para lhe garantir uma coerência unificadora. Episódios sem texto (à maneira de virtuais "intermezzi" instrumentais) ligam e separam as partes fundamentais do poema. À Flor das Águas Verdes... é dedicada a Manuel Dias da Fonseca.
Jorge Peixinho