Categoria Musical Música de câmara (de 2 a 8 instrumentos)
Instrumentação Sintética Quarteto de Cordas e Piano
Estreia
Data 1961/Nov/08
Intérpretes
Rafael Couto (violino), João Nogueira (violino), Alberto Nunes (viola), Filipe Loriente (violoncelo), Jorge Peixinho (piano)
Local Fundação Calouste Gulbenkian - Auditório
Localidade Lisboa
País Portugal
Notas Sobre a Obra
Em 1961, concluiu Fernando Lopes-Graça a versão de câmara do Canto de Amor e de Morte (para dois violinos, viola, violoncelo e piano), obra que veio constituir, de algum modo, uma cúpula na sua evolução criadora e até em toda uma época da música portuguesa: o ponto final de uma dialéctica entre diatonismo e cromatismo, resolvida ainda no âmbito de um contexto tonal levado até às últimas consequências e, por isso mesmo, expressão dramática da incapacidade de "síntese" que só uma nova organização do espaço sonoro poderia atingir; porém, ao mesmo tempo, a obra mais consequente e coerente na relação entre os diversos níveis de organização que a música portuguesa, em toda a verosimilhança, terá alguma vez logrado.
Logo numa primeira abordagem do Canto de Amor e de Morte se torna notória uma economia extrema do material utilizado, redutível a um núcleo restrito de células geradoras. O contexto prevalentemente tonal em que a obra se insere não é, de forma alguma, condicionante ou "informador"; não é legítimo falar-se de funções tonais hierarquicamente definidas e muito menos de "tonalidades" mas sim de centros virtuais de polarização tonal. A dialéctica entre diatonismo e cromatismo é, por conseguinte, resolvida não a partir de um processo sistemático de organização intervalar, coerente e unificador. Todos os intervalos vão assumindo, ao longo da obra, específicas funções construtivas, mas dois deles poderão ser considerados como intervalos basilares e geradores: a 3.ª menor e a 3.ª maior; aos quais se devem acrescentar, em importância organizativa, a 2.ª maior, intervalo de conjunção, e ainda a 2.ª menor, que desempenha uma função de ligação, que poderia apelidar-se de "intersticial".
A acção organizadora e estrutural dos intervalos não se circunscreve à formação dos motivos melódicos e das células componentes, mas abarca toda a organização morfológica da linguagem a diversos níveis, desde a articulação das frases melódicas às relações existentes entre os pontos notáveis das secções parciais e até à articulação da forma global.
Se, por exemplo, analisarmos as sucessivas versões da 1.ª frase melódica da 1.ª secção, verifica-se que o intervalo de 3.ª M funciona como uma constante na relação macro-estrutural entre os pontos de articulação da frase. Também, em certos casos, o funcionamento dos processos de organização morfológica atinge um grau de perfeita homogeneidade entre os vários factores compositivos, atingindo-se, assim, um estágio a que eu me atreveria a classificar de pré-serial.
Como conclusões fundamentais de uma análise desta obra, poderemos citar as seguintes:
a) cada intervalo ocupa uma função homogénea no interior de um dado momento da obra;
b) cada motivo temático ou desenho secundário é constituído a partir de um feixe mais ou menos complexo de relações intervalares;
c) existe uma relação constante entre os motivos temáticos, desenhos, traços ou elementos secundários ao nível de um feixe de identidades intervalares, tanto entre notas consecutivas, como entre pontos de articulação; e também entre as células componentes, por justaposição, eliminação, permutação, inversão e retrogradação;
d) as relações de intervalos são extensivas à organização harmónica - à dimensão vertical, no seu sentido lato;
e) os restantes factores da composição (rítmica, fraseado, escrita instrumental, registos) sublinham ou referenciam a organização morfológica da linguagem.
Após esta apresentação detalhada do funcionamento da estruturação intervalar na organização morfológica do Canto de Amor e de Morte, resta-me destacar a importância do intervalo na sucessão das secções parciais. Todo um estudo pormenorizado seria necessário para explicar a variabilidade dos "campos intervalares" (o papel de maior relevo conferido em dado momento a um intervalo específico e a mudança ou permuta de funções dos intervalos entre si) e pela sua influência na definição e clarificação da forma global. Essa função relevante de um ou mais intervalos dominantes ou activos é particularmente sensível nas secções de transição e em movimento direccional, pois são essas que, em geral, asseguram a ligação entre as secções principais, justamente caracterizadas por motivos temáticos ou desenhos com funções intervalares reciprocamente diferentes.
Estas considerações vão conduzir a uma conclusão mais geral que há pouco apontei resumidamente: a organização intervalar opera a todos os níveis da composição e com um sentido unificador altamente coerente.
Por meio deste esboço de interpretação analítica, procurarei revelar uma perspectiva do Canto de Amor e de Morte prevalentemente apontada sobre os seus valores morfológicos. Estes são, a meu ver, os mais relevantes e actuantes da obra, em relação a um pensamento criador actual. É através de um princípio organizador da morfologia da linguagem, de férrea coesão interna fundado sobre o intervalo e o seu poder estruturador, que Lopes-Graça atinge um invejável equilíbrio entre o domínio dos meios de expressão e a sua qualidade poética. Não residem apenas, porém, nos valores morfológicos as qualidades de coesão unificadora reveladas por esta obra. À parte a estruturação rítmica (em geral organicamente elaborada) e uma escrita instrumental muito sensível e "essencial", princípios ordenadores ao nível da forma (em sentido restrito), da retórica musical e da sintaxe - entre os quais são perfeitamente identificáveis e caracterizáveis o princípio tripartido e o princípio da alternância - asseguram a coerência interna da obra nos vários planos formais. Tais princípios são perfeitamente verificáveis, numa análise do plano esquemático da sua estrutura formal.
(Texto resumido e extraído do artigo Canto de Amor e de Morte - Introdução a um ensaio de interpretação morfológica escrito e publicado em 1966.)
Circulação
Obra
Tipo
Data
Entidade/Evento
Local
Localidade
País
Intérpretes
Observações
Inv Row
Canto de Amor e de Morte
Estreia
1961/Nov/08
Fundação Calouste Gulbenkian - Auditório
Lisboa
Portugal
Rafael Couto (violino), João Nogueira (violino), Alberto Nunes (viola), Filipe Loriente (violoncelo), Jorge Peixinho (piano)
Observações
Canto de Amor e de Morte
Execução
1986/May/12
10ºs Encontros Gulbenkian de Música Contemporânea
Fundação Calouste Gulbenkian - Grande Auditório
Lisboa
Portugal
Quarteto de Cordas da Oficina Musical:
Carlos Fontes (violino), José Manuel da Costa Santos (violino), José Luís Duarte (viola), Gisela Neves (violoncelo)
Olga Prats (piano)
Álvaro Salazar (direcção)