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José Carlos Sousa


Foto: José Carlos Sousa · © Luís Belo

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Questionário/ Entrevista

Parte 1 · raízes e educação

· Como começou para si a música e onde identifica as suas raízes musicais? ·

José Carlos Sousa: A música entrou na minha vida quando eu era ainda criança. Os meus pais levaram-me à associação da aldeia onde vivia para aprender a tocar um instrumento. Comecei então a tocar bandolim e guitarra por imitação, e mais tarde tive aulas de música na Associação Coutoense. Tudo mudou quando entrei no Conservatório de Música de Viseu «Dr. José de Azeredo Perdigão», escola que me preparou para o ingresso no Curso de Composição na Universidade de Aveiro.

· Que caminhos o levaram à composição? ·

JCS: A possibilidade de poder criar uma peça musical sempre foi algo que me fascinou. Desde miúdo que, em grupo, íamos inventando as nossas músicas com as guitarras. O momento decisivo para estudar composição com maior seriedade deu-se no meu último ano de Conservatório onde tive a sorte de ter três professoras (a Jacinta Ramos a Isabel Ramos e a Sara Carvalho) que vinham da Universidade de Aveiro realizar o seu estágio profissional no Conservatório de Viseu. Foi nesse ano que conheci alguns compositores portugueses que me influenciaram muito como João Pedo Oliveira, Amílcar Vasques Dias, Cândido Lima e Emmanuel Nunes. Fizemos música (composição coletiva) para peças de teatro, realizámos vivitas de estudo onde ouvimos a música de alguns dos compositores já referidos, e começamos a compor música «ao nosso estilo». No ano seguinte entrei na Universidade de Aveiro onde iniciei os meus estudos de Composição.

· Que momentos da sua educação musical se revelam, hoje em dia, de maior importância para si? ·

JCS: Para lá do meu já referido percurso no Conservatório de Viseu, destaco os estudos de Composição que realizei na Universidade de Aveiro, com a possibilidade de estudar e compor música eletroacústica nos estúdios da universidade. Em Aveiro, os professores João Pedo Oliveira, Evgueni Zoudilkine e Isabel Soveral, foram decisivos na minha formação enquanto compositor.
Destaco também as masterclasses realizados na Fundação Gulbenkian, no Festival Música Viva e na Universidade de Aveiro, com grandes compositores como o Emmanuel Nunes, Jorge Antunes, Alain Sève, Flo Menezes, ou François Bayle.

Parte 2 · influências e estética

· Que referências do passado e da atualidade assume na sua prática musical? ·

JCS: Como referências do passado, posso destacar as obras de Bach, Bartók, Messiaen, Ligeti ou Emmanuel Nunes.
Atualmente, sinto muita admiração e respeito pela pessoa e obra de João Pedo Oliveira.

· Existem fontes extramusicais que de uma maneira significante influenciem o seu trabalho? ·

JCS: Sim, dependendo da música que quero compor, podem ser várias as influências extramusicais. Destaco primeiramente a Bíblia Sagrada, onde tenho repetidamente buscado inspiração em imensos textos, também pelas minhas convicções religiosas. Várias obras literárias me têm servido de inspiração como o romance “Don Quixote de la Mancha” de Cervantes que foi o ponto de partida para a última obra que criei.

· No contexto da música de arte ocidental, sente proximidade com alguma escola ou estética do passado ou da atualidade? ·

JCS: Sim, continuo a sentir que a Segunda Escola de Viena marcou de forma decisiva a evolução da música e os múltiplos caminhos que percorreu até aos nossos dias.
A utilização dos meios eletrónicos para criar e difundir a música é algo que também marca de forma decisiva a minha forma de pensar e compor a música.

· Existem na sua música algumas influências das culturas não ocidentais? ·

JCS: Não, por norma as minhas influências estão ligadas às minhas vivências: viagens, romances, e inspiração bíblica.

· O que entende por «vanguarda» e o que, na sua opinião, hoje em dia pode ser considerado como vanguardista? ·

JCS: «Vanguarda» é a procura do novo, desenvolver e utilizar uma linguagem artística/ musical que possa englobar a pesquisa e desenvolvimento de novas sonoridades.

Parte 3 · linguagem e prática musical

· Caraterize a sua linguagem musical sob a perspetiva das técnicas/ estéticas desenvolvidas na criação musical nos séculos XX e XXI, por um lado, e por outro, tendo em conta a sua experiência pessoal e o seu percurso desde o início até agora. ·

JCS: Eu diria que as minhas primeiras obras, no período da minha formação na universidade, estavam muito ligadas às influências da música serial.
Nos últimos anos tento fazer na minha música aquilo que gostaria de ouvir. Ou seja, estou menos preocupado com as estruturas organizativas ou composicionais que utilizo e tenho posto o meu foco no «som», no resultado auditivo que a obra possa ter. As metamorfoses tímbricas operadas nos instrumentos, ou com recurso a meios eletracústicos, são muito importantes e muito utilizadas na minha música.

· Há algum género/ estilo musical pelo qual demonstre preferência? ·

JCS: Sim, gosto muito de trabalhar Música de Câmara com ou sem eletrónica. Explorar as múltiplas combinações instrumentais com a possibilidade de as expandir através da eletrónica, tem sido uma das minhas formas preferidas de criar novas obras. O resultado auditivo destas obras, a meu ver, transporta o ouvinte para novos mundos de sonoridades por vezes inesperadas, conferindo à obra musical um interesse auditivo acrescido.

· No que diz respeito à sua prática criativa, desenvolve a sua música a partir de uma ideia-embrião ou depois de ter elaborado uma forma global? Por outras palavras, parte da micro para a macro forma ou vice-versa? Como decorre este processo? ·

JCS: Não tenho uma forma pré-concebida. Por vezes é a microestrutura que de forma embrionária faz derivar o material a utilizar na obra, mas também posso estruturar a forma global da obra e depois desenvolver os materiais de cada secção.

· Como na sua prática musical determina a relação entre o raciocínio e os impulsos criativos ou a inspiração? ·

JCS: Considero que a inspiração é sempre muito importante para qualquer criador. Enquanto compositor acho que, para criar novas obras que possam ter interesse para o público, temos necessariamente que ter boas ideias, mas a componente racional também é muito importante para conseguir um trabalho coerente. A forma como dominamos e utilizamos os processos composicionais, também é decisiva para que uma obra musical possa ter maior ou menor interesse.
Penso que para criar uma boa obra, é primordial inspiração, depois a razão é decisiva.

· Que relação tem com as novas tecnologias, e em caso afirmativo, como elas influenciam a sua música? ·

JCS: Há mais de 20 anos que utilizo as novas tecnologias na elaboração e/ ou difusão das minhas músicas. Gosto muito de trabalhar música mista, explorando os recursos instrumentais e eletroacústicos na mesma obra. Mas também gosto de trabalhar só peças eletroacústicas utilizando sons criados em computador ou transformar os sons que nos rodeiam na mesma obra, criando um universo sonoro muito próprio.

· Qual a importância do espaço e do timbre na sua música? ·

JCS: O timbre e o espaço têm quase sempre grande importância nas minhas obras, principalmente quando faço música eletroacústica. Também quando escrevo música só para instrumentos, estes parâmetros são muito importantes para mim e tenho-os utilizado com frequência.

· O experimentalismo desempenha um papel significante na sua música? ·

JCS: Depende muito do que se considera experimentalismo, penso que não sou um compositor que utilize muito o experimentalismo. Mas como já referi, gosto muito de compor música eletroacústica, é claro que aí há muitos caminhos percorridos ou ainda para percorrer, que estão muito próximos do experimentalismo. É certo que as transformações tímbricas e a espacialização na música eletroacústica ainda são desconhecidas de muito público e podem ser consideradas de experimentalismo. Para mim já são uma forma completamente estabelecida de trabalhar os sons que utilizo na minha música.

Parte 4 · música portuguesa

· Tente avaliar a situação atual da música portuguesa. ·

JCS: Penso que a música portuguesa vive um dos seus períodos mais férteis de sempre. Quer na área criativa quer nos grandes intérpretes que Portugal tem exportado para muitas e importantes orquestras internacionais. Os conservatórios, escolas profissionais e as universidades têm desempenhado um papel importantíssimo na melhoria dos músicos portugueses e consequentemente da música em Portugal. Por outro lado, a par de grandes estruturas como a Gulbenkian, o CCB e a Casa da Música, também se têm desenvolvido no nosso país muitos Festivais de Música fora dos grandes centros e que têm contribuído de forma decisiva para o crescimento e desenvolvimento da música portuguesa.

Parte 5 · presente e futuro

· Poderia destacar um dos seus projetos mais recentes, apresentar o contexto da sua criação e também as particularidades da linguagem e das técnicas usadas? ·

JCS: Gostaria de destacar a obra que compus recentemente e que foi estreada em abril de 2022. É uma obra para orquestra e resulta de uma encomenda conjunta do Festival Internacional de Música da Primavera de Viseu e da Miso Music Portugal.
A obra chama-se “As 7 trombetas e a Nova Jerusalém”, e está inspirada no Apocalipse o último livro da Bíblia. As 7 trombetas anunciando, nos capítulos 8, 9 e 10, várias pragas, transportam-nos para um clima de dor e de grande sofrimento. No capítulo 21 é apresentada a cidade perfeita, a cidade santa, a morada de Deus com os homens, que brilhava como uma pedra preciosa. Aqui somos transportados para um clima de bem-estar, paz, serenidade, de amor.
É nesta dicotomia entre a dor e o bem-estar que a obra se desenvolve.

· Como vê o futuro da música de arte? ·

JCS: Penso que a música de arte tem o seu futuro próximo assegurado e recomenda-se.
Apesar das estruturas governamentais, principalmente em Portugal, não darem a importância devida e os apoios necessários às muitas propostas artísticas da música atual, os promotores dos eventos musicais têm conseguido criar formas de «fazer acontecer» festivais de música de grande qualidade, mesmo fora dos grandes centros urbanos.
O sistema de ensino português tem permitido desenvolver muitos talentos, quer na área da composição quer na interpretação; é, pois, urgente que o poder político perceba a importância de apoiar os jovens músicos nas suas carreiras artísticas. A promoção de concertos, orquestras regionais, apoios aos festivais existentes e outros emergentes, é fundamental para que os nossos melhores músicos não continuem a fazer a sua carreira fora do país.
No entanto, penso que nunca tivemos tantos músicos e com tanta qualidade como nos nossos dias. A música de arte tem futuro.

José Carlos Almeida de Sousa
Viseu, 30 de Janeiro – 30 de Abril, 2022
© MIC.PT


José Carlos Sousa · Playlist

· “Apocalíptica” (2000) · “Compositores Portugueses: Nuno Leal - João Pedro Oliveira - Olga Pereira - Isabel Soveral - Jorge Prendas - José Carlos Sousa” [Numérica (NUM 1123)] ·
· “Viagem” (2001) · “Electronic Music – Vol. I & II · Portuguese Composers · Música Viva Competition” [Miso Records (MCD 013/014.04)] ·
· “Contemplação II” (2002) · Carlos Canhoto (saxofone) · [gravação de 2003] ·
· “Contemplação I” (2003) · Paula Sobral e Manuel Tavares (guitarras) · [peça gravada em 2006 nos estúdios da Universidade de Aveiro] ·
· “Solilóquio I” (2018) · Carlos Canhoto (saxofone) · “SOLI” [edição de autor · 2018] ·
· “Souks” (2018-2019) · música electroacústica [inédita · gravação do compositor] ·
· “A Escada de Jacó” [“Sulam Yaakov”] (2019) · Ana Cláudia Assis (piano) e Miguel Rocha (violoncelo) [Duo Sigma] · [gravação: Festival DME – Dias de Música Electroacústica, Tesseract Ensemble-DME, 4 de Julho de 2019, Casa Municipal da Cultura de Seia] ·
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