Níl é uma palavra de origem persa, da qual o árabe
annir (or
annil) e o português
anil derivam. Refere-se a uma cor entre o azul escuro e o violeta, também conhecida como
índigo.
Apesar de o anil ser uma das sete cores do arco-íris, o olho humano é relativamente insensível à sua frequência cromática dentro do espectro da cor, e, na verdade, muitas pessoas não a conseguem distinguir de todo. Este aparente paradoxo (a “simplicidade” pura do arco-íris,
versus a sua verdadeira “complexidade”) impulsionou-me a escrever uma obra musical inspirada na consciência metafórica de que, talvez também em relação ao mundo dos sons, não sejamos jamais verdadeiramente capazes de alcançar a totalidade dos sons contidos numa peça que escutamos. Obviamente, a minha obra Níl não é, de forma alguma, uma tentativa de descrever a cor “anil”, ou mesmo qualquer outra cor; antes procura uma representação sonora imaginária e caleidoscópica (também metafórica) do espectro cromático da cor, luz, som e a infinita miríade de matizes perceptíveis e imperceptíveis quer ao olho, como ao ouvido humano.
Concebida para um ensemble bastante conciso (um quinteto de flauta, clarinete, piano, violino e violoncelo – conhecido como o
Pierrot ensemble, em homenagem à obra
Pierrot Lunaire de Schoenberg, escrita em 1912 e uma das primeiras e mais significantes peças escritas para esta formação), decidi adicionalmente restringir ainda mais o âmbito da variedade instrumental, optando conscientemente por não usar instrumentos alternativos como flautim, clarinete-baixo, outros teclados, etc. Desta paleta tímbrica deveras limitada, foi, porém, feito um esforço para diversificar o mais possível os recursos sonoros utilizados, e tentar conseguir o máximo conteúdo dramático do pequeno grupo. Assim, encontram-se nesta obra técnicas especiais de execução instrumental de entre as mais actuais, como
bisbigliando, sons eólicos,
col legno tratto, tocar atrás do cavalete, tocar dentro do piano, entre outros, com o intuito de adicionar uma dimensão de “colorido” ao discurso musical. No entanto, o objectivo primordial é sempre o de apelar aos executantes tanto quanto aos ouvintes, numa procura da comunhão do processo artístico que é a característica mais íntima da Arte, essa manifestação exclusivamente humana.
Níl é dedicada à Camerata Nov’Arte, e foi escrita para a digressão do grupo à Eslováquia em 2019, por quem foi estreada, dirigida pelo compositor, no dia 12 de Abril, nos estúdios da Rádio Estatal Eslovaca, numa transmissão em directo.
Luís Carvalho