Categoria Musical Solista(s) e Orq./Ens. e/ou Coro/Conjunto Vocal
Instrumentação Sintética coro, orquestra e multi-instrumentista
Autor do Texto Clément Bondu
Título do Poema ou Texto -
Um homem entra no Inferno. Sem saber porquê, chega junto das suas portas. Entra. Na estranheza. Da sua existência. Vê-se a si próprio como nunca se tinha visto.
Este foi o mote que dei ao escritor Clément Bondu para construir uma narrativa.
Em torno desta imagem
dantesca.
Queria que esta narrativa fosse como uma fina película que envolve o material musical. Não que ocupasse um plano de imposição sobre a perceção de quem a segue, mas que fosse como um pequeno conforto perante a música, que pode ser sempre tantas coisas diferentes para cada um dos que a escutam.
Primeiro, o homem que ali entra encontra um conjunto de vozes – como um coro quase impercetível na sua mensagem — que o recebe e o traz para dentro daquele espaço. Depois, ouve uma só voz. Serena, mas firme. Parece que lhe fala. Que lhe é dirigida. Mais tarde, aquelas vozes que o receberam começam a tornar-se menos difusas. Parece uma Torre de Babel. Aquele espaço parece. “
Eu pequei” – diz uma delas. “
Do you know what Charon told me ?” – pergunta outra. Parece que se torna cada vez mais comum aquele espaço. Para ele, gradualmente. Ele já é dali. Ali pertence. Como um sem-abrigo após a primeira semana na rua.
Depois da normalização.
Já imaginaram a primeira semana de um sem- abrigo na rua?
Aquela voz serena volta a falar-lhe. Apresenta-se. Meio indiferente, parece. E o homem que ali chegou e que a escuta vê um espelho de si próprio. Por cada e em cada uma das palavras. No conforto. Da sua não-existência. Percebe que, afinal, não chegou ao Inferno.
Nuno da Rocha · Programa de Sala · Fundação Calouste Gulbenkian, 23 e 24 de Janeiro de 2020