Mário Redondo (barítono), Sara Braga Simões (soprano), Catherine Rey (soprano), José Corvelo (barítono), José Lourenço (tenor), Elmira Sebat (alto)
Ensemble Instrumental da Orquestra Metropolitana de Lisboa:
Nuno Inácio (flauta), Gonçalo Conceição (clarinete), Luís Correia (fagote), Filipe Coelho (trompete), Adélio Carneiro (tuba), Edgar Araújo (percussão), Nicholas McNair (piano), Juliusz Michalski (violino I), Laurentiu Zapciroiu (violino II), Sandra Martins (viola), Guenrikh Elessine (violoncelo), Marlene Gomes (contrabaixo)
Cesário Costa (direcção)
Local Teatro da Trindade
Localidade Lisboa
País Portugal
Observações
Paulo Matos (encenação)
José Manuel Castanheira (cenografia)
As 5ª e 6ª récitas foram gravadas para a RTP2 em parceria com a RDP-Antena2.
Texto
Autor do Texto Rui Zink
Título do Poema ou Texto Os Fugitivos
Observações
Libreto original
Notas Sobre a Obra
“No meu lugar todos fariam o mesmo”
(Roberto, fuga final da cena 13 de Os Fugitivos)
Crónica
Quando senti que chegara o momento de compor a minha primeira ópera a sério, decidi contactar o Rui Zink (que conheço já vai para vinte anos), porque pensei que ele era a pessoa certa para escrever um libreto actual e estimulante, capaz de interessar um público de hoje e funcionar como uma espécie de Zeit Opera (ópera do momento), como dizem os alemães (que também chamam zink às cornetas).
Ele entusiasmou-se logo com a ideia (estando a par da importância histórica dos libretistas) e deu-me a ler uma peça de teatro, que já tinha escrito, chamada A Fuga do Egipto (isto em Julho de 2001). Apesar de acharmos que a peça precisaria de uma adaptação para libreto (que raramente é igual a uma peça de teatro), o tema parecia cheio de possibilidades musicais e as personagens adequavam-se perfeitamente à distribuição convencional dos tipos humanos pelas vozes líricas. Além de tudo, ter um político, uma mulher guarda-costas e um toxicodependente num drama musical não é todos os dias...
Os acontecimentos precipitaram-se a partir do momento em que apresentei a proposta no Teatro da Trindade, tendo o Dr. Carlos Fragateiro apoiado, desde o início, a ideia de uma ópera que fosse simultaneamente experimental e popular. Em Setembro do mesmo ano, desenhei um quadro dramatúrgico-musical, em que definia os personagens, a sua tipologia vocal, o tipo de orquestra e alguns aspectos de semiótica musical e dramática. Com os contratos assegurados, o Rui começou a escrever o libreto em inícios de 2002, depois de termos acertados o nome da ópera e das personagens, a estrutura em 2 actos e 13 cenas, e os contextos que favoreceriam os números musicais (recitativos, ariosos, cavatinas, árias, duetos, cenas de conjunto, etc.). Aparentemente uma abordagem clássica do género.
Análise
Enquanto o Rui ia escrevendo o libreto, eu ia paralelamente definindo os materiais musicais, que iria empregar na composição. Comecei por inventar, usando o meu método pessoal de notação alfabética, leitmotivs melódicos e rítmicos deduzidos dos nomes das personagens, e sujeitos a uma técnica especial de transformação, que inclui a rotação, a translação, a inversão, a permutação, a retrogradação etc. - uma espécie de bilhete de identidade musical de cada personagem. O mais reconhecível de todos ao longo ópera é o de Marta. A quarta rotação do motivo Ferlucci dá Luccifer (o que já por si era um anagrama). Os padrões resultantes permitiriam depois criar linhas unificadoras no tecido musical global.
Assim cada personagem é portador de uma bagagem musical (de que não tem consciência) composta por material temático com origem no nome, apêndices musicais (constituídos muitas vezes por citações ou por gestos habituais), harmonias, tonalidades ou modos específicos (grosso modo o político é associado à tónica, a segurança, à dominante, os pais, às relativas maior e menor, e entre o diabo e a louca do consumo, a “falsa relação de trítono”). Outros aspectos participam da mesma lógica, como a pistola de Marta, as onomatopeias e marcas de Elisa, ou as secções de carácter dodecafónico quando, no segundo acto, o toxicodependente se revela diabo. Também existe uma relação simbólica (nem sempre sistemática) com os instrumentos da orquestra: Roberto é associado ao piano, Marta à flauta, Cremilde ao clarinete, Alfredo ao fagote, Ferlucci ao trompete e Elisa à tuba.
Além disso, outros elementos musicais participam na trama geral. Há indicações de metrónomo com intenções poéticas, tipo 115, 69 ou 55,5 (não perceptíveis pelo ouvinte), pedais da tuba (com a nota ré mais grave) que representam o som do navio e clusters no piano a lembrar que tudo começou com um desastre. Na percussão abundam os sinais sonoros como o “cavalo” do toxicodependente (representado pelo galope nos temple blocks), o dinheiro (representado pelas intervenções do triângulo) ou o mar (representado pelas rebentações do pau de chuva). Também não podiam faltar os telemóveis, sugeridos de várias maneiras no decurso da acção.
Há bastante material “pedido de empréstimo” com funções dramáticas (citação, paráfrase, paródia, alusão, homenagem, puro roubo, relíquia pessoal, despojo simbólico, etc. – o que quiserem chamar-lhe). A lista é demasiado longa para ser aqui apresentada, prefiro convidar o público a tentar o jogo de adivinhação, numa área que também se relaciona com a nossa memória colectiva. De certeza que muitos irão perceber a citação no final da cena oito (apesar de laboriosamente transformada) - eis um caso de evidência que poderá ser polémica. De qualquer modo, as fontes são muito diversas e democráticas e também existem citações paraespecialistas. Não obstante, como a maior parte do material é original, prefiro também convidar o público a tentar o jogo da descoberta - num discurso geralmente poli-estilístico, neo-clássico e irónico de base.
Crónica
Comecei a compor compulsivamente Os Fugitivos em princípios de Abril de 2002, logo que o Rui me entregou o primeiro acto, que concluí em Outubro, passando ao segundo acto, que terminei em Julho de 2003 (15 meses ao todo, um prazo record para uma ópera contemporânea com 2 horas de duração). Escrevi a partitura ao piano, no estirador e no computador. Preocupei-me com o equilíbrio entre os dois actos, com a dramaturgia musical de cada cena, com o estilo melódico e prosódico adequado a um português de vulgata, com a criação de prelúdios e interlúdios fundamentais para a atmosfera do drama, com funções de contraste e repouso, com o corte e costura determinantes da progressão dramática e musical, e com todo um trabalho complexo de orquestração para tirar o máximo rendimento de uma orquestra pequena (fl., cl., fag., tre., tub., perc., pno., vl.I, vl.II, vla., vlc., cb.).
Comecei com uma Abertura que descreve um acidente de viação, e acabei com a Fuga Final - uma ópera com este nome não podia dispensar o uso emblemático da forma mais consagrada pela tradição clássica. Pelo meio, em dedicação quase exclusiva, horas e horas de combate, para arquitectar este dramma per musica, convivendo diariamente com estes seis personagens loucos que quase tomaram conta de mim. Mas agora que entreguei a obra nas mãos dos intérpretes que a vão defender, tenho-me dedicado a tarefas como: revisões e correcções, extracção de partes para a orquestra, reuniões com os meus infatigáveis colaboradores e o magnífico elenco, ensaios – enfim, a ver o espectáculo a nascer. É mais uma experiência única a que estou a viver e já me apetece escrever uma nova ópera. “No meu lugar todos fariam o mesmo”.
José Eduardo Rocha (Fevereiro de 2004)