Entidade/Evento Concertos Inaugurais da Orquestra do Algarve
Local Auditório da Universidade do Algarve
Localidade Gambelas (Faro)
País Portugal
Notas Sobre a Obra
Love's Labour's Lost foi encomendada pelo maestro Álvaro Cassuto para a nova Orquestra do Algarve e a ele é dedicada. Embora o maestro Cassuto não tivesse sugerido nada de carácter obrigatório sobre a obra, deixando-me completamente à vontade, quer quanto à música em si quer quanto ao nível de exigência técnica ou duração da obra, o facto de ser uma encomenda para um agrupamento de dimensão clássica com um núcleo de excelentes músicos, destinada ao primeiro concerto de uma nova orquestra (ocasião festiva) teve sem dúvida influência na música que compus. Em primeiro lugar, a formação clássica da orquestra, com sopros a dois e timbales, inspirou-me uma escrita e uma forma de certo modo neoclássica, sem no entanto fazer referência estilística a modelos muito directos. Digamos que as sombras sempre admiradas de Haydn (na clareza, simplicidade e humor) e Stravinsky (no ritmo e na energia vital) passam pela obra! Por outro lado, o facto de ter à disposição óptimos instrumentistas e de se tratar de um acontecimento inaugural impôs à escrita um carácter concertante, virtuosístico e brilhante, festivo mesmo. Quis também que os músicos tivessem prazer a tocar e o público a ouvir. Não me pareceu adequada para a ocasião uma peça nem demasiado longa nem demasiado complexa, quer para ensaiar quer para ouvir. Embora por vezes a minha música seja bastante complexa e difícil, mantenho firme a convicção que o músico de hoje pode, tal como os do passado, escrever boa música para ocasiões muito diversas, sem por isso estar a renegar seja o que for da sua liberdade e integridade artísticas. Bach escreveu a Missa em Si m mas também a Cantata do Café, Mozart a Sinfonia 40 mas também a Serenata Nocturna, e Beethoven, para citar aquele que é ainda hoje considerado o Titã da música, o Quarteto opus 135 mas também as Bagatelas ou o Rondó do Tostão Perdido…e é claro que já não falo de Stravinsky, Prokofiev ou Britten. Quem não fica bem disposto ao ouvir a Circus Polka (destinada a fazer dançar elefantes bébés do Circo Barnum), a Sinfonia Clássica ou o Guia dos Jovens para a Orquestra? Tentei pois, emulando os grandes mestres, encontrar um pouco desse espírito lúdico para esta obra, e espero que ela dê tanto prazer aos músicos e ao público tocá-la e ouvi-la como me deu a mim escrevê-la. A ideia de compôr a música de uma ópera imaginária veio no seguimento de uma das minhas inúmeras releituras do romance de Thomas Mann Doktor Faustus. Nele, o protagonista Adrian Leverkhün (um compositor atormentado pela sua alma perdida, vendida ao Diabo em troca do Génio), compõe várias obras imaginadas por Mann, obras das quais sabemos pormenores (descritos pela pena de Serenus Zeitblom, amigo e confidente que como narrador nos conta as suas memórias) com detalhes surpreendentes. Já anteriormente me detivera a imaginar, pela descrição do livro, como teriam sido algumas das obras do compositor Leverkhün, e cheguei mesmo a escrever uma peça para cordas (Wanderweg) baseada na descrição de uma sua obra de juventude. Desta vez interessou-me a ópera baseada na peça de Shakespeare Love's Labour's Lost, uma comédia de enganos e amores esforçados mas infrutíferos (uma tradução possível do título poderia ser "Canseiras de Amor Para Nada" ou "Canseiras de Amor Baldadas"), comédia bastante ácida na crítica e (segundo a opinião de Serenus…) na aparente falta de humanismo que o tratamento da linguagem vernacular do jovem Shakespeare impõe ao texto. A ópera e em particular a sua Abertura são descritas no livro com bastante pormenor, tendo Mann baseado as suas observações na música neoclássica dos anos 20 e 30. Com base nas suas observações e na minha própria interpretação do texto shakespeariano, escrevi então a Abertura dessa ópera imaginária. Os personagens mais engraçados da peça são os caracteres cómicos e grotescos de Holofernes (um pedante que passa o tempo a corrigir a fala dos outros e a ladrar citações em latim), do Bobo, do Cura e do inefável Don Armado (supostamente um embaixador espanhol ou português, vaidoso, ridículo, enfatuado, mas ao mesmo tempo de uma certa afabilidade pateta), caracteres que, novamente na opinião de Serenus Zeitblom, iriam (pela insistência com que a música segue de perto a sua verborreia frequentemente em baixo calão) impôr à ópera de Adrian uma atmosfera grotesca exagerada e um certo cerebralismo de escrita ("cerebralismo" que eu não desdenhei, pese embora a opinião do confidente de Adrian: a escrita canônica rigorosa é frequente nesta Abertura).
Sérgio Azevedo