Duo formado por Miguel e Paula Azguime, que se estreou há 40 anos, em 1985, e que continua a marcar a criação musical contemporânea - o Miso Ensemble está Em Foco no MIC.PT em abril.
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Entidade/Evento Quatro Postais de Quatro Compositores Portugueses a Haydn e Mozart
Local Reitoria da Universidade Nova de Lisboa - Auditório
Localidade Lisboa
País Portugal
Notas Sobre a Obra
Praxíteles, escultor grego da Antiguidade Clássica, celebrizou- se por esculpir os seus modelos com uma pose inconfundível, hoje conhecida como a pose praxitélica, recuperada e imortalizada uns séculos mais tarde por Miguel Angelo no famoso David que celebrou recentemente o seu 500º aniversário. É uma pose contrastante, com um lado tenso, ágil, pronto para a acção e um outro lado sereno, imperturbável, em pura ataraxia helénica. Este modelo escultórico sempre me fascinou por conter, estas duas dimensões justapostas, faiscantes. Se aqueles gestos são antitéticos, a síntese dos mesmos é feita em sede cerebral, pela volumetria da nossa leitura, pela ressonância da nossa memória afectiva, quando experimentamos contemplar o David demoradamente, de todos os ângulos, circundando-o. Para além de percebermos o síndroma de Stendhal, o estado melancólico de alma a que nos transporta a contemplação das obras-primas, realizamos claramente o estado em que Miguel Angelo nos quer: elevados pela manifestação sensível da graça, mas, sobretudo, seus cúmplices, emoção bem mais humana esta, colhidos pelo charme incomparável das suas opções e do seu poder de comunicação que vence o tempo. A comoção nasce aí, na faísca entre o imaterial e a paixão humana, entre o metafísico e o amor próprio. Entre a tese e a antítese. A comoção é isso mesmo: a nossa síntese.
Tudo isto para explicar um título: Música praxitélica.
E quem são os dois deuses do Olimpo? Haydn e Mozart, muito precisamente. Haydn, porque, citando Lopes-Graça, me faz bem na sua universalidade. E Mozart, porque me faz mal, no seu umore malincònico. Talvez nenhum outro mestre tenha sentido e lido assim, como ele, a tragédia humana, com a graça imaculada de um anjo, e com subtileza própria de um deus do Olimpo. Como é possível ir-se tão fundo ao fundo da alma com o optimismo próprio das tonalidades maiores? Isto é uma alquimia a que só alguns chegam. E que só alguns percebem.
Praxíteles, Miguel Angelo, Haydn, Mozart! O que é que eu faço aqui, no meio deles? Nada.
Eurico Carrapatoso, 27.X.2004