Centro de Investigação & Informação da Música Portuguesa
Música sem fronteiras. Portugal nas Jornadas Mundiais de Nova Música.
No ano em que decorrerá a 1ª edição portuguesa do festival ISCM World New Music Days, o MIC.PT apresenta uma reflexão histórica sobre a ISCM e a presença da música portuguesa nos WNMD.
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"Por fim, julgo que a única obra musical aqui apresentada com características de peça independente (isto é: isolável da designação de música para filme, no caso - um documentário de Fernando Lopes) é a Balada para um Emigrante.
A isso não será alheio o facto de eu ter composto a música antes de o Fernando Lopes filmar o documentário, o qual, num processo de criatividade inverso do que é habitual, ilustrou com imagens os sons da banda sonora.
A Balada para um Emigrante é uma obra em que eu pretendi utilizar a chamada "música concreta" - normalmente ligada à apreciação restrita de alguns melómanos musicais mais especializados naquilo a que, há demasiados anos, se vai chamando "vanguarda"... - para traduzir um sentimento profundamente humano e popular de nostalgia pelos sons da terra que se teve um dia de abandonar...
Penso que, em termos de estatística, não há emigrantes voluntários e que toda a distanciação das origens é dolorosa - até para os "emigrantes de luxo", aquela minoria que não se afasta por uma questão de imediata e premente defesa da própria subsistência física, mas sim em defesa de uma realização profissional, artística ou cultural...
Para os outros, para a enorme, a esmagadora maioria dos emigrantes, o regresso é um ponto de interrogação que em cada dia se cava mais sobre as suas dúvidas. E foi para eles que eu compus esta balada: sons do seu país, amarra cultural aos valores do seu já distante dia-a-dia de portugueses, os foguetes da festa, a procissão, a banda da sua aldeia, a matança do porco, palavras que esvoaçam, vendedeiras do mercado, o sermão do padre, e até o carro eléctrico de Lisboa, quando uma vez pensaram que os ruídos frios da capital seriam a maior distância possível das raízes ligadas aos pássaros, ao vento, aos rebanhos nas colinas, aos moinhos de água... e, eternamente, ao diálogo entre o mar e as rochas de Portugal.
Os sons musicais propriamente ditos, em termos tradicionalistas, também trazem uma nota nostálgica mais ou menos directa: há qualquer coisa de "fado" nas melodias do início desta Balada para um Emigrante. Mas o elemento que mais aproxima a obra, assim o creio, do público predominantemente popular a que se dirige é a "música concreta" - precisamente aquele valor estético que, até aqui, mais afastado se mostrou dessa vasta multidão de ouvintes e mais ligado esteve aos reduzidíssimos grupos de consumidores do chamado "vanguardismo artístico".
E, por experiências directas já feitas, julgo que a Balada para um Emigrante é, de facto, uma mensagem cultural que os emigrantes entendem... e sentem!"
António Victorino d'Almeida (extraído das notas para o disco Música para Filmes)