Orquestra da SWF de Baden-Baden
Kasimir Kord (direcção)
Entidade/Evento SWR / Festival de Donaueschingen
Localidade Donaueschingen
País Alemanha
Notas Sobre a Obra
Em Nachtmusik II, a ordem de encadeamento dos grupos de dois sons e o seu registo não são os mesmos, e a sua função é totalmente diferente. Enquanto em Nachtmusik I eram, quase sem interrupção, uma espécie de durchgehende Hauptstimme, aqui poder-se-ia dizer que formam um fio condutor subterrâneo, destinado mais a desencadear desenvolvimentos harmónicos, e/ou os diferentes tipos de construção melódica, isto no plano dos ritmos e das sequências de intervalos.
Para o conjunto as obras de La Création, compus um certo número de matrizes melódicas, cada uma delas baseada em uma, e por vzes duas, espécies de intervalos. (As três "Einspielungen" constituem no entanto o pleno e máximo desenvolvimento da totalidade dessas matrizes.)
Nachtmusik II é atravessada em toda a sua extensão por uma corrente melódica cujo recorte e distribuição instrumental se regem por proporções oriundas de diversos ciclos de pulsações regulares.
Embora se utilizem as doze notas da escala cromática, não é menos verdade que as quatro notas ausentes de Nachtmusik I têm quase sempre uma importância nitidamente menos forte que as outras oito.
A proliferação de traços melódicos confiados na maior parte dos casos a solos, a divisão quase permanente da orquestra em vários grupos de câmara, e a intervenção de grupos instrumentais maciços (ou mesmo dos tutti) são outros tantos tipos de escrita diversos que se organizam num contraponto de complexos tímbricos. A simultaneidade de vários grupos de câmara constitui igualmente essa espécie de contraponto, onde o desenrolar das diferentes "vozes" está ordenado verticalmente e segundo pontos de sincronia, demarcando estes espaços intermédios onde o desenvolvimento horizontal leva a melhor sobre o ajustamento vertical. Destes pontos de sincronia são também responsáveis certos ciclos de pulsações regulares, ou então zonas desses mesmos ciclos, autonomizadas.
Voltando uma última vez aos 23 pares de pulsações regulares. É evidente que, se olharmos à série de harmónicos naturais, cada par corresponderá a um intervalo determinado, uma vez que, como todos sabem, as frequências por exemplo dos 19ºs e 16ºs harmónicos estão numa relação de 19/16.
No plano da composição, no entanto, uma tal correspondência par-intervalo não poderia, tanto quanto me apercebo, ser mais do que um caso particular e pontual de relacionamento de duas dimensões sonoras. A utilização deste género de correspondências não ocorre, ao longo de toda a peça, senão em momentos raros e breves, como uma espécie de simplificação máxima das tensões entre as diferentes dimensões.
Tanto quanto o aprofundamento do conhecimento dos fenómenos acústicos pode fecundar a criação musical, assim a manipulação mais ou menos sofisticada desse conhecimento, quando elevada a substância e finalidade de uma peça, não passa a ser, em meu entender, mais do que a recusa e portanto a incapacidade de fazer surgir e assumir plenamente um gesto criador. Como se nos comprazêssemos em re-"compor" uma série de harmónicos naturais, "enroupando-os" com os requintes da análise acústica. Uma espécie de pseudo-naturalismo... O aspecto provavelmente mais importante da composição de Nachtmusik II foi a multiplicidade de categorias de conexões entre as diferentes dimensões sonoras, o que, em certas passagens da obra, pode atingir aquilo a que eu chamaria uma antifonia de parâmetros, no sentido de que cada parâmetro vai incarnar uma Gestaltung e um processo de desenvolvimento que, "a priori", não consideram minimamente a inevitável interacção do conjunto das dimensões e a sua integração na globalidade do discurso.
Não há um princípio unificador de todas as dimensões ao mesmo tempo, há sim uma unidade de concepção na multiplicidade de métodos e a sua intermutabilidade de uma dimensão para outra.
Emmanuel Nunes